faço-te a ti…

Uso (e abuso) daquele diálogo imaginado, pleno de sabedoria e verdadeira responsabilidade vivente. Um (des)crente pergunta ao seu Deus, diante de uma criança que sofre: “meu Deus, esta criança a sofrer, e Tu não fazes nada?”. Responde Deus: “sim, faço-te a ti…”.

JP in Frases 30 Agosto, 2022

basta agradecer mas…

Basta agradecer. Vendo bem, quando estamos mal é porque perdemos a posição agradecida… O treino é mesmo o do agradecimento… Este lema, porém, não pode ter eco nos que não têm pão. Para esses, sopra o convite ao nosso instinto coletivo de fraternidade e o impacto da minha gratidão só pode ser saciar essa mesma fome. Para que um dia, todos, mesmo todos, possam viver em ontologia agradecida.

JP in Livros 28 Julho, 2022

Pobreza

A pobreza espiritual é libertadora: é a abertura ao que acontece, à novidade. São as mãos vazias. É um certo ‘nada’ que acolhe como dom aquilo que o tempo e o espaço oferecem. Não é passividade, é uma pró-atividade que tenta melhorar o mundo com a riqueza da surpresa acolhida…

JP in Espiritualidade Frases 14 Fevereiro, 2022

as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se II Tg 5, 1-6

as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça

O texto da epístola de Tiago alude à precariedade da materialidade e à fragilidade da acumulação. A Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento, aponta, em inúmeras passagens, para a fragilidade do ter, face à força do ser. Para aqueles que leem estas palavras e já possuem alguma cultura espontânea de austeridade e a quem a vida já ensinou que vale muito pouco a pena acumular, convém abrir uma outra porta, que nos conserva sempre uma positiva inquietação: é que há ainda muitos humanos no nosso planeta que não têm os mínimos e a quem seria imoral pedir qualquer desprendimento. É legítimo que esses desejem ter o mínimo que nunca tiveram e de que precisam. Não chega, portanto, sermos modestos e austeros (embora seja um ponto de partida importante). Parte do movimento de todos nós, mesmo dos menos materialistas, é incentivar e empreender genuínas partilhas, à escala global. Essa partilha, sim, é garantia que a traça não corrói…  

JP in Espiritualidade Frases 26 Setembro, 2021

Ajudar melhor quando nos pedem: a complexa situação da fragilidade social.

Paiva, J. C. (2020). Ajudar melhor quando nos pedem: a complexa situação da fragilidade social. Site Ponto SJ, 22-12-2020.

Disponível aqui

1. Quando me batem à porta…
Numa (só aparente, porque sempre tendente…) novidade na história da Igreja, o Papa Francisco coloca no centro da vida cristã o que nunca deixou de o ser: a fraternidade. Toca-me particularmente a sua mais recente encíclica, Fratelli Tutti, na qual Francisco convoca a Igreja para a sua missão essencial, nos tempos concretos que vivemos. É essa enculturação no tempo e no espaço que habitamos que renova todas as coisas. Este documento ajuda-me a entender, com a razão e com o coração, o trilho, o perfume e a inspiração da resposta a trabalhar face à grande pergunta da identidade crente: “onde está o teu irmão?” (Gn 4, 9-10).

Confesso, porém, uma extrema dificuldade, oxalá não bloqueante, em praticar estas indicações, como forma vertida nos lugares que piso. É no “como fazer” que se tece a ambiguidade e o desafio.

Recordo com ternura a inspiração de Santo Afonso, um simples porteiro que, segundo se conta, quando ouvia a campainha da porta dizia a si mesmo e a quem estivesse por perto: “já lá vou, Senhor”. Esta será, em meu entender, a luz que sempre iluminará: cada um que me solicita torna-se o centro (o Senhor…), que merece atenção, carinho e eficácia.

2. Convergir com a ação social institucionalizada
Sou abordado por pessoas em dificuldade social que, aqui e ali, me pedem ajuda. Tento, muitas vezes em família, dar alguma sequência em pequenos gestos que envolvem coisas como: otimizar processos de acesso à saúde, alavancar imbróglios burocráticos na relação com as finanças, a segurança social ou as entidades municipais, ajudar na vida escolar de filhos, mediar alguns conflitos, etc. A experiência de alguns anos e algumas situações delicadas de frutos discutíveis, leva-me a sugerir a mim mesmo, o seguinte:

a) Não empreender gestos e ações que não foram solicitados ou, pelo menos, cuja confirmação de interesse pela parte de quem os recebe não esteja clara. Tenho no meu passado nesta área muitas iniciativas cheias de diligências, procedimentos e energia que ‘morreram na praia’ muito por falta de aferição minha do que era francamente desejado, possível e sustentável…
b) Não dar dinheiro diretamente. Salvo raríssimas e ponderadíssimas exceções é sempre melhor evitar a dádiva de dinheiro, “tout court”.
c) Escutar bem a necessidade, o contexto e o que me é solicitado.
d) Não prometer nem o impossível nem o que não puder fazer. O mais infecundo, nestes cenários, é o dizer que se vai fazer e depois esquecer (no limite, é a acumulação dessas não correspondências que trouxe até à fragilidade social quem nela está…).
e) Evitar os julgamentos prévios, que contaminam a generosidade. Os perigosos “vai trabalhar malandro”, “é para a droga” ou “recebe RSI e toma o pequeno almoço na pastelaria” são ótimos relaxantes escapatórios e são de um simplismo básico, que inibe o necessário olhar mais profundo, exigente e atuante.
f) Por fim, algo que nem sempre pratiquei, mas que considero hoje vital: quando tal se justifica (na maioria dos casos assim é) procurar saber quem é a equipa de assistência social ou apoio já no terreno e convergir com esses esforços. Nos dias de hoje não avanço em procedimentos mais elaborados de ajuda sem indagar, com o conhecimento de quem me procura, junto dos técnicos ou outros agentes já no cenário da ajuda. Tudo isto ganha frutos adicionais quando feito em rede. O contrário, voluntarista e porventura sentimentalmente, gera em muitos casos dispersão e, não raras vezes, contradição de ajudas…
A realidade da fragilidade socioeconómica é de uma complexidade gritante. Por conseguinte, a ação dos técnicos de ação social, antes de mais louvável, mas, ao mesmo tempo, muito exigente e às vezes frustrante, pede colaboração dos pares (vizinhos, amigos, familiares, cidadãos… cada um de nós). Esta colaboração, porém, deverá ser feita de forma transparente e coerente, colaborando, de facto, e nunca concorrendo ou divergindo…

3. Um ‘mimo’ e oração: gestos que cabem sempre
Acontece-me inúmeras vezes querer articular com a assistente socio-caritativa já em ação, face a um pedido de alguém e, quem me está a solicitar ajuda, negar esse envolvimento. Posso sempre fazer qualquer coisa. Chamo a isso mesmo os ‘mimos’, tipicamente radicados em gestos simples:

a) Ouvir. Serei simples neste item e afirmo, com alguma ironia, que nunca fui tão bom a enunciar o que não pratico assim tão bem. Quando me distraio, com pressa de muito fazer ou desvalorizando o que importa, claudico neste propósito…
b) Dar de comer. Acontece tipicamente em cafés, restaurantes, hipermercados. Pode-se sempre dar algo de comer se existir vestígio de fome. Melhor ainda se for aferido pelo gosto de quem solicita (“o que gostaria de comer”?). Personalizar, portanto… E evitar dar o supérfluo, mas ser capaz de dar o que consumo também eu mesmo…
c) Dar em chave simbólica. Costumo ter no carro caramelos (seria criativo se também tivesse cigarros, mesmo sabendo que fazem menos bem, sei que são mimos para muitos). Quando me pedem, principalmente em filas de trânsito, estacionamentos, etc, embrulho um ou outro caramelo num sorriso. Em regra resulta… Seja um chocolate, uma bolacha, uma flor… o que for…
d) Perguntar o nome e conversar um pouco. Principalmente no espaço incógnito da rua. Por vezes não tenho muito sucesso, porque a agenda de quem me pede é legitimamente outra, mas procuro perguntar o nome a quem me aborda e saber um pouco da sua vida. Bem sei como não aguentaria esse ritmo de falar com todas as pessoas que me pedem se tivesse uma vida numa grande cidade (e isto alimenta-me em certa crítica da própria metáfora urbana…)
e) Oferecer… quando se conhece mais a pessoa, uma peça de roupa ou um elemento de decoração personalizados, que se adivinhem ser bem acolhidos.

No formato crente, pode-se trazer à oração estas pessoas. Nomeá-las como presenças na triangulação com a transcendência amorosa. Pedir sempre a graça da lucidez e de nos abrirmos todos a receber e construir o que possa ajudar no sonho fraterno de Deus, que teima em querer usar as nossas mãos…

4. Ovos-galinhas-ovos…
A conhecida metáfora de “dar a cana de pesca e não o peixe” é uma ótima sugestão para a ação social sustentável. Mas a complexidade, a surpresa e a dificuldade espreitam igualmente, mesmo sob esta inspiração. Um exemplo que fala por si: fitados na dita ‘cana de pesca’ entendemos mudar um ritual que tínhamos de dar ovos caseiros produzidos aqui no espaço em que vivemos a algumas famílias. Perguntamos se aceitariam, em vez, potenciando a vida no campo e aproveitando restos de comida, as próprias ervas da natureza, etc, meia dúzia de galinhas poedeiras e uma boa dose de ração de ignição, para dar início sustentável a produção própria. Resposta sim. Ação empreendida. Alguns meses depois “as galinhas foram comidas pelos cães”. Algum humor. Voltamos a dar ovos caseiros, os mimos que sempre valem. Um desconcerto que nos reforça o tónus da complexidade de tanta desgovernação acumulada, génese da pobreza.

5. Ir ainda mais além passará pelo empenhamento político, económico, educativo, cultural…
Perante a multifactoralidade do cenário socioeconómico no nosso país e no mundo, há que estar conscientes de que muitos dos desafios colocados são de ordem política, económica, diplomática (até militar, em alguns casos mais extremos). O empenhamento nestas áreas – e naquela que todas potencia no médio-longo prazo, que é a educação, pode e deve ser resignificado por cada um e por todos nós. O investimento neste ‘macro’, que é a intervenção cívico-política é saudavelmente compatível com a ação ‘micro’ no terreno que, mesmo que simbólica, nos permite algum toque de amparo e, claro está, um mergulho na realidade. A este propósito assinalo que algumas linhas de pensamento e eventual ação, porventura um tanto descontinuistas, como o Rendimento Básico Incondicional (RBI), podem ser ensaiadas.

Na senda desta reflexão não me parecem nada desprezíveis, muito pelo contrário, as doações discernidas e generosas a instituições de confiança e com provas dadas de credibilidade e eficácia na ação socio-económica, nas mais variadas escalas (e porque o mundo é pequeno e globalizado). Por exemplo, o Banco Alimentar Contra a Fome, a Fundação Gonçalo da Silveira (FGS) ou os Leigos para o Desenvolvimento. Participar doando a estas instituições é, em si mesmo, uma aferição de eficácia.

Perigoso, seria uma qualquer instalação nossa “em sofá”, ou num conforto pelo que já se faz (intrinsecamente insuficiente) ou na prisão do que se não consegue fazer. Pedir sede na ação social é pedir lucidez de leitura e de ação, mas, acima de tudo, saber-se esperançosamente irrequieto!

JP in Sem categoria 28 Dezembro, 2020

ecologia social

Na sua encíclica Laudato Si, o Papa Francisco convoca-nos para uma ecologia definitivamente diferente, pessoal, global, espiritual e social. Em particular, mais do que gestos verdes (embora também), que podem até ser egocêntricos, está em causa a promoção da justiça e o cuidado dos descartáveis do nosso tempo.

 

 

JP in Espiritualidade Frases 26 Junho, 2020

A Igreja dos pobres que (ainda não) sou

J. C. Paiva, A Igreja dos pobres que (ainda não) sou

Site PontoSJ (que se recomenda…). 27 de maio de 2020.

Disponível na íntegra abaixo:

A Igreja dos pobres sempre me fascinou. O início da Igreja é feito de pouca coisa, qual pobreza. Nas suas inquietudes e escapatórias, sem querer ser historicamente minimalista, são sobretudo os desvios dessa pobreza que descaraterizam a seiva da Igreja. Também nos nossos tempos, os legítimos olhares mais duvidosos sobre a Igreja fitam as suas riquezas. E eu próprio, quando me olho mais criticamente, como cristão, vejo falta de pobreza.

1- O que será a pobreza?

A palavra ‘pobreza’ está quase gasta, entrecruzada erraticamente nas suas dimensões pessoal, espiritual, cultural, social e política. Há várias pobrezas, dentro e fora de nós. A falta das necessidades mais básicas, como aquela de comer, é um rosto de pobreza que não podemos escamotear. Neste mundo, agora mais pequeno e ligado, continua a ser aviltante haver um qualquer habitante do planeta que não tenha o que comer. Enquanto isso acontecer, nenhum de nós pode estar descansado. Comer é necessário mas não suficiente para se ser livre. No seu poema cantado “liberdade”, Sérgio Godinho diz bem: “Só há liberdade a sério quando houver: a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Neste sentido, a promoção concreta das condições de vida de todas as pessoas, nestas diferentes áreas, são o nosso combate à pobreza. Há uma dimensão de pobreza mais profunda, que ultrapassa o pão mas que só é conquistável por quem tenha um mínimo de pão: chamamos-lhe pobreza espiritual. É uma bem-aventurança de abertura em crer para nada querer. Percebe-se bem naquele conto oriental segundo o qual um mendigo pediu a uma pessoa de posses que lhe desse algo. Essa pessoa deu-lhe tudo o que tinha. No dia seguinte, o pobre voltou e retorquiu: “ensina-me a ser como tu. Dá-me a riqueza de que eu preciso, que é a capacidade de dar tudo o que tenho, como fizeste ontem comigo”. Compreendemos bem que haja gente (e as duas gentes dentro de cada um de nós…) que seja rica-pobre e pobre-rica…

2- A pobreza nos evangelhos

Há extensa bibliografia sobre este assunto mas talvez se consiga uma síntese consensual sobre a forma acolhedora, provocante e libertadora como Jesus se dirigia às pessoas. Todas elas carentes, frágeis, desejosas de algo mais. Todas elas, pobres, como nós. Os pobres do Evangelho são, pois, a mulher adúltera, o amigo traidor, o cobrador de impostos, o cego e a sua família, os convivas das bodas de Caná, o coxo e o paralítico, a mulher viúva e a samaritana com sede, a multidão com fome. O desfecho com os famintos pode inspirar-nos na resposta à pobreza, como Igreja: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37).

3- Uma pobreza que esmaga

Face à pobreza e à injustiça, ao que falta de amor no mundo, sinto-me tremendamente esmagado. Esta pressão tem dois sentidos, que apertam ambos o meu coração: a compaixão evidente por aquele que sofre e a minha própria dor pelo pouco que dou. Para estas entaladelas, ajudará a paciência, a perseverança da fé e a consequente ação. Não há outra resposta à chaga que não seja tocar-lhe. A insuficiência da minha doação aos pobres tem, aliás, algo parecido com a epistemologia da ciência e não só: quanto mais descobrimos, mais ignorantes nos encontramos, como se tentássemos alcançar uma linha do horizonte, que sempre se desloca adiante… Com a caridade, palavra desgastada mas que vale como sinónimo de amor, e particularmente amor aos mais pobres, acontece algo de parecido: quanto mais se dá mais se constata o que falta dar… Há pois um equilíbrio dinâmico a empreender, importante mas difícil, entre: a) assumir o que falta como luta face à pobreza, realizando concretamente a partilha (de bens, de tempo, de presença, de nós mesmos…); b) constatar a nossa insuficiência senão mesmo certa mediocridade neste combate; c) resistir sempre a ficar no sofá, excessivamente adaptado à complexidade do problema e às limitações próprias da ação. Há um certo conforto, também ele evangélico, que podemos valorizar a partir do pouco que fazemos; faz-se muito do pequeno: do grão de mostarda, da migalha, da moeda modesta, do cesto do pão…

4- Não perder de vista que a austeridade escolhida é uma burguesia

Aprecio e tento praticar a chamada economia da frugalidade, que nos aponta Serge Latouche. Mas há que registar que nós, deste lado do mundo, com comidinha à mesa e banho quente, podemos melhor fazer este caminho. Não posso pedir a um menino que vive de colheita de plástico em lixeiras da Indonésia que seja frugal, nem a um habitante de uma favela brasileira que não deseje fortemente ter um carro bom. Posso ser mais pessoal nisto: fui conquistando certa austeridade escolhida, mas tenho um salário garantido. Abrandei radicalmente o turismo longínquo, também a pensar no ambiente… mas já conheci muitas cidades em quase todas as latitudes; não tenho no meu horizonte trocar de veículo de transporte, mas já me fartei de andar em dunas com uma mota de boa cilindrada Honda Transalp; evito ir a restaurantes… mas já fui muitas vezes comer fora, etc, etc. Por isto mesmo, não me escandalizo com as pessoas que, tendo rendimento mínimo garantido, tomam o pequeno almoço fora… Claro, para elas é excepcionalmente bom, o que para nós seria criticamente ordinário… A sua pobreza pode não ser nem só nem principalmente de pão… mas é pobreza e pede a nossa entrega e a nossa criatividade. Compreendem-se bem os padres da teologia da libertação que, apesar dos conhecidos exageros de tal movimento, tinham muita razão cristã quando invocavam uma máxima a ter em conta: ao oferecer o pão da eucaristia, tenho que oferecer também pão a quem não o tem para comer.

5- Creio na Igreja, vou à Igreja, estou na Igreja ou sou a Igreja?

Quando rezo o credo, na esperança de não estar em heresia (…), faço uma auto-atualização que me confere mais sentido. Digo que creio em Deus, em Jesus, no Espírito Santo e que… creio em Igreja. Uso deliberadamente este ‘em’ (em vez de ‘na’), para sublinhar que a Igreja é o lugar onde me situo para viver as crenças vitais na trindade. Esta pertença assim dita não me desmobiliza e penso poder até evitar a idolatria institucional acrítica ou o “picar o ponto” num dinamismo desresponsabilizante. Pelo contrário, diria, pelo menos em desejo, quero trazer à minha relação com a Igreja certa ontologia e, por isso, ser Igreja, encoraja-me neste dom de ser um ordinário batizado. E se a Igreja é o lugar onde creio, se vivo em Igreja, esta é a Igreja de todos os que nela caminham e, por isso, é a Igreja dos pobres, que vivem em comunidade e celebram a alegria de se quererem partilhar, partir, comungar, ser pão para os outros… A Igreja será também o lugar onde a caridade aos mais pobres se exerce coletiva e comunitariamente. Se a salvação espiritual não é um caminho solitário, é o povo de Deus que reza “Pai nosso” e não “Pai meu” que dá pleno sentido à Igreja e, portanto, ser Igreja é co-laborar em conjunto no alívio dos mais necessitados. Somos ainda, tipicamente, “fraquinhos” cristãos de hospital de campanha, comparados com a mobilização celebrativa e outros apelos e manifestações…

A constatação de que eu próprio sou um medíocre e tensional praticante da caridade, leva-me ao desejo de uma relação mais humilde (mais verdadeira) e mais obediente (capaz de escutar outras sensibilidades) com esta Igreja que sou. Com efeito, querendo manter a lucidez crítica, não posso deixar de ser moderado e misericordioso no olhar que estendo aquilo que falta à Igreja (…que sou, repito). A este nível da encarnação da pobreza a que somos chamados, somos também todos… pobres. Desejo evitar certo tom de protesto obsessivo pelo caminho que falta e dar eu próprio os passos possíveis, denunciar construtivamente, dar sugestões alavancadoras, fazer provocações que mobilizem…

6- Opção preferencial pelos pobres: uma escatologia

Não haverá outro devir mais livre e pleno, para cada um de nós, do que aquele de ser pobre e de preferir os pobres. No seu sentido mais amplo, ser pobre é ser de mãos vazias. Ser pobre é ser livre e livre para a doação. Há que equilibrar a aspiração à pobreza espiritual mais profunda (que só se consegue, me parece, com recolhimento e oração) com a atenção concreta e quotidiana aos francamente mais próximos.

Há pobres mais distantes, face aos quais algo podemos fazer mas cuja pobreza envolve complexidades enormes. Muitas vezes matam à fome as malhas políticas, militares, tribais, diplomáticas, etc. Por isto, estudar e depois exercer eticamente artes como o direito, a ciência, a economia, a medicina, a arte, as humanidades, a educação, a prática política, etc., podem e devem ser feitas com vista a minimizar a pobreza dos homens.

Estar sempre do lado dos pobres é o sítio da Igreja e, por isso, de cada um de nós. A opção preferencial pelos pobres tem de ser concreta. Tanto pode ser ir para um país distante em missão como comprar preferencialmente marcas de produtos com selos de garantia de não exploração, mesmo que mais caros. Pode ser preferir desenvolver um projeto de investigação científica que otimiza medicamentos anti-maláricos em vez de apostar na ciência que crie novos produtos tecnológicos que só sirvam para alimentar superficialidades do ocidente.

Vale a pena ser Igreja para ser pobre porque só o pobre pode partilhar. A sensibilidade à pobreza e a solidariedade são mandatos humanistas e universais. As metodologias são diferentes e o nosso distintivo, apesar de alguma luta, é o primado da aceitação da vida como um dom. Estar em missão para alimentar a prontidão de acolher a riqueza do tempo, do espaço e do outro é um privilégio. É o que nos espera, esta disposição para coisa nenhuma e, assim, para tudo. A pobreza é para erradicar. Tocaremos amanhã esta plenitude que, agora, aperitivamos: já… mas ainda não!

JP in Textos 28 Maio, 2020

pobreza e Alegria

Este Papa, que não por acaso se chama Francisco, investe numa Igreja dirigida aos pobres. Escreve uma primeira encíclica sobre a Alegria, como que dizendo que a “mola” que nos pode mover a tocar as chagas do mundo é, precisamente, a Alegria… Entenda-se: a pobreza toca, entristece e até esmaga. Mas o seu combate carece de um Encontro prévio com uma esperança que se pode sintetizar na Alegria interior…

JP in Frases 26 Março, 2020

havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 16, 19-31

«havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias»

O confronto do homem rico (de quem não sabemos o nome, porque seremos todos nós, possuidores das nossas riquezas…) com Lázaro (o pobre com feridas por cuidar) é central no desafio cristão. O problema do homem rico não era vestir púrpura e linho fino. O seu problema, era que Lázaro estava no seu horizonte e ele não o olhava. A riqueza de saúde, dons e bens torna-se infernal se nos auto-centra e se nos enche de insaciedade. Há “lázaros” para estarmos atentos, aproximarmos e cuidarmos. Seremos sempre medíocres na atenção aos mais pobres, seja qual for a sua pobreza. Mas é precisamente aí, na chaga do que falta, que as nossas mãos ganham sentido e que a riqueza se pode converter em doação.

JP in Espiritualidade Frases 28 Setembro, 2019

quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 14, 25-33

«Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo»

Poderíamos pensar que estas palavras seriam apenas ou principalmente para aqueles (religiosos) que têm voto de pobreza. A verdade é que, também num estado de vida não religioso, se pode e deve ser radical. Bens como casas, carros, tecnologias, etc. podem ser renunciados, isto é, não são absolutamente para possuir, mas, em vez, administrar, usar e partilhar, precisamente na medida de ser discípulo, amigo dos homens e, no prisma cristão, “amigo de Jesus”. Notar que quem tem votos de pobreza não tem a renúncia dos bens como facto consumado. A maioria dos ‘sins’ são para redizer, alimentar e afirmar quotidianamente…

JP in Espiritualidade Frases 8 Setembro, 2019