o nosso auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 120

«O nosso auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra…»

Quando se reza o credo na missa, de alguma forma nos encontramos com este salmo: “Deus criou (e está a criar) o céu e a terra”. Nada dizemos sobre as origens de tudo o que existe e a Bíblia não é o livro indicado para indagar sobre esse assunto (será melhor perguntar à ciência que, ainda que provisoriamente, nos dá boas pistas sobre a origem e a evolução da humanidade e do cosmos). O auxílio que vem do Senhor, porém, contém mas ultrapassa o alívio existencial de reconhecer O criador. É que este auxílio, na crença cristã, tem uma presença concreta e real, espelhável no espaço e no tempo, sistemática e contínua (Espírito Santo). Reconhecer-me auxiliado, incondicionalmente, pode ser uma fonte de liberdade.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO XXIX DO TEMPO COMUM



L1: Ex 17, 8-13; Sal 120 (121), 1-2. 3-4. 5-6. 7-8
L2: 2 Tim 3, 14 – 4, 2
Ev: Lc 18, 1-8

JP in Sem categoria 18 Outubro, 2025

Populismo e Evangelho


Paiva, J. C.
 (2025). Populismo e Evangelho. Site Ponto SJ, 14-10-2025. Disponível aqui

Recentemente escrevi no jornal Público um artigo intitulado “cultura científica e populismo” onde explanei os aspetos que, em meu entender, colocam em rota de colisão o populismo sociopolítico vigente e a cultura científica.

São impressionantes as não-sintonias do discurso e da prática populista com o modus faciendi da ciência. No populismo – e em contraste direto com a Ciência, temos: 1) a hipervalorização das perceções, em detrimento da realidade, tal qual ela é, incluindo a sua complexidade; 2) o lastro de senso comum agudo, que impede profundidade de análise; 3) a insignificância da experiência como suporte das afirmações; 4) a irrelevância da matemática e do bom tratamento dos números, particularmente dos conceitos de probabilidade e estatística; 5) o alheamento da consensualidade e da abertura na construção das ideias; 6) o ataque invasivo à liberdade de pensamento verdadeiramente não condicionado.

Até este ponto não invocamos nenhum argumento que convoque o sentido cristão. Bastaria o lugar humanista para nos colocar, no mínimo, atentos às aparências de bem do populismo. Mas alguém que trabalhe na área científica e seja cristão há de somar aos argumentos acima o pináculo principal: o populismo choca de frente e sem cerimónia com o Evangelho.

O tutano inspirador da fé cristã reside no amor ao próximo, que se abre numa universalidade sem rótulos e sem sectarismos. É o oposto da defensividade e do poder de excluir, é o hino do serviço a todos, do abraço e do acolhimento. No rasto judaico-cristão, perde o pé quem não se recentra constantemente nas grandes perguntas: ‘o que fizeste tu ao teu irmão?’, ‘quem é o teu próximo?’. O populismo, na sua génese, potenciado pela superficialidade panfletária, é a secundarização destas perguntas, ironicamente disfarçado, muitas vezes, de religiosidade duvidosa.

Podemos admitir, olhando para o mundo e em particular para a Europa e para o nosso país, que faltou e falta pragmatismo à relação com os migrantes. A gestão possível da pólis, a política, portanto, terá de ser minimamente, ou maximamente pragmática e apurar as reais possibilidades de acolhimento, as leis mais realistas, as fiscalizações inevitáveis, as iniciativas de combate ao tráfego humano e todos os mecanismos para lidar com este complexo problema, que não tem sem soluções simplistas.  Mas ao cristão será pedido que toda a visão, toda a “opinação” e principalmente toda a ação sejam feitas de Evangelho na mão, isto é, com os critérios amorosos de um tal Jesus de Nazaré. Notar que este ‘Evangelho na mão’ é radicalmente metafórico. O que quero dizer com Evangelho na mão não é mostrar nem içar publicamente o dito livro: é ser o Livro, é viver e assim continuar a dizer o que lá está, em gestos ‘imitadores de Cristo’.

O que me parece faltar ao discurso populista de muita gente, com quem paradoxalmente me cruzo, também, nos corredores da Igreja Católica Romana, é a lembrança da compaixão e da misericórdia. E sem esse recentramento no cerne do alvo crístico, não há cristianismo que nos valha. Podemos nós esquecermo-nos, envolvidos nas vestes religiosas, do amor desmedido de Jesus de Nazaré, esse estrangeiro, que morre amorosamente na cruz e (nos) liberta na ressurreição amorosa dos mais frágeis, que somos todos nós?

Não consigo deixar de convocar, a propósito desta temática, algumas experiências que fui tendo com pessoas estrangeiras, em variados contextos. Foram principalmente marroquinos, senegaleses, malianos, etíopes, ganeses, todos de tecido islâmico, com quem me cruzei no Sul de Itália, por “convocatória” do Papa Francisco. Com esses, comi, convivi, escutei, joguei, abracei. Toquei, ainda que minimamente, a sua dor, a sua procura e a sua angústia. Foi pouco e pequeno, mas esse toque libertou-me de julgamentos sectários. Mas também, em diversas campanhas, com sírios ou com ucranianos, já na lusa pátria, acolhendo em casa, pude sentir-com, partilhar, cruzar a minha vida e o meu olhar com as suas vidas. Estas experiências são cruciais para o lugar que o estrangeiro ocupa no meu universo. Somo a essas experiências o privilégio de, desde jovem, ter viajado e me ter cruzado e entrecruzado com gente de muito sítio. E acrescento ainda, que não quero esquecer, o meu Pai e o meu Avô – e certamente quem os precedeu – já foram estrangeiros. Como sempre, a experiência ou a falta dela, corroboram os ideais. Arrisco escrever que o que me parece faltar a muitas colocações populistas na relação com os estrangeiros é o convívio mais íntimo com o outro-diferente.

Curiosamente, em todas estas experiências que elenquei, reconheço ingenuidades pessoais, logísticas e até políticas. Não é o lugar certo para detalhar, mas sei bem que podemos ser mais eficazes a acolher, mais organizados e até mais astutos e menos ingénuos. Podemos combater as redes de tráfego que minam as legítimas fugas em procura de um melhor presente e de um melhor futuro. Mas essa lucidez de ação sociopolítica e logística não pode sombrear nunca, nas palavras e na alma, o perfume da compaixão, o cheiro da fraternidade universal que não só nos completa, mas que também nos identifica como cristãos. É essa a bandeira crística, a da fraternidade, não outra.

O primado porventura mais subtil – talvez também mais rasteiro – do populismo, é a primazia do eu ou do ‘nosso grupo’ em relação ao nós aberto e universal. Quem reza “Pai Nosso” não reza nem pai meu, nem pai de pessoas selecionadas. Ironicamente, o eixo do eu, o eixo ‘dos nossos’ é o primado da guerra, da pequena e da grande guerra. A mistura do populismo com a coisa religiosa gera, precisamente, a guerra santa. A história mostra-nos bem os lugares das guerras santas e a forma como Jesus e o seu Evangelho são a antítese dessas batalhas.

JP in Sem categoria 16 Outubro, 2025

corpo e célula

Para o crente Cristão, o corpo é um princípio, a par do Espírito que cria. Somos corpo, porque somos respiro, gozo e ferida. Cristo, eu, nós, a Igreja, o mundo, somos um corpo que contém mas supera as células que somos.

JP in Sem categoria 14 Outubro, 2025

voltar atrás agradecendo…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 17, 11-19

«Voltou atrás, glorificando a Deus…»

A leitura do Evangelho fala-nos de “voltar atrás para agradecer”, fala-nos de gratidão e humildade. Mas pode ser explorado pela diferença entre ‘curar’ e ‘salvar’. Em certo sentido, estes dez leprosos foram curados (com a provisoriedade que isso implica… iremos todos morrer…) mas, apenas um, o que regressa, terá sido salvo, isto é, terá encontrado (melhor, reconhecido) um sentido ultimo para o significado da sua vida. Reconhecer este encontro agradecido é, de facto, o cerne da nossa fé, o centro da nossa vida… reconhecido e agradecido…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO XXVIII DO TEMPO COMUM

L1: 2 Reis 5, 14-17; Sal 97 (98), 1. 2-3ab. 3cd-4
L2: 2 Tim 2, 8-13
Ev: Lc 17, 11-19

JP in Sem categoria 12 Outubro, 2025

ética e religião

O conflito ético no interior da Igreja Católica e na sua relação com a sociedade em geral atingiu um ponto de ruptura com a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, que levou muitos católicos a deixarem a Igreja. Desde então, os problemas relacionados, por exemplo, com a fecundação in vitro e com diversos tipos de experimentação no campo da genética continuam a ser fonte de tensão no interior da tradição católica. Uma análise cuidadosa destes e de outros conflitos revela imediatamente a persistência de vários elementos que, no passado, estiveram na raiz das tensões de natureza filosófico-teológica provocadas por novos dados da cosmologia, há alguns séculos, com Galileu, e, mais recentemente, dos conflitos de natureza biológica e antropológica com a nova visão do ser humano proposta por Darwin. Tais elementos são, por exemplo, o recurso, nem sempre consciente, a pressupostos filosóficos e teológicos tradicionais considerados intocáveis na discussão de questões de natureza ética, e a interpretação, por vezes incorrecta, dos textos bíblicos a propósito dessas questões.

JP in Sem categoria 10 Outubro, 2025

ver ou não ver…

Em certas discussões, incluindo comigo mesmo, reconheço limitações ao diálogo na máxima de Pascal: “há luz bastante para os que querem ver e treva suficiente para os que não querem ver”…

JP in Sem categoria 8 Outubro, 2025

servos (i)úteis

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 17, 5-10

“Fizemos o que devíamos fazer…”

Colocarmo-nos como “servos inúteis” pode parecer um tanto radical e até violento. Talvez até ‘desauto-estimante’…O significado destas palavras, porém, é de crucial importância na vida espiritual. Se não tivéssemos consciência de que tudo é graça, se não devolvêssemos a Deus os frutos do nosso amor, estaríamos, tão só, cheios de nós próprios. Não seríamos nem servos … nem úteis!…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO XXVII DO TEMPO COMUM


L1: Hab 1, 2-3; 2, 2-4; Sal 94 (95), 1-2. 6-7. 8-9
L2: 2 Tim 1, 6-8. 13-14
Ev: Lc 17, 5-10

JP in Sem categoria 6 Outubro, 2025

pão


Não há pão de comunhão sem pão de alimentação… (e fartei-me de rimar…)

JP in Sem categoria 4 Outubro, 2025

extensão da minha voz

Às vezes falamos (ou gritamos?) como se não tivessemos noção dos limites da nossa voz. Onde terminará? Será sempre limitada? Inspiram-me os místicos em duas frentes sobre o sentido da voz: 1) convergir para que a nossa voz seja uma melodia da transcendência amorosa (já não a minha voz, apenas); 2) dar voz à grande força do silêncio…

feedback

Um bom feedback deve atender à necessidade de quem o recebe e não ao capricho de quem o emite e, portanto, centra-se no recetor (tantas vezes estamos desatentos a este princípio quando procuramos brilhar nos nossos comentários…).

JP in Sem categoria 2 Outubro, 2025