viver e morrer
Uma simples troca de palavras faz a Páscoa: não há como VIVER senão MORRENDO por amor…Não há como MORRER senão VIVENDO por amor…
Uma simples troca de palavras faz a Páscoa: não há como VIVER senão MORRENDO por amor…Não há como MORRER senão VIVENDO por amor…
Tenho vindo a realizar que deverá ser certo que Deus acolha no seu amor todos os que partem deste mundo (sem prejuízo de poder haver quem, até pós-morte, por imperativo de liberdade, possa recusar esse Abraço). Nas nossas liturgias fúnebres, em particular, ainda estamos muito na teologia de mérito quando o que verdadeiramente salva é a teologia da graça. A misericórdia rasga-se e será excessiva, mais ainda do que já é. Que nós mesmos, enquanto andamos a tentar realizar o sonho de Deus por aqui, nos animemos com o Alegria que já se antecipa.
Morrer
Não quero
Senão morrer!
ser trigo,
ser nada,
ser tudo.
Quero ser
somente (semente?),
vazio,
cheio
de mundo.
Eu quero
ser silêncio,
dar nada (que sou),
morrer.
Quero parar,
deitar-me,
passivo,
em paixão,
ao lado
dos homens,
sem respirar.
Inspirando,
inspirado
pelo amor.
Há uma afirmação compreensível e universal, que pode ser auto-acolhida e autovalidada: “tenho medo de morrer!”. Esta frase, porém, é radicalmente insuficiente…
Os Pais dos meus amigos
Vejo tombar
aos meus amigos
seus Pais.
Ontem baptizados e casamentos,
hoje funerais.
Ontem conheci-os,
anteontem geraram,
hoje funerais.
Seus filhos,
meus amigos,
não os verão jamais.
Hoje funerais.
Meus amigos:
uns com fé,
outros sem coisas que tais,
hoje funerais.
Meus amigos,
que abraço,
choram seus pais,
hoje funerais.
Ontem história,
hoje tempo
Amanhã eterno e mais.
Hoje, funerais.
2010
Em sábado de Semana Santa há um convite para acolher as trevas, o tempo de que precisamos para chamar ao sofrimento e à morte os nomes que são esses mesmos…
Uma oportunidade de visitar o nosso túmulo, as nossas próprias sombras. Nenhuma vida, muito menos uma vida nova, brotará da fuga daquilo que somos. Portanto, desde já afagados pela companhia duma ressurreição garantida, saibamos visitar a realidade radicalmente frágil que somos. Só conhecendo-a e aceitando-a, poderemos ressuscitar, num amanhã que se antecipa.
Poderá ser um tanto precipitada a satirização básica da procura da eternidade por parte dos alquimistas. É certo que a clarificação da ciência e da sua metodologia não abrem espaço razoável para qualquer alquimia contemporânea. A tentativa de substancializar a eternidade é uma confusão metodológica em si própria. Mas é curioso notar que, em última instância, particularmente por via da biologia, das neurociências, da farmacologia e da medicina, a ciência continua a ter, em certo sentido, uma agenda de evitamento da morte… As biomáquinas e as associações bionanotecnológicas para perpetuação/substituição de órgãos humanos deteriorados leva-nos à noção de ‘amortalidade’ , com toda a sua conflitualidade tensional ética. Uma certa alquimia do século XXI, convenhamos…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 5, 21-43
levanta-te e anda
O “levanta-te” de Jesus, serve de inspiração para as pequenas mortes do dia-a-dia, para as pequenas ou grandes quedas da vida. Viver em harmonia com o ressuscitado é sentir o segredar da sua voz, que em cada aparente fatalidade nos sussurra: “levanta-te e anda”. Por isto se diz que os santos não são os que não caem mas os que se sabem levantar, que escutam esta palavra de Jesus e colocam os meios para a traduzir em vida recomeçante. As curas de Jesus realizam-se num quadro de fé e confiança (“se tiveres fé…” – diz Jesus ao chefe da Sinagoga). Há um carácter desdramatizador do cenário, da parte de Jesus, que nos pode ajudar, na vida como na morte. É quase uma comédia ver o amor onde ele não é óbvio mas é, para nós, o caminho. É pela fé que podemos chamar adormecimento à(s) morte(s)…
A mitologia grega apresenta a osmose entre os deuses e os homens, tangendo muitas vezes o rubicão da morte.
Viver como se a morte não existisse não me parece o caminho… vejo outra janela (espreito-a com as mãos): morrer por amor, desde já, nesta vida…