Deus como pergunta
Deus, seja lá o que for, é a interrogação que teima diante de todas as respostas.
Deus, seja lá o que for, é a interrogação que teima diante de todas as respostas.
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 46
fortaleza da minha salvação
No salmo que hoje se reza ressalta Deus como “fortaleza da minha salvação”. Saboreie-se um Deus que torna forte a nossa fraqueza e que nos salva, que dá sentido à nossa vida e que vai além das nossas angústias. No evangelho são notadas muitas curas – pontuais e insuficientes (até porque os curados não deixarão de morrer…). Mas com mais relevância, Jesus salva, abre portas, dá sentido de ressurreição. Podemos agradecer – em dinamismo de fé – Ele ser nosso refúgio e, também por isso, pedir-Lhe a graça de, no tempo da nossa vida, sermos nós também eventuais refúgios e sinais de salvação para as pessoas com quem nos relacionamos. Sermos tónicos…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ex 20, 1-17
não terás outros deuses diante de Mim
Em tempos de Quaresma propicia-se o Livro do Êxodo, desde logo pelo cenário dos quarenta anos de deserto que um povo em procura, como nós, se dispôs atravessar, com fé e na fé… A sugestão de ‘não ter outros deuses’ é muito mais do que teológica: quais os meus ‘outros deuses’? Poder? Reconhecimento? Segurança? Saúde? Eu próprio(a)?…
PS: Atentemos numa ideia que não raras vezes nos faz legítima confusão e que aparece no Antigo Testamento, quando são postas na boca de Deus expressões como: “Eu castigo as ofensas dos pais nos filhos”. Importa eliminar as imagens (negativas) de um Deus castigador. E Ele, de facto, não castiga! Devemos, pois, ouvir estas palavras no contexto histórico-temporal em que se inserem, na linha de uma relação “Homem-Deus” ainda imatura, que está a crescer e que vai abrindo portas para a grande revelação, que está a acontecer e que, para nós, cristãos, se dá em Jesus Cristo.
No jogo limitado das palavras, vendo bem, ironicamente, há uma coisa que Deus não supera: o Amor. Porquê? Porque Ele mesmo é o Amor.
Na jornada existencial cristã há uma pergunta de fundo: “quando faço algo por alguém, é por esse alguém, ou, no fundo, por mim próprio?”. A questão tem que se lhe diga, nomeadamente no plano psicológico. A nossa condição de carentes não nos permite saídas fáceis. A terceira via abre uma pista: nem só por mim, nem só por ti mas, comigo e contigo, ‘por Deus’. Este é o âmago da mais profunda conversão… e está em constante processo…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 25, 14-30
Na tradição cristã adquire muita força o reconhecimento de Deus nos outros. A própria ética de lastro judaica, elaboradíssima por filósofos como Levinas, centraliza “o alter” como reduto sagrado e intenso. Nas palavras do Evangelho, é o próprio Deus que tem sede na sede dos homens e dar uma pinga de água a alguém é molhar a boca do próprio Deus. Para as pessoas mais distraídas, mesmo que voluntaristas e com algum potencial-cisterna, como é quem que escreve estas palavras, este desafio pede muita atenção às sedes do mundo. Onde estão os que precisam de água? Como se manifesta a sua sede?…
Dar sentido à vida não é só conhecer e compreender com a razão o que se passa à nossa volta. A religião continua a ter sentido porque, para quem acredita, sem ela faltaria sentido a muita coisa. Este facto, porém, não invalida que, no passado e, infelizmente, ainda no presente, haja quem use Deus para tapar os buracos da ignorância, científica e não só. Deus, está visto, não se agarra deste modo e não é um “tapa-buracos”.
O Deus a quem os cristãos dão crédito é a explicação última do universo e da vida, mas respeita a autonomia e a liberdade do Universo e dos seres que criou e está a criar. Não faz tudo porque toma a sério a nossa liberdade. Criou um universo em evolução e respeita a autonomia das suas leis e processos. “Saberá” tudo? Não saberá senão o que se pode saber? Saberá como vou decidir viver a minha vida nos próximos tempos? Espera para ver e respeita as decisões que eu tomar? (apesar da Sua realidade superar a nossa limitação espaço-temporal) … um mistério de Fé!…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 79
“Mostrai-nos, Senhor, o Vosso rosto”, cantamos no refrão do Salmo. Conhecer o rosto de alguém é condição para uma relação, para uma entrega, para um compromisso de amor. O rosto de Deus é, para nós cristãos, o rosto de Jesus. A imagem de Jesus que nos é transportada pela História, pela tradição, pela arte, ou até pelos filmes que recriam a Sua vida pode não corresponder fielmente à realidade. Há traços, contudo, que convém ter presentes: o rosto da misericórdia, o rosto da tolerância, o rosto da paz, o rosto do incentivo para recomeçar, o rosto do abraço. O rosto que não impede o atrito na liberdade mas é promessa de companhia. Estes traços do rosto do nosso Deus deverão ser observados por nós e evitar visões faciais que Deus não tem, como a do medo, a da imposição ou a da austeridade inconsequente.