fuga ou encontro?
Um bom filtro para as nossas escolhas e caminhos, que pode ‘ensanduichar’ todas as nossas autoavaliações é esta pergunta crucial: “estou em fuga ou em Encontro?”…
Um bom filtro para as nossas escolhas e caminhos, que pode ‘ensanduichar’ todas as nossas autoavaliações é esta pergunta crucial: “estou em fuga ou em Encontro?”…
A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos.
J. C. Paiva, Tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio. Site PontoSJ. 2 de julho de 2019. Disponível em
Há uma certa tensão entre diferentes carismas e formas de ser em Igreja. Não é apenas próprio dos nossos dias mas bem patente ao longo de toda a história. Em conversas mais ou menos explícitas, mais ou menos públicas, emergem comentários, tipicamente irónicos, sobre um qualquer fechamento deste ou daquele grupo eclesial.
Arrumando para mim próprio algumas ideias, e partindo da espiritualidade inaciana vivida na Comunidade de Vida Cristã (CVX), que se alimenta da mesma fonte dos jesuítas, gostaria de clarificar alguns pontos de vista:
1- A existência de diferentes carismas na Igreja é, definitivamente, uma riqueza. A unidade que se procura, mandato evangélico, aliás, é sempre uma unidade na diversidade. Quando se confunde unidade com uniformidade, empobrece-se a visão, a vida e o horizonte da Igreja. O Papa Francisco sublinha bem este aspeto quando, em EG 236, nos diz que “o modelo [da Igreja] é o poliedro, que reflecte a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade”.
2- Unidade e diversidade constituem sempre uma tensão difícil de gerir. Se a uniformidade é uma caricatura da unidade, a ausência de pontes e tentativas de diálogo e colaboração carismáticos são também, por um outro lado, um não caminho.
3- No caso de algumas dinâmicas associadas à Companhia de Jesus, há acusações de elitismo. É sempre bom notar que apontamentos de elite, no sentido de procurar ‘o mais’, são virtuosos. Formação exigente e profundidade, por exemplo, quer para leigos quer para consagrados, são inegociáveis na espiritualidade inaciana. Já o elitismo, que, escrevendo curto e grosso, se pode confundir com ‘ter a mania que se é bom’, é inequivocamente desinteressante. Notar que algumas das ditas acusações de elitismo podem ser injustas e nascer do preconceito ou da simples agenda de bombardear, como arma de arremesso.
4- Outro apontar de dedo que pode merecer reflexão autocrítica é um certofechamento. Aqui, a atenção deve ser muito cuidada: uma Igreja apostólica, mais ainda neste tempo em que se refunda como estando ‘em saída’, não pode senão ser porosa e aberta. Assim, sem secretismos nem sectarismos, nem esquemas ocultos, se pode pautar cada carisma.
5- Mas não elitismo e abertura não implicam um mesmismo descoloridonem a ausência de exigências e esquemas próprios de cada caminho. A CVX, em particular, que se tem vindo a estabelecer num processo de afirmação vocacional na Igreja, tem uma vinculação aos Exercícios Espirituais, a um sentido de compromisso e a uma integração regional, nacional e internacional, que ultrapassa o pequeno grupo, de que não pode prescindir. Seria ingénuo admitir que, para ser aberta, a CVX deveria ser o espaço de toda a gente ou mesmo de toda a gente laica de espiritualidade inaciana. Há muitos caminhos, como sabemos, e o importante é cada um estar onde é livremente fecundo, sempre muito consciente de que se não é melhor que ninguém, apenas diferente.
6- A porosidade da CVX, por exemplo, enquanto carisma que caminha na procura comunitária de uma síntese entre a oração e a vida, revela-se no quotidiano dos seus membros e na abertura radical ao outro, em tudo o que se vive, em tudo aquilo em que se participa, dentro ou fora da Igreja.
7- Quando se comenta que os jesuítas (ou a CVX, equivalentemente) deveriam ajudar mais nas paróquias, ou colaborar mais com certos movimentos, ocorre-me o seguinte:
a) seria discutível participar em colaborações intercarismáticas ou pluriparoquiais apenas por motivos estéticos ou moralistas (porque deve ser…), se isso comprometer a eficácia (não a estatística mas a essencial, isto é, a eficácia da fecundidade...);
b) a deslocalização extrageográfica das paróquias é desde logo um argumento muito dinâmico e complexo (e que tem merecido reflexões profundas);
c) o diálogo entre os diversos movimentos e a eventual colaboração aqui e ali são de assinalar, mas não podemos esquecer que há estilos próprios de planear, empreender e avaliar, que resultam em modos específicos de cada carisma e que são precisamente a riqueza da Igreja, como na proveitosa metáfora das diferentes flores de um jardim;
d) indo um pouco mais longe, pessoalmente, quando me envolvo em alguns desafios de ordem eclesial, tento procurar pessoas com quem tenho afinidade de estilo e certa compatibilidade conceptual e de ação. O importante, mais uma vez, é que não me ache superior a ninguém…
e) nada do que está escrito acima desincentiva a que as pessoas de espiritualidade inaciana (jesuítas incluídos) participem e colaborem com múltiplas atividades fora do seu carisma, assim tenham agenda, disponibilidade e sentido de poderem ser úteis, avaliando se não caem em dispersões discutíveis, bem entendido. Dizer que sim porque sim, ou dizer que sim por cerimónia de evitar dizer que não, nunca foi recomendável… É preciso, bem entendido, discernimento apostólico, procurando eleger o que mais serve, em cada desafio.
8- A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos. Se num espaço inaciano (CVX, centro universitário, evento, etc.) há uma constância uniforme de modos de falar, trajes, nomes de família e outras exterioridades, os alarmes devem tocar. Aí sim, definitivamente, cheira a gente que se não deixa tocar e interpenetrar e que, porventura, se acha melhor do que alguém… Aí, não há Igreja!
Uma educação virada para as aplicações práticas pode ajudar a fomentar um conjunto de competências úteis aos alunos, nos mais variados níveis. É, muitas vezes, fazendo que se aprende. Por outro lado, não se deve desprezar a «ginástica mental», a conceptualização, a teoria, que podem, precisamente, sustentar mais e melhores práticas, usando o conhecimento. A prática representa um forte incentivo para a motivação, mas, pedagogicamente, é tão frágil pensar sem fazer, como fazer sem pensar…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se II Gal 6, 14-18
«nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura»
Paulo, a quem devemos a institucionalização da Igreja, com as suas vantagens e custos (…), apresenta-nos nas entrelinhas uma proposta cheia de valor dialogante e de potencial inter-religioso: “nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura”. O que estaria em causa naquela comunidade era, precisamente, o (sobre)valor dos rituais e das externalidades. O que Paulo nos diz, é que o que tem valor, é a abertura à novidade. Acrescento eu: é a abertura ao outro, à outra cultura, à outra religião, ao outro veículo que, acreditamos, caminha na mesma estrada ou, pelo menos, para o mesmo fim…
Dizemos a nós próprios e aos outros, com frequência: “vai correr bem!”. Há um lado quase cruel nesta frase, neste desejo, que nos aponta para a ideia de que, na realidade, “não vai correr bem”… Isto é, a vida e o jogo do acaso e da necessidade, a gestão complexa de liberdades humanas e o pulsar da natureza, faz com que muitas coisas não corram como desejaríamos, até porque vamos morrer, nós e os que nós amamos. Há uma nesga de salvação neste dilema: e se correr bem for ‘tirar proveito’, crescer, abrir-se à novidade, “aconteça o que acontecer”?…
Compreendem-se criticamente as atitudes mais fechadas e identitárias de alguns católicos romanos: o fechado, rígido e militante é aparentemente seguro… Mas, “nas coisas do alto (…)”, não há lugar para sonhos baixos, instalados e mesquinhos. A identidade religiosa afirma-se no diálogo radical, mimetizando, aliás, um Jesus Cristo que frequentava lugares duvidosos e tinha pouco de formalidade religiosa. Também do ponto de vista da identidade religiosa nos havemos de render ao radical diálogo, iluminado pelo convite bíblico mais libertador: é preciso perder para ganhar…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 9, 51-62
«Senhor: queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?»
Jesus e os discípulos dirigiram-se a uma povoação na Samaria, não tendo sido bem recebidos. Tiago e João, ou por amarem e quererem defender o Mestre, ou por certa imaturidade no amor, logo sugeriram: “Senhor: queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?”. Jesus, porém, repreendeu-os. Há na nossa vida e principalmente no nosso interior, laivos parecidos com a aproximação de Tiago e João. São os nossos cenários imaginados (às vezes com sequência), em que bem desejaríamos surdas vinganças e insucessos para aqueles que nos recebem mal. O primeiro passo na gestão da nossa interioridade é a assunção e mesmo a autovalidação. Curto-circuitar o que sentimos e o que na realidade somos, incluindo os nossos pensamentos, com um tamponamento moral, não é normalmente libertador. Posto isso, trabalhar interiormente e apostar neste não rancor, é estar em sincronia com Jesus.
Ironia ao natural
É natural,
é bom
e quanto mais melhor,
como os cogumelos
vermelhos,
as rãs azuis
ou o suco de serpente…
É químico,
processado,
é mau,
como a
aspirina,
um perfume
ou o plástico
da válvula
cardíaca
de um coração…
in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.
acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)
É impressionante como as temáticas bíblicas se aprofundam em espiral e se revisitam e se redizem sucessivamente. Muitas vezes, particularmente nos Evangelhos, certa passagem diz-nos, por via de um aparente detalhe, todo o Evangelho. Em certo sentido, se quiséssemos saber dos critérios de Jesus, sem prejuízo de um necessário olhar sistémico, bastaria olharmos a forma como lava os pés aos discípulos, como liberta (e nos liberta…) a mulher adúltera, como se acolhe o filho pródigo ou como se paga ao trabalhador de última hora…
De todas as urgências existênciais há um lugar especial para a radical humildade: constatar e estar atento e consciente face à autocegueira intrínseca, no que diz respeito ao conhecimento do mundo, à espiritualidade, às próprias virtudes…