na mão… corrosão
Não haverá coisa mais corrosiva do que querer ter na mão o que se não pode ter na mão… Sem largar, sem abrir mão, não haverá liberdade…
Não haverá coisa mais corrosiva do que querer ter na mão o que se não pode ter na mão… Sem largar, sem abrir mão, não haverá liberdade…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 28, 16-20
«ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»
O espírito missionário associado aos Cristãos (intrinsecamente apóstolos, porque discípulos) tem as marcas da história, nas suas luzes e nas suas sombras. Terá havido muitos ‘batismos forçados’ (ainda haverá mais vestígios do que julgamos?…). A proposta de batizar, de convidar a mergulhar no amor, carece da própria pedagogia cristã, sempre benévola, sempre conducente à liberdade. Por outro lado, a revalorização e resignificação dos batizados recentra-nos no essencial: a condição comunitária de viventes de uma Alegria que nos leva à liberdade. O resto é acessório…
O tempo
O tempo é também
quase capicua
que avança e recua…
Mas passa, o tempo.
E não há maior segredo
do que o agarrar
vivendo bem
cada momento
mesmo de dificuldade
sofrimento ou morte.
Porque sopra um
paradoxal vento
de instante e eternidade.
O tempo é lento
e saboroso,
mas corre…
14-03-2012
O mistério tem dois sentidos: é o nosso em relação a Deus e o de Deus em relação a nós. Deus quis pagar o preço da liberdade de tudo e submeter continuamente esse Seu risco ao Seu sonho largo…
Há ainda, apesar de algum caminho, uma distância grande entre o que desejo ser e o que consigo ser. Tenho, em muitos casos, arrumado na cabeça o que ainda não vivo com competência. Por exemplo, sobre devoração (da comida e não só) ou sobre falta de atenção (a mim mesmo, aos outros e à beleza que grita). Rezo, elaboro, penso, organizo, estruturo e escrevo sobre isto, mas sou um medíocre praticante. Numa linha otimizante, oxalá não ingénua, acolho esta insuficiência pessoal para abrir o coração e ampliar a minha compreensão e aceitação das fragilidades dos outros…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 14, 1-12
«prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança»
Pedro, seguidor de Cristo, convida-nos a oferecer as razões da nossa esperança. O trabalho dinâmico de construção pessoal e comunitária das razões da nossa fé é essencial. Sendo a fé vivida uma adesão, passe-se o pleonasmo, de fé e de vida, não são irrelevantes as razões da nossa esperança. O curioso nesta referência da epístola de São Pedro é a nuance de estarmos sempre ‘prontos a responder’. Isso implica que o gesto para com os outros pode ser mais escutante, mais levantador das perguntas do que do lado do forçamento de afirmações categóricas e militantes. Para os cristãos, Jesus é a resposta. Mas percebe-se algo muito importante e nada óbvio, bem apontado por Tomás Halík: qual é a pergunta?…
No alcance da felicidade todos nós já experimentamos este evidente turbilhão: 1- do meu vazio me movo, sonho, luto e alcanço; 2- saboreio a fruição, mas o que parecia um tudo passou a ser nada… vazio de novo; 3- novo impulso para mais um enchimento provisório… Haverá coisa grande para saciar tão grande-eterno vazio?…
J. C. Paiva, A saudade da missa é estruturalmente insuficiente. Site PontoSJ (que se recomenda…). 10 de maio de 2020.
Disponível na íntegra aqui
Uma declaração de interesses prévia que, mais do que me colocar em ângulo menos suspeito, previna eventuais retiradas de frases ou ideias fora de contexto, que pervertam a mensagem que gostava de passar: como cristão, faz-me falta celebrar a eucaristia em comunidade; reconheço na celebração da missa uma oportunidade notável de congregação de fé; não entendo, nesta linha, que esta “quarentena missal” deva implicar qualquer desvalorização da eucaristia (pelo contrário…). Porém, algumas perguntas se me colocam…
1- Desejar e agradecer o regresso à missa com que horizontes?
Posso estar a exagerar mas, nem sei bem porquê, imaginei uma festa de alguns em agradecimento a Deus pelo regresso da missa, como os antigos dançavam, aplacando a ira dos deuses tiranos e mandatórios, em festa pela vinda da chuva… Em todo este processo de confinamento, como de resto já era na nossa vida, há desafios notáveis para resignificar constantemente as nossas imagens de Deus. Não sei se levamos a sério o risco de Deus em nós, na nossa liberdade e no pulsar do mundo, o Seu mistério amoroso de omnitransformação, que recusa caprichosamente marionetar o tempo e o espaço. Até admito a mim próprio agradecer a Deus o regresso da missa, quando chegar o tempo oportuno, em segurança sanitária e na mais elementar alteridade humana… e por isso também cristã. Mas, no meu caso, sinto um apelo a agradecer-Lhe este tempo que estou a viver, de desafio para um crescimento, pessoal e comunitário, numa Igreja em caminho. O que teve, tem e terá a dizer-nos esta experiência de não poder celebrar a partilha de um pão tão especial?
2- A ausência da missa é crucifixão?
Temo certa visão e vivência destas privações sacramentais como cruzes flagelantes a suportar. Não serão antes oportunidades de re-velar um sempre novo Cristo que espreita? De rever a nossa posição mais ou menos rotineira face às potencialidades dos sacramentos, que importa serem sempre novos? O Evangelho é Boa Nova e este Espírito novo que sopra não meteu férias com medo do vírus. Está aí, a soprar e a inspirar, a provocar e a co-mover. Voltar ao que era é sempre curto, recuar apenas não é o estilo de Jesus. Não será a privação sacramental, mais do que uma crucifixão, uma Páscoa que se adivinha para um novo renascimento? Não será claro o convite, mais do que a saudade pela saudade, a saber estar numa Igreja vazia (como o Papa bem mostrou)?
3- Haverá espaço para a diversidade celebrativa e para a Igreja doméstica?
O que nos tem trazido este tempo, enquanto crentes Católicos Romanos, é um desafio concentrado de provocação nascida há seis décadas de dentro da nossa Igreja, fruto de um fecundo discernimento eclesial de síntese de toda a tradição: sermos Povo de Deus em caminho. Os convites a certa desclericalização estão aí para quem os quiser ver e viver. Nasceram em cada casa, como cogumelos, verdadeiras igrejas domésticas, capazes de viver e celebrar Cristo no seu seio. Reinventaram-se rituais plenos de significado e de sentidos entre os mais próximos de cada habitação. A Alegria do Evangelho pode verter-se no cuidado da Casa Comum, em cada lar, precisamente através do tesouro que é a Família (e varro uma tríada de importantes escritos de Francisco…). Temos ainda algum caminho para andar mas estão a ser muitas as sementes colocadas na terra para gerarem, finalmente, batizados que, por o serem, são sacerdotes por Cristo, com Cristo e em Cristo…
4- Será de rever os ‘mandamentos da Igreja’?
A expressão ‘mandamentos da Igreja’ nunca foi da minha simpatia. Entendo melhor os mandamentos de Deus mas, mesmo esses, potenciados pela mediação eclesial, são tateamentos comunitários e pessoais muito complexos. Sempre preferi propostas a imposições. E é aqui que pode colocar-se em cima da mesa uma nova pedagogia eclesial: mais centrada na proposta a batizados responsáveis do que na deliberação dirigista. A exigência cristã é evidente mas ela há-de ser subida (ou descida?…) sempre e apenas se, for andaimada pela consciência pessoal exigente e interiorizada. Nos rituais como na moral, a fasquia não pode rastejar, mas pode se proposta em vez de imposta, porque assim fazia Cristo. Poderão dizer-me que sem regras e normativos entra a balda e a excessiva personalização. Não nego esse risco mas prefiro corrê-lo em detrimento do seguidismo cego e forçado. Queremos, será que queremos, que alguém vá à missa porque tem que ir? Não merece aquele altar da radical partilha do pão gente mais automotivada?
Há uma tensão evidente entre a riqueza da interioridade e a banalização da exterioridade, onde se podem inserir certos rituais, também religiosos. Este tempo de privação sacramental é uma clara purga de exterioridades, um convite à interioridade com Cristo, na nossa profundidade pessoal e coletiva, brotando da nossa sede e da interfragildade, que já existia, mas que o covid19 enalteceu. Todos sabemos do perigo da exterioridade das cerimónias e, portanto, da sua possível esterilidade. Ir à missa e ficar na mesma, sem crescimento interior, é o que não queremos nem cremos, como crentes em caminho.
5- Só uma Igreja que caminha com os mais pobres nos pode galvanizar
Só a Igreja dos pobres nos pode interessar. O Papa Francisco, a começar pelo nome que se deu, anda a semear. Tudo o que esta pandemia enalteceu foi o grito dos mais frágeis, que convocou universalmente todos os homens de boa vontade no planeta inteiro. Se somos todos frágeis, se somos todos buscadores, se somos todos pobres, pois a Igreja é dos pobres. Enquanto houver gente a sofrer, sem pão e sem amor, será tal a nossa inquietação aguda, a nossa mobilização central. A missa, é para nos fazer sair da missa em missão com os mais pobres, onde nos incluímos. Esta pandemia trouxe para a ribalta a atenção aos últimos, aos mais velhos, aos dos países mais vulneráveis, aos que clamam. O pão que se parte e reparte na missa é a fragmentação que nos parte o coração mas que, ao mesmo tempo, nos fascina pela agudeza da dádiva radical. É a celebração que nos impele a acudir aos mais necessitados. Essa, é, sem dúvida, a saudade do futuro que nos falta!
Na Páscoa quântica, que a “ponte” entre a escuridão e a luz, abra a porta a fotões da luz de Cristo na nossa vida…
Fazendo-me…
Sou um Homem
a fazer-se,
uma bilha em enchimento.
Sou um processo
em aberto,
ventoinha em movimento.
sou um livro
que se abre.
Sou escutante
de um recado.
Sou errante
procurante,
quando páro,
sou buscado.
Sou vivente
agradecido.
Sou morrente
renascido.