cresceremos todos

Em tempos pascais de pandemia global e de desafio universal de maturação coletiva, brotante da fragilidade humana, seria uma boa síntese da esperança cristã e da ressurreição o seguinte lema: “cresceremos todos!”.

JP in Frases 24 Abril, 2020

vergo-me

Vergo-me

 

Vergo-me

em silêncio

face

ao espectáculo

da dor.

Tiro sandálias

engulo sílabas

verto lágrimas

… e páro!

Fico,

em silêncio,

cravado

onde estou.

Todo inteiro,

agarrado.

Abraço

aquele tempo,

tão instante

quanto eterno

… e permaneço,

vergado,

… em silêncio!

 

28 de Janeiro de 2011

JP in Espiritualidade Poemas 22 Abril, 2020

nobreza de confinamento

Há uma nobreza particular, nestes tempos de confinamento em pandemia, que importa sublinhar: sem nunca ter feito contas precisas, diria, em boa aproximação, que a probabilidade de uma pessoa jovem morrer em virtude do covid19 é inferior aquela de morrer igualmente, noutros tempos, atropelada ou em acidente de viação (e, então, arriscava sair-se à rua…). Ora, assim sendo, principalmente os jovens, fazem quarentena pelos seus avós (latus sensus). Bonita, humana e divina (se quisermos), esta alteridade pelos mais frágeis… Que nos anime a todos a resignificar esta clausura.

JP in Frases 20 Abril, 2020

viviam unidos e tinham tudo em comum

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se At 2, 42-47

«viviam unidos e tinham tudo em comum»

 

As primeiras comunidades cristãs eram convidadas a uma vida de partilha e de unidade. Na verdade, esta era (este é!) o fruto da Páscoa… Ter em comum é tão libertador quanto difícil de concretizar. É impressionante constatar, a título de exemplo, o número de ‘corta-relvas’ que existem numa rua de casas com jardins, sendo que um só, partilhado, sobraria… O excesso de bens que possuímos, ainda por cima, em muitos casos, à custa de extorsões da natureza que, pelo menos indiretamente, afetam os mais pobres, são uma provocação adicional para esta Páscoa da partilha.

JP in Espiritualidade Frases 18 Abril, 2020

igrejas e sacramentos em tempos de pandemia

Não me sai da cabeça esse cartoon engraçado que circula, com qualquer coisa deste tipo: um globo em covid19 que tem um diabinho a dizer “fechei-te as igrejas todas” e um “Deus” que responde “eu abri uma igreja em cada casa”. Dará que pensar sobre a revalorização da Igreja doméstica; certo retorno às primeiras comunidades; recuperação de uma dimensão mais interiorizada da vida espiritual. Criticaremos uma civilização que queira apenas e nostalgicamente voltar a ‘uma vida normal’ (o que será isso?). Mas teremos de refletir, também, sobre a Igreja (povo de Deus em caminho, atento aos sinais dos tempos…). Compreende-se a saudade sacramental mas, assim como será curto o mundo voltar ao que era, a Igreja será pouco evangélica (portadora de novidade) se se limitar a voltar a ser o que era…

JP in Espiritualidade 16 Abril, 2020

Pai nosso auto-responsabilizante

Sempre desejei ensaiar um “Pai Nosso” em versão responsabilizante. Seria uma oração incompleta, porque, a menos do “Nosso”, lhe falta maior grau de sublinhado do ‘nós’ e apresenta uma assumida desproporção da expressão “eu”. Mas seria assim:

Pai Nosso, que estás em mim.

Reconheça eu a Tua bondade existente.

Acolha eu os Teus critérios

em tudo aquilo que realizar, hoje e sempre.

Deixe-me eu perdoar pelo Teu perdão

assim inspirador para o perdão aos outros.

Saiba eu viver pleno na tentação

promovendo o Bem, que és Tu. 

JP in Espiritualidade Frases 14 Abril, 2020

Não está aqui: ressuscitou

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 28, 1-10

Não está aqui: ressuscitou

A Páscoa, mais confinada numa intimidade familiar ou mais pública, em comunidades maiores, é sempre a afirmação vivida de que a morte não vence. Nenhum contratempo, nenhum vírus, nenhuma contenção, nenhuma indefinição, serão a última palavra. O Evangelho poderia ter escrito, sobre a ida ao túmulo por parte das mulheres: “a morte não está aqui, ressuscitou…”

Páscoa é ponte, passagem. Da morte à vida. É a ponte do serviço, que só o é se for muito concreto. Em tempos, tentei ser concreto com sugestões para crianças, que fossem exemplos possíveis de ‘pontes de serviço’.  Hoje reconheço que podem fazer sentido, também para mim:
1-      Eu tinha o poder de me armar que tive boa nota no teste mas posso servir ajudando os colegas com mais dificuldades.
2-      Eu tinha (e tenho) o poder de andar de carro porque os meus pais têm carros mas posso servir a natureza e andar mais a pé.
3-      Eu tenho poder de gritar e dizer disparates e até ofender mas posso servir, escutando mais e dizendo coisas agradáveis aos outros…
4   Eu tenho o poder de gerir as minhas coisas e ficar com elas só para mim mas posso servir e emprestar ao irmão, ao vizinho, à amiga.
5-      Etc.

JP in Espiritualidade Frases 12 Abril, 2020

medo…

Será honesto que qualquer um de nós, talvez tendo que se despir de heroísmos do tipo religioso ou outro, assumir o seu medo. Sentir medo, é pois, vital e humano. O que é evitável, porque dramático, é ter medo. Isto é, apropriar e apropriar-se do medo. Ficar com ele – o medo – retê-lo, congelar ali, refém e preso…

JP in Frases 8 Abril, 2020

Coronavírus, disciplina e liberdade

J. C. Paiva, Coronavírus, disciplina e liberdade. Site PontoSJ (que se recomenda…). 02 de abril de 2020.

Disponível aqui

Neste retiro forçado a que estamos sendo sujeitos, pode inspirar-nos quem, voluntariamente, escolheu viver em clausura. Penso nas ordens conventuais e permito-me, por analogia realista, estabelecer algumas pontes. Face ao momento que vivemos não deixamos de ser procurantes radicais de liberdade, principalmente daquela liberdade interior que francamente liberta. A disciplina, bem vivida, estrutura a nossa liberdade.

1- Escolher o que a realidade impõe

Há uma máxima que sempre me seduziu e que serve como uma luva nos tempos que atravessamos: “é melhor querer o que faço do que fazer o que quero”. Neste sentido, acolhendo o recolhimento, por imperativos éticos e cívicos elementares, estamos a ensaiar liberdade. É verdade que o fazemos como milhões de cidadãos no mundo, mas escolher aceitar é desde logo uma resignificação e um subsídio de liberdade. Nos conventos, em particular, se perceberá internamente que a obediência é uma expressão de liberdade. Mas, fora do dinamismo monástico, podemos também entender e viver que obedecer (à realidade, como ela é) se confunde com a nossa própria liberdade interior.

2- As rotinas como escolas de vida

Dentro de um convento as regras são uma pauta fundamental. A nossa vida já se alimentaria de rotinas e regras mas, agora que estamos mais tempo e mais juntos em casa, esse pulsar é ainda mais vital. Algumas sugestões, em tempo de recolhimento intenso:

a) Marcar horas no dia e tentar (melhor, fazer por) cumprir para: acordar, deitar, refeições, exposição a notícias, leitura, estudo, permanência em redes sociais, filmes, acesso a telemóvel e computador, exercício físico, oração, tempo (francamente) livre, etc.

b) Fazer algum planeamento semanal de coisas como menus das refeições, visualização de filmes, arrumações, trabalho, alimentação espiritual (meditação, missas on line, leituras dirigidas), etc.

c) Respeitar o outro na sua liberdade, incluindo na sua fragilidade face a algumas regras e dificuldades. Mais ainda, quando, por feitios divergentes ou outras incompatibilidades interpessoais, não for possível partilhar as mesmas rotinas, criar alternativas e variantes de algumas regras, sem nunca perder de vista a importância de um tempo comum.

3- A atenção como virtude maior

Mais do que uma regra inspiradora, a atitude contemplativa é um estilo de vida nos conventos. Contemplar, numa aproximação mística, pode apontar para ver um tapete não tanto do seu avesso, com os nós e reticulações estruturais, mas antes do lado da harmonia e da beleza do resultado. Uma certa mística da atenção pode ser muito favorecida nestes tempos com mais tempo. Notar o cheiro do limão, valorizar a textura dos alimentos que se preparam, reforçar o sabor do que se come, olhar atentamente as ofertas da natureza. O treino desta atenção, reconfortante, por si só, pode constituir-se numa disciplina.

4- O recreio obrigatório

Não confundir disciplina com produtividade e, pelo contrário, valorizar o ‘inútil’. Por isto mesmo, mais do que em época normal, significar e não abdicar de momentos largos de sentido lúdico, como dançar, ouvir música, jogar, conversar. Como nos conventos, o recreio não é facultativo…

5- A meditação como possibilidade

Mesmo para quem não tem prática religiosa, a meditação tem vindo a apresentar-se como uma ginástica espiritual muito útil. Há técnicas e inspirações mas um ingrediente fundamental, também ele muito sagrado nos conventos, é o silêncio. Procurar espaço e tempo de silêncio pode ser uma rotina com muitos benefícios. Nesta fase da nossa vida podemos aprender melhor a encontrarmo-nos connosco mesmos e com uma Presença crucial. Podemos, também, aprender a saber estar sem fazer nada…

6- Avaliar com a grelha tensional disciplina/liberdade

Há que fazer um esforço por ir avaliando a nossa disciplina face à disciplina… Aferir, precisamente, a forma concreta como cumprimos ou não o que estabelecemos e, principalmente, se esse cumprimento foi realizado em liberdade interior e se nos levou à liberdade… O exame de consciência, prática ritual em algumas espiritualidades, que não dispensa o registo do que se acertou, pode ser um bom caminho.

Ao mesmo tempo, quase que paradoxalmente, ter rotinas, agendamentos e planeamento, é compatível com a mais radical abertura a imprevistos. Também por isto se diz que “as regras são para quebrar”, ainda que tal deva acontecer não tanto por fraqueza de persistência e vontade pessoais mas por “convite” dos acontecimentos e da própria liberdade dos outros.

7- A complexa metáfora educativa

Daria uma outra reflexão, e longa (…) o dilema de jogar a tensão disciplina/liberdade no processo educativo. A criatividade, a persistência e principalmente a paciência são pedidas em escala intensa diante de filhos em dinamismo educativo, seja qual for a sua idade. Valerá a pena um esforço grande em propor em vez de impor. Reservar a dose menor possível de imposição será um bom caminho, ainda que, em muitos casos, quando se belisca a liberdade de terceiros ou a própria segurança pessoal das crianças, tenha mesmo que ser… Há que envolver todos os membros da família no estabelecimento e ajuste de horários e regras para que a disciplina, tendo sido participada, possa ser escolhida, vivida e avaliada como uma alavanca de crescimento para todos.

Às crianças e jovens, em particular, podem ser proporcionadas novas jornadas alternativas, que conjugam novidade com rotina e aprendizagem de competências domésticas: cozinhar, limpar, passar a ferro, etc.

Uma referência, ainda, às enormes potencialidades do treino da meditação infantil e do ensaio da quietude corporal, tão preciosos e tão difíceis de praticar no reboliço ordinário, com as agendas das crianças, tipicamente, preenchidas de mais…

Por mais racional e até apetitoso que seja este trilho, disciplinar não é fácil. Melhor, a disciplina, como a vida, é difícil. Mas quem disse que o difícil é impossível? Onde está escrito que o difícil não gera frutos? A fé, terreno oferecido que nos quer como agricultores, é um caminho em movimento. A disciplina, como nos aponta a tradição e a experiência quotidiana, é um dos meios para viver fecundamente todas as fases da nossa história.

PS: Estou consciente que nesta crise há pelo menos três tipos de pessoas: 1) as que trabalham na frente de batalha, principalmente na área da saúde; 2) as que estão em sofrimento particular, ou por estarem doentes, ou por estarem a ser espetadoras do sofrimento de pessoas próximas, ou por se encontrarem em grande situação de contingência emocional, social, económica, laboral, etc; 3) os outros todos, onde me incluo. Esta reflexão é para este último grupo. Para os dois primeiros, além da minha disponibilidade frágil mas criativa, devolvo e ofereço a graça de praticar um silêncio em que os invoco…

JP in Textos 6 Abril, 2020

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 21

«Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?»

O salmo 21 anuncia este grito que o próprio Jesus viverá na cruz. Cristo – e todos nós – morre como vive, em formato de pergunta… Em domingo de antecâmara da paixão, levamos ramos como que antecipando a festa que virá depois da sombra, da morte, do túmulo e da solidão. O Deus que aparentemente ‘se esconde’, tem amparos racionais no risco da liberdade em que esse mesmo Deus nos quer criar e amar. Mas é principalmente na vida, nas páscoas de todos os dias, que vamos poder ir respondendo aquele grito: exercitamos que o abandono, nunca é a última palavra. Esta é a nossa fé, particularmente urgente e íntima, nos dias que vivemos…

JP in Sem categoria 4 Abril, 2020