a alma e a relação

A alma, porventura e sem complexos «incorporada», estará para durar, como conceito. Talvez os estudos de Damásio e outros equivalentes «empurrem» a teologia para não dicotomizar o corpo e a alma. A alma sinaliza, para os crentes, a capacidade de reconhecer o criador. Para os católicos, o Deus trinitário (Pai, Filho e Espírito Santo) sublinha a crucialidade da relação. O próprio Deus «é relação». A alma de cada ser humano, que espelha o criador, reflecte-se na relação fraterna com todos os outros e com um Deus pessoal.

JP in Espiritualidade Frases 10 Junho, 2021

apostolado e proselitismo

Ser apóstolo não é proselitismo e é quase o seu contrário: é fomentar porosidade em mim, no outro e no mundo. É tentar ser transparente face à “causa que causa todas as causas” (Melloni).

JP in Sem categoria 8 Junho, 2021

os Seus parentes diziam: “está fora de Si”

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 3, 20-35

os Seus parentes diziam: “está fora de Si”

Podemos apoiar-nos na ideia de que Jesus foi acusado de “estar fora de si”, para estarmos mais imunes a eventuais críticas que nos façam, quando mergulhamos em certa “loucura amorosa”, que, tantas vezes vai contra a corrente. Estas críticas vêm, não raras vezes, como aconteceu com Jesus, da própria família. Jesus, porém, não vacila e segue o Seu caminho, impelido por um bem maior do que ser alguém muito certinho. O estilo cristão não é, definitivamente, o do bem comportadinho… É importante não entender esta passagem como um convite a colocarmos em segundo plano o amor aos nossos Pais ou irmãos de sangue. Não se trata disso e seria um mau testemunho cristão, amar o mundo sem amar os nossos mais próximos. Mas, nalguns casos, temos mesmo que romper com alguns laços ou ouvir algumas palavras mais duras, para podermos, como Jesus, realizar a aventura de, como Ele, estar “fora de nós”…

JP in Sem categoria 6 Junho, 2021

teatro e pontos de vista

A importância de que quase tudo é fortemente dependente do ponto de vista aparece flagrante na encenação teatral. No teatro centrado no ator, mais britânico, ir para a esquerda é dirigir-se para a esquerda do ator. No teatro francófono, centrado no encenador, sentado em frente ao palco, ir para a esquerda é o oposto. Tudo, mesmo o mais vital e que marca destinos, depende do ponto de vista…

JP in Frases 4 Junho, 2021

Nova Evangelização: permanecer!

Paiva, J. C. (2021). Nova Evangelização: permanecer! Site Ponto SJ, 28-05-2021.

Disponível aqui

A expressão “Nova Evangelização” é, bem o sabemos, uma redundância em si mesma. O Evangelho é Boa Nova e, como tal, seria próprio de quem se importa e tenta viver segundo os critérios de tais inspirações, fazer novas todas as coisas. A redundância é uma figura de estilo bem coerente para este caso: trata-se de sublinhar o essencial do essencial (abrir-se à dádiva do insistente novo), secundarizando alguns apêndices, mais ou menos disciplinares, moralistas, exterioristas, formais, rígidos, fechados, velhos…

Escolho o verbo permanecer para harmonizar uma certa visão de nova evangelização, que fará por gerir um difícil e dinâmico equilíbrio tensional: guardar o que certo passado e tradição nos oferecem, abrindo tal legado à novidade do que o tempo de hoje nos oferece e do que o futuro de novo nos trará, na convicção profunda de que estes, como todos os tempos da história da fé, são “tempos favoráveis” (2 Cor 6: 2). Não há lugar, portanto, por mandato bíblico, para pessimismos no olhar, como se o mundo concorresse em sentido oposto ao da esperança. É lá, na realidade do palco da vida, que se radica o sentido. Permanecer em Deus é permanecer na vida real e permanecer no mundo, no sabor encontrado da crença, é permanecer em Deus.

1- Permanecer em Cristo

Permanecer significa dar-se conta da importância da paciência, da fidelidade e de certa passividade que assume o compromisso de estar, esperando a espera da esperança, acreditando no amor. Este permanecer é algo contracorrente face a certo imediatismo contemporâneo onde, precisamente, pelo contrário, se saltita à distância de um clique ou de uma sensação. A imagem de Cristo como videira, em Jo 15, como fonte de seiva e garantia de vida e de unidade, é bastante inspiradora. Permanecer como ramo de videira é teimar nos critérios de Cristo, porque tal vale a pena, porque a vida assim vivida confirma o jugo leve e suave prometido. Porque permanecer é também dar um sentido outro às feridas e às fraturas da existência, vislumbrando a luz que teima em perpassar cada pequena ou grande contrariedade. Para alguns, permanecer na fé ganha tónus com permanecer em Igreja, um gesto continuado que, como tudo na vida, tem também o seu custo. Para quem escreve estas linhas, esta permanência eclesial, muitas vezes suada, é fonte de grande alegria e descentramento, sublinhando-se um caminho e uma salvação da ordem do “nós”. Uma procura de unidade na diversidade que tem as suas identidades e os seus frutos. Um dos aspetos que mais resiste aos ventos do Concílio Vaticano II é certo clericalismo que manifesta os seus resquícios. A iniciativa laical vai dando os seus sinais, mas não está consumada. Da parte de muitos leigos, porventura distantes da circularidade e da horizontalidade que nos fazem povo em caminho, há ainda resistências que se manifestam, por exemplo, na quase ingénua ideia de que o selo de Igreja se confunde com a presença e com a atividade dos clérigos. Sem escamotear a importância e singularidade do dinamismo dos ordenados na Igreja, ontem, hoje e amanhã, há ainda um salto de qualidade laical por emancipar…

2- Permanecer no mundo e no tempo

A lucidez crítica de alguma tendência superficial dos nossos tempos não pode ser entendida como qualquer combate contra o mundo, mais ou menos dualista, como se o mundo precisasse essencialmente de luta. O nosso primado é um outro, o da aceitação ativa e o da procura da justiça fraterna. Inspira-nos Jesus de Nazaré que sempre recusou ruturas com o mundo, preferindo revelar e revelar-Se nas más companhias mundanas, a partir da realidade como ela é. O Espírito Santo, enquanto gerúndio de Deus que em tudo sopra, ganha, no seu entendimento para a vida, em quasi confundir-se com o tempo e com o espaço que correm. Permanecer no Espírito Santo, portanto, é permanecer no mundo. As teses defensivas e identitárias da Igreja esmorecem no próprio Evangelho, que nada tem a ver com trincheiras, antes rasgando-se numa misericórdia em saída, como Francisco não se cansa de apontar. Não haverá nova evangelização sem atenção e permanência nos sinais dos tempos. De aí para o alto se caminhará porque não há caminho, antes prisão, no movimento contrário, bandeirando o cristianismo como mera ideologia.

3- Permanecer na pergunta

Este caminho da realidade para um ideal (e não o seu inverso), é radicalmente pedagógico e um filão fundamental da nova evangelização. As correntes pedagógicas atuais, embaladas pelo iluminismo, pela racionalidade das próprias ciências, incluindo as sociais, e por valores como a democracia e a pluralidade (na minha ótica, sopros com forte raiz judaico-cristã, agora no lastro de uma sociedade positivamente laica) são de ter em conta. As aprendizagens, seja do que for, são colocações baseadas na pergunta. Será o aprendente, mediante informação e propostas, que realizará o seu caminho, processando, acolhendo, ancorando e resignificando o que lhe é proposto, não imposto (ao estilo de Jesus, diria eu). O cristão (sim, missionário e evangelizador por inerência) terá neste tempo uma permanência baseada na pergunta, fazendo e porventura dizendo o que os outros fazem e dizem, mas com um tónus diferente. Principalmente pelos seus gestos e pelo seu ser, mais até do que pelo que diz, gerará a pergunta no outro. Só assim se poderá propor. Se houvesse eles e nós, em matéria de conversão (mas não há…), ambos, nós e eles que somos só nós, seríamos pergunta. Deus teima em ser a última pergunta diante de cada resposta provisória. E Jesus, Ele mesmo, transitou em formato pergunta. A bem dizer, morreu por amor e estava já a permanecer ressuscitando, como uma pergunta. A Igreja que somos, se quiser ser nova evangelização, terá de permanecer como pergunta aprendente diante da novidade que é a própria graça da vida!

JP in Sem categoria 2 Junho, 2021

alguns, porém, duvidaram

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 28, 16-20

alguns, porém, duvidaram

Em dia de celebração cristã da Santíssima Trindade o texto de Mateus traz-nos também o dinamismo da dúvida nos apóstolos. Não há fé sem dúvida como não há realização sem desejo. O reconhecimento da dúvida nas questões pessoais e face à própria transcendência é de grande importância. A caricatura da ausência de dúvida e risco, na vida, como na fé, é uma existência categórica e rígida, normalmente pouco empática. A assunção da dúvida, por seu lado, gera abertura e crescimento, consciência de fragilidade, anotação da carência de luz e humildade. É nessa base que se pode então acreditar e viver acreditando. Ter dúvida não significa a perda de convicção e sentido. Pai, Filho e Espírito Santo, em circularidade amorosa, podem ser esse sentido, podem ser luz para cada um.

JP in Espiritualidade Frases 30 Maio, 2021

cuidando…

Diz Melloni que as religiões podem tornar-se indigestas – não só indigestas mas sumamente perigosas… Para revitalizar o fenómeno religioso há que o recolocar como um chamamento de “esperançadores”, geradores de esperança. Mas a semente disso é o amor que chama, o útero que carrega, a mama que alimenta e tudo o que cuida. Para os crentes, Deus é o “esperançador-Mor”, que opera, cuidando, com as nossas mãos…

JP in Espiritualidade Frases 28 Maio, 2021

discernimento, ciência e filosofia

O discernimento espiritual, enquanto processo de escolha e clarificação, vale como instrumento de vida. Associo-lhe duas analogias: uma científica e outra filosófica. Conhecer ao modo das ciências exatas é como que discernir, isto é, separar para compreender (que o digam os químicos, nos seus processos analíticos, quando separam e “dissecam” a radiação que vem das amostras, precisamente para alcançar o seu conteúdo…). Por outro lado, é um positivo vício filosófico clarificar os termos para não baralhar… Evitar confundir, em suma, é uma marca do discernimento, do processo científico e do dinamismo filosófico.

JP in Espiritualidade Frases 26 Maio, 2021

recebei o Espírito Santo

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 20, 19-23

Recebei o Espírito Santo

Na triangulação da fé cristã, o Espírito Santo é a transcendência amorosa que sopra, dinâmica e constante. Na passagem do Evangelho que escutamos, Jesus anuncia o Espírito Santo depois de insistências de desejos de paz. Pode ser muito inspirador para os cristãos que o Espírito Santo e a paz se entrelacem numa dialética de vida: como se um (o Espírito Santo) não fizesse sentido sem a outra (a paz). A abertura ao reconhecimento de uma Presença interior em nós quase se confunde com o encontro da paz interior. Esta paz interior, por sua vez, só pode manifestar-se em fecundos e concretos gestos de paz para os outros.  

JP in Espiritualidade Frases 22 Maio, 2021