apropriações…
A apropriação mata. A apropriação pessoal fecha-me e prende-me em mim mesmo. A apropriação religiosa redunda na assassina idolatria…
A apropriação mata. A apropriação pessoal fecha-me e prende-me em mim mesmo. A apropriação religiosa redunda na assassina idolatria…
A paciência tem duas dimensões: 1) comigo e 2) com os outros, com a vida, com o mundo e com Deus. A paciência comigo mesmo é uma procura que convém aceitar pois ajuda muito as restantes paciências…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Filipe 1, 4-6.8-11
«peço sempre com alegria por todos vós»
Paulo, apóstolo enérgico, vital, empreendedor e mobilizador (nem por isso imaculado e, portanto, sujeitável a um olhar histórico-crítico…), empresta-nos nesta carta à comunidade dos filipenses um verdadeiro sentido do “nós”. Viver, estar e ser em Igreja, tem um potencial de autodescentramento, de nos polarizar num crescimento comum. Rezamos “Pai nosso…” e não “Pai meu…” e, isso mesmo, é símbolo de um convite mais coerente e amplo para uma vida espiritual comunitária. Rezarmos uns pelos outros é diferente de ‘pedinchar’. Na linha de Paulo, será pedir e contribuir para o dom da alegria de cada um, em todas as circunstâncias. Rezar pelos outros é pedir desde logo a abertura para que as minhas mãos os beneficiem e sejam mãos capazes de aliviar jugos e promover esperanças em cada um.
Resumiria assim um propósito educativo, que é mais simples de enunciar do que de praticar, tal é a demanda de criatividade, firmeza, paciência, disponbilidade e bondade: “há que passar aos nossos educandos, sejam filhos ou alunos, os valores que são ancestrais, que herdamos ao longo de muitas gerações. Mas, ao contrário do que se passava antigamente (e que apetece, tantas vezes…), sem ser à porrada…”
Sobre outros carismas e espiritualidades, eis a colocação mais libertadora: “com outras linguagens, tendem à mesma procura!”
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 21, 25-28.34-36
«A vossa libertação está próxima»
Começa para os cristãos católicos romanos o chamado tempo de Advento, de espera, de esperança e, em certo sentido, de preparação para os brotares do tempo. Os ciclos litúrgicos são um ritual ajudante, uma pedagogia, um convite de consciencialização comunitária para os movimentos do espaço, do tempo e do espírito. Mas estes ciclos maiores reproduzem-se no dia-a-dia. Hoje mesmo, na linha do texto proposto, provavelmente, vou viver sinais fantásticos que a natureza me oferecer, vou viver angústias interiores e exteriores, vou-me ver lançado em dilemas complexos, vou deixar-me provocar por esperanças, encontros e desencontros. Vou, com toda a certeza, fazer pontes de Páscoa, em que mortes geram vida. Portanto, o Advento, o Natal, a Quaresma, o Tempo Comum e a Páscoa, são, mais do que ciclos litúrgicos, ciclos de vida quotidiana. Preparar, vigiar e dar toques de esperança e de futuro ao que sou e ao que faço, isso é vida, isso é Advento…
Pai Nosso ontologizado
Pai nosso
que estás aqui.
Sejamos
o pão para
cada outro.
Sejamos
o perdão
que nos queres dar.
Sejamos tudo em todos
além da tentação
de partir
… em pedaços
não inteiros
nem verdadeiros,
sombras de mal…
A frase que mata, dita a mim mesmo ou aos outros, sentida, vivida e exteriorizada é esta mesmo: “isto é meu!”. Começa aqui a desgraça…
Sal de terra
Gostava de ser
cloreto de sódio!
Sal da terra
assim dizia Vieira.
Dar sabor,
metido,
ser solução.
Sem sal,
corrupção,
sem sal,
não há paladar.
Gostava de ser
cloreto de sódio.
Ião sódio,
ião cloreto.
Assim, sal,
me meto
no mundo.
Dissolvo-me,
confundo
mas não
vou ao fundo…
in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.
acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 18, 33b-37
«É como dizes: sou Rei»
A linguagem dos reis e dos reinados é muito específica e bastante presente nos livros da Bíblia. Com Jesus, em particular, há um confronto agudo e sistemático com vários reinados. Jesus é e assume-se como Rei mas, para os seus seguidores (porventura alguns de nós) importa clarificar que Rei é este e quais as caraterísticas do seu reinado. Notar que este texto precede a Páscoa, a passagem da morte à vida, o enorme gesto amoroso. Mais ainda, paradoxalmente, o reino de Jesus (a chave dos Seus critérios) é a originalidade do ‘despoder’. Isto é, o poder é não poder, é a doação e a entrega. Podemos perguntar-nos se estes critérios nos seduzem, se viver neste reinado despoderado nos interessa, se faz sentido ser súbdito deste rei-escravo… se servir, nos enche a alma…