aniversário…
De todas as disposições que são inspiradoras nos aniversários tenderia a escolher esta: tenho a idade que tenho de ter…
De todas as disposições que são inspiradoras nos aniversários tenderia a escolher esta: tenho a idade que tenho de ter…
É bom fazer por não sofrer a dor do outro num sentido que reduza a zero a distância crítica. A compaixão move mas não seremos chamados a carregar a cruz do outro, a “cobri-lo”, a nos deixarmos tomar por essa dor… Posso acompanhar alguém que sofre e francamente ajudar. Mas a cruz do outro é sagradamente do outro e a minha convocatória não é para a carregar por ele, é para, sendo oportuno e viável, dar contributos para que ele a carregue, para que sinta e esteja acompanhado na sua jornada de luta…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 21, 5-19
“Tende presente em vossos corações que não deveis preparar a vossa defesa”
O Evangelho de Lucas que escutamos contém certas recomendações, quotidianas e escatológicas. Na sua pior interpretação, podem ser lidas como ameaças, com algum potencial de amedontramento… Há ainda um enviesamento hermenêutico que conviria evitar: a ideia de um Deus mágico que resolve e ‘cobre’ o que fizermos e o que não fizermos. Pelo contrário, o traço da proposta Cristã é o de contar com a humanidade, livremente mandatada, para a construção do sonho de Deus. Na fé, podemos contar com a confiança de um Deus presente e, por isso, não sermos defensivos na nossa ação e na nossa existência. Para alguns de nós, enquanto Igreja, podemos ter neste texto um espelho crítico sobre as estratégias excessivamente identitárias e defensivas. As trincheiras, a bem dizer, não são a nossa guerra…
L1: Mal 3, 19-20a; Sal 97 (98), 5-6. 7-8. 9
L2: 2 Tes 3, 7-12
Ev: Lc 21, 5-19
O Deus em quem os cristãos acreditam e confiam e a quem, por isso, dão crédito, pode valer a pena. Os crentes não sabem explicar muito sobre o que a Ele se refere, mas o pouco que sabem é suficiente para fundamentar a sua fé. Mais do que saber explicar, procuram saber viver de acordo com os valores cristãos. Deus tem mais a ver com a sabedoria do que com o saber. Acreditar em Deus relacional, pessoal e comunitariamente, na Igreja Católica (também noutras denominações, com toda a certeza), dá aos cristãos paz e sentido para a vida. Por isso mesmo, dão crédito a Deus e à Igreja, apesar da inalcancibilidade total do primeiro e das fragilidades da segunda… O fundamento desta crença é, pois, simultaneamente, racional e relacional.
Há Deus nos céus, além das estrelas e no palco bíblico da Terra, que Galileu descentrou. Castelos e sopros de éden, que Darwin evolucionou. Um Universo imenso: o da vida, onde se rasga Deus e os Homens, e o da Palavra (nem óbvia, nem literal) onde a transcendência se propõe…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 20, 27-38
«Não é um Deus de mortos, mas de vivos»
Os sadoceus colocam a Jesus uma pergunta deveras difícil: qual dos sete irmãos que casaram sucessivamente com a mesma mulher a irá “possuir” depois de morrer. A lógica e a aritmética dos sadoceus tem todo o sentido e é um bom ingrediente para justificar o seu cepticismo quanto à Ressurreição. Jesus apresenta-nos uma ideia diferente, que aponta para uma outra lógica e para um outro quadro de referência depois da morte. Nenhum de nós sabe o que se passará mas acreditamos que esta nova vida que nos espera terá a ver com o Amor, que é o próprio Deus. Podemos experimentar um aperitivo desse encontro, entre-tanto re-velado: já nesta vida, quando estamos a ser construtores do sonho de Deus, em relação com todos os seres humanos e com a natureza. Um “Deus dos vivos”, portanto…
NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.
L1: 2 Mac 7, 1-2. 9-14; Sal 16 (17), 1. 5-6. 8b e 15
L2: 2 Tes 2, 16 – 3, 5
Ev: Lc 20, 27-38 ou Lc 20, 27. 34-38
Paiva, J. C. (2022). Posso rezar pelo milagre do fim da guerra? Site Ponto SJ, 01-11-2022.
Já existem no Ponto SJ algumas reflexões sobre esta temática da oração em tempos de guerra, como aquela que aponta para a oração pelo fim dos tiros. Tendo a associar-me aos argumentos apresentados, mas permito-me outro olhar, de alguma forma convergente, como que ampliando a questão: não há milagres pelos quais possamos rezar?
A oração é sempre um tatear. O ponto inicial e constante sobre oração é este mesmo: rezamos toscamente e, como tal, somos apenas aprendizes de oração. Na tradição da Igreja há referências inspiradoras, de experiências místicas e não só, que evidenciam esta fragilidade de partida no gesto orante. A lucidez dos próprios santos sempre os trouxe a este lugar da intrínseca inabilidade da oração. Rezar é uma aproximação com o seu quê de artística: é um dinamismo que resulta da dança dos pincéis que somos na tela branca e livre da doação amorosa de Deus. Neste sentido, o terreno dialético da oração é deliberadamente vago e aberto. A resposta à pergunta que dá título a este pequeno texto é ‘sim’. Na realidade, claro está, podemos rezar pelo que quisermos… Mas para o autor destas palavras, a oração aflita pelo milagre extraordinário, no cenário privado da doença ou no cenário público da guerra, soa a uma certa insuficiência.
O milagre, a teologia e a ciência são uma trilogia complexa e não raras vezes mal entendida e, sobretudo, mal comunicada. Uma das nuances dos milagres, como em subtilezas congéneres, parece mesmo estar no (multi)significado da palavra. Se nos concentrarmos nas definições típicas de um dicionário, a palavra milagre, de alguma forma, apresenta relação com três atributos: 1) causa de espanto; 2) potencial simbólico; 3) evento não explicável no quadro das leis naturais e da ciência atual (ela mesma, ciência, forte e segura mas sempre ‘provisória’. Tenho tendência a valorizar o lado espantoso e maravilhante dos milagres, bem como o seu potencial simbólico. Desvalorizo, pelo contrário, a não explicabilidade (científica?) dos milagres. A não explicabilidade não é o toque de Deus e a ciência é radicalmente provisória… Neste sentido, rezar pelo que espanta, reconhecer o que espanta e ligar-me ao que espanta, parece-me ser um bom caminho.
Há metodologias inspiradoras para rezar, que nos podem ajudar. Sabemos que se pode rezar em todo o lugar, na reserva do quarto, comunitária e publicamente ou caminhando na rua. Importa o corpo e o espírito, sendo que a procura de certo silêncio e abertura interiores são itens de qualidade para a oração. Apesar de rezar ser muito da ordem íntima e por isso pessoal, é bom puxar mais no nós do que no eu. Podemos ainda convocar certa persistência e, com alguma relação de cumplicidade, convém atribuir à oração disciplina, em tempo e espaço inegociável. Gosto de começar e acabar tudo o que diga respeito à oração com o oxigénio do reconhecimento agradecido.
Convoco para esta conversa uma expressão pitoresca: “não me apetecia esta guerra…”. Não sei se ouvi esta expressão tal e qual, mas recordo-me de uma parecida, aquando da pandemia, agora lida como uma espécie de antecâmara em miniatura dos dilemas que a guerra traz: “estou farto da pandemia”. Há um lado natural e até saudável na expressão dos nossos sentimentos e das nossas emoções, na vida, nas relações e, portanto, na oração. A oração, aliás, tem espaço para tudo e, como tal, também para os nossos desabafos. Mas a precariedade (existencial e teológica) desta postura, pode ajudar-nos a iluminar a oração… Auto-centrar-me nas minhas angústias, sem cultivar janelas de respiro, e convocar Deus para me (nos) resolver os problemas operacionais da existência, é uma espécie de “meter deus no bolso” (Bonhoeffer diria que equivocamente procuramos um “deus tapa-buracos”). Não é muito recomendável instrumentalizar a transcendência e a potencialidade e o alcance da oração pendem-nos algo diferente: a abertura que abrimos na oração é um outro e maior horizonte…
Deus teima em apostar amorosa e misteriosamente na liberdade dos homens: uma liberdade que pode tocar, como na cruz de Jesus, a maior das crueldades, a mais cínica das injustiças… E é nesta bebedeira, com clamor e paciência, que a oração se amadura, na paz e na guerra da nossa existência.
Da minha fragilidade orante – reconheço-me numa certa excessividade, a este nível do que peço na oração – encontro-me nem melhor nem pior do que outros estilos de oração cristã. Aponto duas linhas de força sobre a minha miséria de crente rezador: a) já não gasto tempo a chamar à atenção a Deus do que o mundo precisa. Ele sabe bem, endemicamente presente nas entranhas de toda a humanidade. Convoco na minha oração o que vivo, vejo e sinto, mas não preciso de lhe recordar nada… Deus grita e a minha oração é para que eu abra os ouvidos; b) também deixei de rezar por coisas como ‘que acabe a guerra na Ucrânia’. Vou numa outra linha, mais apontada para minha responsabilidade e crescimento e englobando a nossa comunidade. Por exemplo: “que nos abramos à esperança e à generosidade, nas pequenas e grandes coisas, que se gerem contágios amorosos de paz, beleza, solidariedade, esperança e amor. Que eu não perca a força e a coragem de continuar a amar… e assim responda às dilacerantes bombas, as distantes e as que caem perto daqui de onde estou. Que a nossa comunidade, comigo incluído, se abra à esperança, à conversão ao essencial, à atenção… à vida”.
Se me foco, aflito, na urgência milagreira do fim da guerra e perco a noção da grandeza da pequenez, não terei tocado o mistério da experiência de Deus. Se não alcanço o milagre de ver e me alimentar com o detalhe das nervuras dum ordinário trevo, estarei longe do milagre do fim da guerra. Vale a pena poder rezar-vivendo e poder viver-rezando. A guerra da vida, do tempo e do espaço, importa – e eu estou no meio dela. Mas a guerra cuja recruta me chama está cá dentro: e rezar é lutar para aceitar, amorosamente, ser um soldado do sonho amoroso de Deus. A esse milagre acolhido nos candidatamos, por esse milagre rezamos.
Os Pais dos meus amigos
Vejo tombar
aos meus amigos
seus Pais.
Ontem baptizados e casamentos,
hoje funerais.
Ontem conheci-os,
anteontem geraram,
hoje funerais.
Seus filhos,
meus amigos,
não os verão jamais.
Hoje funerais.
Meus amigos:
uns com fé,
outros sem coisas que tais,
hoje funerais.
Meus amigos,
que abraço,
choram seus pais,
hoje funerais.
Ontem história,
hoje tempo
Amanhã eterno e mais.
Hoje, funerais.
2010
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 19, 1-10
«Foi hospedar-se em casa de um pecador…»
Ao chamar Zaqueu e ficar em sua casa, Jesus fornece-nos, entre outras, duas pistas importantes relacionadas com a sua própria missão de revelar Deus aos homens, revelando-Se: primeiro, não fez o que é comum, o que todos fazem ou o politicamente correcto. Por outro lado Ele aceita (neste caso até procura) aqueles tidos como pecadores públicos, indo ao seu encontro, aceitando ficar em sua casa. Esta passagem impele-nos hoje a privilegiar contatos com os mais excluídos que precisarem de nós: marginalizados na escola ou na família, estrangeiros, pessoas de diferentes etnias, paroquianos mais “originais”, vizinhos mais difíceis, são “zaqueus” que esperam por nós… E cada um de nós, claro está, é, ao mesmo tempo, um (pequeno-enorme) Zaqueu que precisa de Alguém.
NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog
L1: Sab 11, 22 – 12, 2; Sal 144 (145), 1-2. 8-9. 10-11. 13cd-14
L2: 2 Tes 1, 11 – 2, 2
Ev: Lc 19, 1-10
A tradição da ciência é focar-se no mecanismo e esquecer o sentido e o significado. Também por este facto, a ciência pode humildemente incorporar as suas próprias limitações.