Morreu o papa Bento XVI e paz a sua alma. Sou fortemente marcado por Joseph Ratzinger, mas mais no especto intelectual – nada desprezível – do que na frente pastoral. Registo a sua timidez germânica quase não emocional, mas ao que parece apenas publicamente, já que há quem testemunhe que na intimidade, seria pessoa muito expressiva afetivamente. Ratzinger foi revolucionaríssimo no final dos anos 60. A sua obra de leitura obrigatória, ‘introdução ao cristianismo’ diz muito do que é ser cristão. A sua analogia do teólogo cristão como o palhaço de um circo arder, que não consegue mobilizar o povo, é para mim certeira, na própria Igreja dos nossos dias. A encíclica caritas in veritate, já como Papa, é também um documento notável, que me inspira ainda hoje. Reconheço que Ratzinger era mais visionário como jovem teólogo do que depois como Papa. Vestido de branco, não conseguiu sacudir-se das redes pantanosas do Vaticano, aqui e ali com nós dados por ele mesmo, enquanto esteve à frente da Congregação para a Doutrina da fé, onde fechou mais do que abriu. Mas a sua atitude radicalmente profética, que ficará na história, foi a de ter abdicado do papado, num gesto humilde sem precedentes que, creio, fará escola repetida no futuro dos papas. Ratzinguer foi muito ativo no concílio Vaticano Segundo e em vários momentos contribuiu para a horizontalidade eclesial. Foi também coerente e ativo nos gestos inter-religiosos. A sua rasgada inteligência e a procura límpida de juntar fé e razão, são um legado enorme aos cristãos e à humanidade. Agradeço-lhe.
Texto usado no programa de rádio da TSF “que mundo, meu deus”.
www.tsf.pt/programa/que-mundo-meu-deus.html