experiência

O conceito de experiência merece reflexão atenta. Relaciona-se com o contacto com a realidade objetiva… em interação espacial e temporal. Mas esta interação é com um sujeito, em vários níveis de reflexão e profundidade. É sempre subjetiva, a experiência…

JP in Frases 25 Agosto, 2018

revoluções…

Fala-se em quatro revoluções: a máquina a vapor, a gasolina, a internet, a inteligência artificial. Mecaniscismos, tecnologias, otimizações operacionais… Importantes, mas aquém da grande revolução urgente, que é do Homem e dos seus Valores.

Recensão – A Ressurreição e o fim dos tempos (P. Vasco Pinto Magalhães sj)

Recensão do livro:

 

A Ressurreição e o fim dos tempos

(a morte como abertura a Deus)

Vasco Pinto de Magalhães sj,

Tenacitas, 2018

 

in Brotéria, V. 187. julho’ 2018, p. 144

 

 

O Padre Vasco dispensa apresentações biográficos mas gostava de afirmar, neste contexto de tanta inspiração em Teilhard, que, também ele, como Chardin, tem três pilares curriculares relevantes: a simpatia pela ciência e pela tecnologia (foi estudante de engenharia), a formação teológica e a filosofia, que lhe foram oferecidas na formação jesuítica (sempre continuada). Acresce-lhe a experiência de escutante e acompanhante, a generosidade na vida e, no palco deste livro, a forma como, qual artesão, constrói palavras e novas formas de dizer o que é essencial. Este seu exercício em muito nos pode ajudar.

 

Desde já, muito suspeitamente, aconselho este livro. Talvez não em pico de sofrimento, de luto ou em vésperas de morte física, mas antes disso, em chave profilática. Arrisco uma analogia: assim como na educação familiar, a agudeza da adolescência se previne no amor generoso da infância, leia-se esta obra desde já, antes mesmo de estarmos perto de ser pó ou de assistirmos à morte dos que amamos. Não nos poupemos de pensar a vida porque a morte é certa.

 

Este é um livro quase indisciplinado. Poderia ter uma organização completamente diferente. Pode ser lido de trás para frente, a eito, de uma assentada, ou em peças avulso. Tem redundâncias (como as tem toda a obra escrita do Padre Vasco Pinto de Magalhães), ataques em espiral e quase repetições, o que não é relevante, pois a morte, como a vida, é também assim: vamos e estamos a morrer, a viver e a morrer…

 

Escolheria uma palavra e um conceito para resumir o livro: a palavra é relação. O Padre Vasco “abusa”, neste livro e não só, da palavra relação. Corpo é relação, pessoa é relação, alma é relação. Deus, que é aquele que É, revela-se na relação. Páscoa é relação e Ressurreição é relação.

 

Quanto ao conceito charneira, resumo assim: gerúndio. Este livro fala-nos de gerúndios. Estamos a acontecer, estamos a viver, estamos a morrer. Jesus está a ressuscitar e o fim dos tempos, está a acontecer. Pediria emprestado um neologismo curioso que anda nas entrelinhas desta obra: somos morrentes, antes mesmo de sermos moribundos. E vale a pena responder a esta realidade que somos sem evitar o tabu da morte. Se somos morrentes, com os olhos da fé, pois morramos por amor, e assim vivamos.

 

Merece destaque (p. 22), a propósito da reanimação (também ressureição, em chave mais profunda), a clarificação de corpo como o espaço das nossas relações. Mais uma ajuda, de boleia com S. Tomás, para dissipar vestígios ainda evidentes no catolicismo de uma dicotomia platónica que favorece um duvidoso substancialismo, da alma e dos demónios…

 

A recensão de um livro, por mais que admiremos a obra e o seu autor, como é o caso, fica incompleta sem um esgar critico. Permito-me, pois, sugerir a substituição da palavra ‘certeza’, no topo da página 27. Em vez desta, seja convicção ou mesmo fé, porque é isso mesmo que se quer dizer. Valorizo muito o item em causa, a recusa de um Deus que quisesse a morte dos justos e o sofrimento dos inocentes (não há teologia nem vida cristã com futuro que possa ser equívoca sobre um Deus de amor). Mas tal colocação, é, precisamente, a nossa fé.

 

O livro é para o grande público mas não deixa de projetar uma reflexão filosófica séria e profunda, com referências de contraditório como as de Sartre, Bloch (o filosofo da esperança sem Deus) ou Heidegger. E se este não fosse um livro de bolso, bem poderia tocar Martin Buber ou Levinas, ou mesmo o filósofo austríaco Ebner, porventura o pai da filosofia dialógica.

 

Mas salientam-se sempre as palavras certas, justas e simples, que a cada passo resumem o essencial: “Na hora da nossa morte (e da morte dos que amamos, digo eu), que é cada minuto da nossa vida, só fazem sentido os passos que foram mortes que geram vida, isto é, que foram ao encontro do outro (p. 108). Eis, pois, a revitalização da boa mortificação! (p. 47)

 

Chardin está sempre presente, muito mais do que quando é explícito, como na página 71, quando se escreve que o homem está em processo de transformação personalizante (mais um gerúndio…). A convergência da cosmogénese com a antropogénese e a cristogénese, referidas no início como fonte, jorra depois em todos os capítulos.

 

O mais central dos gerúndios que se arrasta na obra, desde o título até ao fim, pode exprimir-se na recreativa expressão (mais uma) da página 55: “Ressureição-já”. Não sendo um livro estrito sobre Ressurreição, poderemos inspirar-nos na nossa colocação face à tensão teológica constante entre a fisicalidade e o valor simbólico dos relatos bíblicos. Podemos, pelo menos, desvalorizar a questão da fisicalidade da Ressureição e acentuar o que este livro nos convida a sublinhar: Jesus está a ressuscitar, pedindo a nossa abertura às relações que cristifiquem, a vida e morte. Assim vale a pena e tem sentido ir morrendo-vivendo e, como se lê na última página, retomando em ómega o alfa do livro, “o fim do mundo será já”, mas ainda não…

JP in Espiritualidade Textos 1 Agosto, 2018

objetividade e subjetividade

Há exageros na metáfora objetivista de grelhas, métricas e outras parametrizações exageradas. Ocorre promover a positiva subjetividade, no sentido humanista do termo. Curiosa, a este propósito, a máxima de Fernando Savater: “se fosse um objeto era objetivo, como sou um sujeito, sou subjetivo…”

julho’ 2018

JP in Educação Frases 29 Julho, 2018

prece…

Rezo, pois, em silencioso grito, para que todos saibamos colher o momento presente, crescer com o que aconteça, tomar a responsabilidade dos nossos atos, abrir os nossos olhos e a inteligência ao discernimento que nos possa fazer boas escolhas, face aquilo que está nas nossas mãos (uma minúscula parte do dinamismo da
realidade).

Pró-ativos mas em paixão (passiona, passivos, em aceitação…), assim, abertos à graça, saboreamos já aperitivos de paraíso, sem pedinchar quase que manipulativamente uma intervenção mágica que Deus, omni(im)potente, por mistério amoroso, parece não apreciar…

2013

JP in Espiritualidade Frases 28 Julho, 2018

Palavras no Tempo

Palavras no Tempo – Diálogos entre ciência, religião … e não só…

 

O projeto Palavras no Tempo, a decorrer desde 2014, é uma iniciativa de cariz cívico e cultural que teve a sua génese na obra Educação, Ciência e Religião (2012), na sequência da qual se promoveram inúmeras sessões e debates que resultariam numa parceria entre a Universidade do Porto, a Universidade Católica e o Centro Nacional de Cultura, que patrocinam a ideia. Palavras no Tempo consiste na realização de conferências e debates, bem como em sessões de reflexão e formações, em torno de múltiplas aproximações à religião e à cultura, envolvendo o olhar reflexivo em várias áreas, perspetivado sob o ponto de vista de crentes e de não crentes.

Todos os temas são pretexto de conversa e cidadania, na base comum dos direitos humanos e do respeito pela diferença. O cerne deste projeto é dialogar, no eixo da crença e da não crença. Thomas Halik (2013) diz bem que a crença e a não crença são dois olhares arriscados sobre o mesmo mistério e, quando nos abrimos, sentimo-nos muito mais próximos uns dos outros, sem rótulos, mais solidários e com mais futuro.

Palavras no Tempo recria estilos de comunicação e diálogo de outros tempos, contextualizados à nossa realidade de hoje, carente ainda de efetiva reflexão e debate, apesar do ruído dos media. No âmbito deste projeto, são dinamizadas várias conferências/debates, focados regionalmente, com o apoio das respetivas câmaras municipais, das universidades, das escolas e de outras instituições de cada região.

Desde 2014, têm sido realizados diversos eventos no âmbito do projeto Palavras no Tempo, quer conferências/debates mais direcionados para o público em geral, quer sessões dirigidas a alunos de escolas secundárias, quer formações para professores. O evento “Educação, Ciência e Religião”, cuja primeira ocorrência teve lugar no Cineteatro de Anadia, a 23 de maio de 2014, com a participação de João Paiva e Aniceto Carmo, é especialmente dirigido a alunos do ensino secundário e foi replicado em 18 escolas secundárias do Centro e Norte do país: Escola Secundária de Oliveira do Bairro, Escola Secundária José Macedo Fragateiro (Ovar), Escola Secundária de Cantanhede, Escola Secundária de Estarreja, Escola Secundária Joaquim de Carvalho (Figueira da Foz), Escola S/3 Arquiteto Oliveira Ferreira (Vila Nova de Gaia), Escola Secundária de Santa Maria da Feira, Escola Básica e Secundária de Ferreira de Castro (Oliveira de Azeméis), Escola Secundária de Montemor-o-Velho, Escola Secundária Manuel Laranjeira (Espinho), Escola Secundária Clara de Resende (Porto), Escola Secundária de Penafiel, Escola Secundária José Falcão (Coimbra), Escola Secundária António Nobre (Porto), Escola Secundária Aurélia de Sousa (Porto), Escola Secundária Fontes Pereira de Melo (Porto), Colégio Nossa Senhora da Paz (Porto), Escola Secundária Carlos Amarante (Braga). Além das escolas secundárias mencionadas, também o Cineteatro de Albergaria acolheu o evento “Educação, Ciência e Religião” para um público mais alargado. Entretanto vários outros colaboradores, em diferentes posições no eixo crença/não crença, se associaram ao projeto: Rui Trindade, José Luís Santos, Maria Manuel Jorge, Pedro Lind ,Pedro Pimenta, João Correia de Freitas, Vitor Teodoro, João Frade e Carlos Fontes.

“Religião, Ciência e Cultura” é um evento dirigido especialmente à comunidade docente e consiste numa formação creditável (Despacho n.º 5741/2015) para professores de todos os grupos disciplinares. Foram realizadas até ao momento nove formações: Escola Secundária Manuel Laranjeira (Espinho), Escola Secundária de Penafiel, Escola Secundária José Falcão (Coimbra), Instituto Superior de Administração e Línguas (Funchal), Seminário do Vilar (Porto), Colégio de Nossa Senhora da Paz (Porto), Escola Secundária de Paredes, Escola Secundária Aurélia de Sousa (Porto). Até final de 2016, estão previstas mais duas formações, em Abrantes e em Anadia.

O evento “Razões de (des)crença”, direcionado para um contexto paroquial, foi realizado em 7 paróquias: Oliveira do Bairro, Ovar, Cantanhede, Estarreja, Figueira da Foz, Albergaria, Paróquia da Boavista (Porto). Também para um público eminentemente paroquial, foi concebido o evento “Workshop catequese e cultura científica”, dinamizado em 6 localidades: Figueira da Foz, Vila Nova de Gaia, Albergaria, Santa Maria da Feira, Espinho, Porto (Paróquia do Cristo-Rei).

O evento “Para quê Deus se temos Ciência?” realizou-se no Colégio de Famalicão (Anadia), na Escola Superior de Enfermagem S. José de Cluny e na Escola da APEL (Funchal).

As conferências/debates, alicerçados no binómio crença/não crença e dirigidos ao público em geral, são o evento aglutinador e o móbil de reflexão em cada uma das localidades por onde o projeto Palavras no Tempo vai passando. Estes eventos decorreram, de forma descentralizada e itinerante, em diversos espaços culturais e educativos do Centro e Norte do país, com a participação de palestrantes convidados, homens e mulheres de qualidade e prestígio nas várias áreas da cultura e da ciência. Até ao momento, foram realizados 17 eventos desta natureza:

  • Religião e Ciência, com Carlos Fiolhais e João Fernandes (Anadia)
  • Religião e Política, com Carlos Abreu Amorim e José Manuel Pureza (Oliveira do Bairro)
  • Religião e Economia, com Augusto Santos Silva e João Duque (Ovar)
  • Religião e Maçonaria, com Henrique Monteiro e João Conduto (Cantanhede)
  • Religião e Afetos, com Maria Belo e José Frazão (Estarreja)
  • Religião e Justiça, com Laborinho Lúcio e José de Souto Moura (Figueira da Foz)
  • Religião e Sexualidade, com Gabriela Moita e Miguel Almeida (Vila Nova de Gaia)
  • Religião e História, com Fernando Rosas e José Eduardo Franco (Albergaria)
  • Religião e Mulher, com Teresa Lago e Teresa Toldy (Santa Maria da Feira)
  • Religião e Poesia, com Jorge Melícias e José Rui Teixeira (Oliveira de Azeméis)
  • Religião e Islão, com Paulo Mendes Pinto e Abdul Rehman Mangá (Montemor-o-Velho)
  • Religião e Educação, com Luís Grosso e Joaquim Azevedo (Espinho)
  • Religião e Portugal, com António Barreto e Manuel Clemente (Porto)
  • Religião e Neurociências, com João Relvas e Joana Castelo Branco (Coimbra)
  • Religião e Bioética, com António Vaz Carneiro e Walter Oswald (Porto)
  • Religião e História da Ciência, com Henrique Leitão e Amélia Polónia (Porto)
  • Religião e Ecologia, com Filipe Duarte Santos e Paulo Borges (Braga)

No âmbito destas conferências/debates, estão agendadas ainda as seguintes:

  • Religião e o Corpo na iminência da morte, com Paulo Tunhas e Edna Gonçalves (Abrantes)
  • Religião e o Céu, Joaquim Fernandes e Bruno Nobre (Anadia)

A título de exemplo, apresenta-se o resumo do primeiro dos debates, com Carlos Fiolhais e João Fernandes:

“No âmbito do projeto Palavras no Tempo, realizou-se, no dia 23 de maio de 2014, no Museu do Vinho da Anadia, a primeira sessão de um ciclo de debates que junta crentes e não crentes com o objetivo de promover a reflexão em torno da temática “Educação, Ciência e Religião”. Este primeiro debate, sob o título “Religião e Ciência”, contou com a participação de duas figuras do universo das Ciências: o físico Carlos Fiolhais e o astrónomo João Fernandes.

A primeira intervenção coube a João Fernandes, que começou por se apresentar como cientista e crente, argumentando não encontrar incompatibilidade entre estas duas dimensões estruturais da sua vida e sublinhando a ideia de uma convivência pacífica, dentro da comunidade crente, entre a Ciência e a Fé. Interrogando-se se haverá aspetos comuns ao facto de ser crente e ser cientista, encontra duas características: a liberdade e a responsabilidade, na medida em que ambas são pressupostos fundamentais da Ciência e da Fé.

Na sua intervenção, Carlos Fiolhais começou por frisar que, embora completamente distintas, com métodos e objetivos diferentes, Ciência e Religião têm em comum algo muito profundo, permitindo o diálogo: ambas correspondem a necessidades do Homem e ambas tentam fornecer sentido: “tentam penetrar no mistério, embora se trate de mistérios diferentes”. Acima de tudo, “são expressões de incompletude do ser humano, que precisa de mais alguma coisa…”

Recorrendo a uma perspetiva histórica desde os primórdios da ciência moderna, o físico explicou como, a partir de Galileu, se foi construindo e alimentando um embate e uma visão dicotómica entre Ciência e Religião, apesar de, para cientistas como Galileu, Newton e Darwin, ambas as abordagens não serem incompatíveis. Abordou também as polémicas mais recentes, suscitadas pelo evolucionismo, pelas neurociências e pelo ateísmo militante de alguns cientistas. A terminar a sua intervenção, Carlos Fiolhais avançou ideias sobre a questão “porque é que o diálogo entre a Ciência e a Religião é um diálogo não apenas útil, mas também necessário?”

Na parte final da sessão, o público confrontou os cientistas com questões em que se entrecruzam argumentos científicos e metafísicos: a origem do Universo, o acaso, e onde fica o espaço para a fé depois de a ciência tudo explicar?”

 

Desde 2014 até ao final de maio de 2016, foram dinamizados, no âmbito do projeto Palavras no Tempo, 64 eventos distribuídos por em 18 localidades: Albergaria, Anadia, Braga, Cantanhede, Coimbra, Espinho, Estarreja, Figueira da Foz, Funchal, Montemor-o-Velho, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Ovar, Paredes, Penafiel, Porto, Santa Maria da Feira, Vila Nova de Gaia. Quantitativamente, as pessoas abrangidas pelos 64 eventos até agora dinamizados, apontam para a seguinte quantificação:

Número aproximado de eventos: 80

Número aproximado de Professores: 800

Número aproximado de Alunos: 4000

Número aproximado de Outros Públicos: 2400

Número aproximado de Total de públicos envolvidos: 7200

Embora o impacto destas iniciativas não seja objetivamente mensurável, é nossa convicção de que estes eventos promovem nos seus públicos um alargar de horizontes, quer em termos culturais, quer em termos reflexivos, desencadeando aquilo a que poderíamos chamar de ‘desbloqueamento intelectual’, com potencial apostólico.

Espaços para a reflexão, para o diálogo e para a ação continuam urgentes. Terão sido acutilantemente inaugurados na nossa cultura por Humberto Eco e Cardeal Martini (2000) mas não é certo que se tenham esgotado na sua intenção cultural. A crença e a não crença são dois ângulos diferentes que olham o mesmo mistério. Somos feitos para a busca. Crentes e não crentes instalados entenderão este projeto como irrelevante. Com Palavras no Tempo, nada mais se pretende que um bom diálogo para robustecer a ação. O olhar para o universo, deixa-nos deslumbrados, encantados e quase oprimidos, mas necessariamente questionantes (Artigas, 2000). Teilhard de Chardin (2000) convida-nos a libertar as dicotomias, as do mundo e as do espírito, as do princípio e do fim, as do corpo e as da alma, as do universo e da Criação, as dos crentes e dos não crentes. Procuramos as “palavras”, neste “tempo” em que as múltiplas propostas precisam de se ouvir, de se questionar, de fluir na dialética entre o Eu e os Outros.

Mais detalhes e interações poderão ser consultados em www.pnt.up.pt.

 

 

Agradecimentos:

Além dos parceiros institucionais e do programa Ciência Viva, merece-me uma palavra particular de apreço o meu grande amigo Alfredo Dinis que, não estando já entre nós, goza com toda a certeza este projeto, que comigo sonhou. Saúdo de forma muito especial, igualmente, o Eng. Aniceto Carmo que, como não crente irrequieto e construtivo, tem competente e entusiasta protagonismo em muitas das iniciativas.

 

Referências:

ARTIGAS, M., The Mind of the Universe. Understanding Science and Religion, Templeton Press, 2000.

CHARDIN, T. de, «Cristianismo e Evolução. Sugestões para servir uma nova teologia» em A Minha Fé. A Matéria e Deus, Lisboa: Ed. Notícias, 2000.

DINIS, A. E PAIVA, J. C, Educação, Ciência e Religião, Gradiva, Lisboa, 2012.

ECO, H. e MARTINI, C., Em que Crê quem não Crê?, Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2000.

TOMÁŠ HALÍK, Paciência com Deus. Paulinas, Lisboa, 2013.

Livros escolares

Escrevi e vou esrevendo umas dezenas livros escolares, principalmente na área de química (do 7º ao 12º anos) e sempre em coautoria.

Estes livros podem ser consultados em

https://www.joaopaiva.net/wp-content/uploads/2018/06/CURRIC_VITAE_JOAO_PAIVA_marco2018-v37.docx.pdf

A mioria dos livros pode ser daquirida nas livrarias ou em sites on line como www.wook.pt (João Paiva na pesquisa)

O Fascínio de Ser Professor

Livro editado pela Texto Editores

Referência: J. C. Paiva, O Fascínio de Ser Professor, Texto Editores, Lisboa, 2007

Para adquirir o livro contactar: https://www.leyaonline.com/pt/livros/ciencias-da-educacao/o-fascinio-de-ser-professor/

Nota: neste blog, pode haver pequenos textos constantes do livro, com etiquetas, disponibilizados ‘avulso’.

 

O Fascínio de ser Professor é, em certo sentido, uma conversa informal com o leitor. Com algum tom autobiográfico, o autor João Paiva, aborda vinte “pólos educativos”, posicionando-se (moderadamente) face a dicotomias como razões/afectos, autoridade/diálogo ou palvra/imagem. O prazer de estar em palco no teatro da educação é a seiva destas palavras. A par das reflexões e sugestões, relatam-se experiências do autor enquanto professor de química. A química é um agradável álibi: haja o que houver nas escolas e nas reformas educativas, o fascínio será sempre a mola do professor. O fascínio vai além de um jogo de pólos. O fascínio é o eixo que faz mover a escola e, assim, anima o mundo.

 

índice:

Introdução

Razão / Afectos

Saber Ciência / Saber Ensinar

Estratégias tradicionais / Computadores

Conceitos / Contextos

Sacrifício / Prazer

Compartimentação / Aptidões transferíveis

Rigidez / «Negociação»

Autoridade / Diálogo

Elitismo / Ensino de massas

Dissimulação / Transparência

Memorização / Criatividade

Professor / Aluno

Rigor / Transigência

Sala de aula / Outros espaços

Complexidade / Simplicidade

Teoria / Prática

Exames / Avaliação contínua

Palavra / Imagem

Ajuda / Autonomia

Pessimismo / Optimismo

 

Exemplo:

1. Razão / Afectos

Se nos critérios do passado «um homem não chora», seria também anunciável que «um professor não sente». A racionalidade «higiénica» terá movido a teoria e a prática das escolas: professores e alunos, firmes e hirtos, de ambos os lados da barricada da educação, durante muitos e longos anos.

Em alguns excessos do presente das nossas escolas, porém, joga-se a confusão afectiva oposta: falta racionalidade e a distância crítica dos professores, das gestões escolares e da tutela ministerial para actuar com firmeza nas muitas situações que o exigem.

Não obstante ter uma atitude de horizonte afectivo, humanista e, em certo sentido, progressista, assumo que, em educação, prefiro um sistema mais tradicional, mas seguro e coerente, do que um sistema «prá frentex», mas inconsistente, frágil e inseguro. No diálogo entre o «prá frentex» e o «prá trasex», deveria imperar o pragmático e o realista. Escolhi com a minha mulher, para os nossos três filhos, escolas com um modelo educativo de natureza tradicional. Foi melhor para uns do que para outros, mas, em geral, não estamos arrependidos. Entre a certeza de algumas competências (e exigências) mais rígidas e a dúvida de sistemas mais modernos, preferimos a primeira. Não foram «o pleno», mas o possível. Desejava um modelo misto, em que convergissem os critérios salutares do ensino tradicional, como a exigência, o rigor, a disciplina e o trabalho, com ingredientes mais inovadores e de estilo moderno, como a criatividade, o jogo, a transdisciplinaridade e o trabalho de projecto.

Na ausência de tal «padrão médio», da «fusão feliz» em que pretendo colaborar e que profissionalmente procuro protagonizar, optei por «ter o pássaro na mão». Continuando com os provérbios, achei que «não se fazem omeletas sem ovos». Não se criam textos sem conhecer as palavras, nem se é criativo matematicamente sem saber a tabuada de cor. Achei que aprender deve e pode ser agradável, mas que sem «sangue, suor e lágrimas» não se consegue aprender. Achei que queria os meus filhos felizes na escola, como na vida, mas era claro que felicidade não equivaleria a facilidade. Entendi que, na ausência do tal modelo equilibrado, era melhor proporcionar aos meus filhos bases cognitivas sólidas, apesar de pouco flexíveis, abrindo o horizonte dos afectos em casa, do que arriscar o vazio cognitivo de hábitos de trabalho que teriam de ser compensados, em casa, desgastando a relação paternal. Preferi mais «letras e números» na escola e mais afectos em casa do que o contrário: «marmelada» na escola e «luta cognitiva» em casa…

É certo que nem todos os pais têm, por vários motivos, esta possibilidade (na qual acredito e experimentei positivamente, mas que não posso generalizar…). Assim, continuo a lutar e a aspirar construir espaços educativos equilibrados, onde o rigor se mistura com os afectos e a exigência anda a par da compreensão, onde as regras existam, mas se projectem na atenção personalizada, onde a disciplina na sala de aula não trave alguma «festa».

O professor, ele próprio, para mim, deverá ser este «dois em um», promovendo atitudes e comportamentos tradicionais, misturados com outros mais inovadores, infelizmente ausentes na escola dos nossos avós. O mesmo professor que faz «o pino» ou conta uma anedota deve manter o silêncio na sala quando necessário; que passa trabalhos de casa todos os dias, mas que ri e chora com os alunos; que anula um teste copiado, mas que compreende profundamente cada aluno…

Talvez pela opção pessoal que fiz de recorrer a uma educação mais tradicionalista dos meus filhos na escola e fazer por «arredondá-la» em casa, adopto (e faço por praticar) alguma radicalidade de «negociação», inspirada em ideias da inteligência emocional (talvez mais fáceis de protagonizar em casa do que na escola).

Convém não confundir esta «negociação», de que falaremos mais adiante nas questões disciplinares, com troca ou compra de favores. Trata-se de promover o diálogo e gerir cedências, misturando, sim, o que é racional com o que é afectivo. Se um professor decidir dar um teste num determinado dia, mas os alunos não acharem tal dia favorável, por que não colocar argumentos, opiniões e alternativas sobre a mesa e, procurando ceder no que for possível, encontrar uma data consensual? Impor uma ideia só porque «quero, posso e mando», pelo facto de ser professor, raramente é o caminho certo. Às vezes, porém, quando está em causa a segurança própria e/ou dos outros ou a liberdade de terceiros, aí sim, com toda a firmeza, por mais «pena» que haja, exerça-se a autoridade. Em muitos casos a que se chegou ao ponto de usar grande autoridade, perderam-se oportunidades «negociais» anteriores, de firmeza prévia. Ilustro melhor com um exemplo: o aluno que foi alvo de um inevitável processo disciplinar por agredir um professor, começou há muito a sua escalada. Não teria ido tão longe se, quiçá na primeira aula, tivesse ouvido o que devia e/ou, num jogo de futebol envolvendo professores e alunos, por exemplo, se tivessem gerado empatias…

Thomas Gordon1 sugere uma tolerância radical e uma «tensão negocial» com os filhos que considero eficaz, quando ela é possível. Os mais críticos da linha de Gordon têm medo da falta de regras e ridicularizam as suas teses, anunciando algo que não é verdade: que o «negocial» impede a regra e que deixa de haver balizas. Há balizas, sim, as tais da segurança (criança sem cinto de segurança não viaja, por exemplo) e da liberdade de terceiros (não há margem negocial para jogar basquetebol num apartamento porque se incomodam os vizinhos). Mas, aquém das traves da baliza, nem sempre fáceis de discernir, há uma margem para diálogos e cedências que importa esgotar.

Gordon refere que, muitas vezes, à tirania dos professores e dos adultos enquanto pais (o que ele chama «Método I»), se opõe o não menos mau Método II, que é a «tirania das crianças ou dos alunos». Ele aponta-nos o Método III, baseado na referida negociação, conhecido pelo método «sem vencidos nem vencedores».

Gordon advoga que o seu modelo é aplicável na escola2, mas estou para ver, salvo excepções muito pontuais, esse modelo realizado. A complexidade social e a problemática transversal da escola são malhas difíceis. Tenho três filhos, as turmas têm 30 alunos, as escolas mais de 300. Por isso, tolero em casa o que talvez não pudesse tolerar na escola… Por isso, tenho de recorrer a estilos mais autoritários, duros ou punitivos na escola. Com os filhos, tal estilo pode bem ser um «tiro no pé», hipoteca do progresso da relação. Debaixo do telhado de casa a negociação participada e dialogante é sempre o melhor caminho. Na escola também seria, mas o tecto é demasiado grande e as histórias pessoais de cada aluno são muitas e muito complexas… E o trabalho com os alunos exige abertura dos próprios educadores, que apresentam, tipicamente, alguma resistência.

Nesta discussão, percebo o verdadeiro alcance de uma máxima: «A escola deve ser uma família». Quero até, na medida do possível, ser agente participante da sua construção. Até estar construída esta escola-família (talvez nunca…), há que criar condições para que, quem quiser, possa aprender.

Por isso, advogo que, esgotados os critérios e atitudes razoáveis e «pacíficas» para se criarem ambientes coerentes com a aprendizagem, se usem sem cerimónia os instrumentos disciplinadores que permitam que «aprenda quem quer aprender».

Os afectos podem também entrar nas próprias explorações dos conteúdos propriamente ditos. A maioria dos jogos que concebo ou uso nas aulas possui, sempre que possível, uma natureza afectiva, envolta em racionalidade. A Segunda Lei da Termodinâmica pode ser assim enunciada: a entropia de um sistema isolado aumenta. Numa abordagem qualitativa, podemos associar à entropia o grau de desordem dos sistemas. Entendemos aqui os conceitos de ordem e desordem na sua acepção mais simples. A realidade é mais complexa: fala-se de distribuição em microestados, etc. Dizer que a entropia está a aumentar é dizer, em certo sentido, que a desordem está sempre a aumentar. Os alunos estranham tal, pois observam transformações espontâneas com aumento de ordem, como a formação de cristais (partículas que ficam agregadas e organizadas a partir da situação de dissolução em água), ou a própria formação de um bebé (hino da organização celular). Porém, a segunda lei não afirma que num dado sistema a entropia não possa diminuir (aumento de ordem). Fala de um sistema isolado. Então, se sistemas se organizam é porque as suas vizinhanças se desorganizam, de tal forma que, no conjunto «sistema e vizinhanças», de facto, a entropia (desordem) aumenta. No caso dos cristais, as moléculas de água podem desorganizar-se no processo de formação do cristal. No caso do bebé, podemos dizer, em tom de brincadeira, que, na vizinhança da gravidez, o desgraçado do marido se desorganiza fortemente ao ir comprar requeijão às 3 horas da madrugada… Diz-se que a Segunda Lei da Termodinâmica nos dá «a seta do tempo», o que é bem curioso, pois a ciência responde assim a uma pergunta que um filósofo tem grande dificuldade em encarar: o tempo é aquilo que aumenta quando a entropia aumenta. Por outras palavras, hoje é hoje e não é ontem, porque há mais desordem no universo. E ontem era ontem e não hoje porque ontem havia mais ordem.

Pode intrigar-nos por que estará a desordem dos sistemas a aumentar, mas a resposta é bem simples: a desordem é mais provável do que a ordem. A propósito da Segunda Lei da Termodinâmica, costumo usar uma simulação, desenvolvida por mim e por outras pessoas, que apresenta uma espécie de jogo de flippers (Figura 1), com uma caixa bi-compartimentada, que explicarei de seguida.

O objectivo deste jogo é colocar as bolas, que se movimentam aleatoriamente, num dos compartimentos (A ou B), imprimindo ordem ao sistema. O jogo simula o chamado «demónio de Maxwell» que é uma «curiosidade científica»: este demónio não existe na realidade, mas pode ser representado no computador. Intervindo num sistema, pode criar ordem, contrariando a Segunda Lei da Termodinâmica. Com o demónio de Maxwell, o aluno pode «fintar» esta lei. Consegue ser demónio se fizer o que o universo abandonado a si próprio nunca permitiria: baixar o «entropímetro» («invenção virtual» nesta simulação para medição de entropia) ou aumentar a ordem de um sistema isolado.

O professor autoritário, que está «hirto» e não sorri, que faz da sala um quartel, parece ter pouco futuro. Está parado no tempo e não se deixa «desorganizar» minimamente, contrariando a «Segunda Lei da Termodinâmica Pedagógica». Mas, por outro lado, o professor que se equipara de forma infantil aos seus alunos, sem distância crítica e sem bom senso, não passa de um «bom rapaz». O professor fascinado, entretanto, usa com peso, conta e medida a razão e os afectos e concorre com ambos para promover a aprendizagem dos seus alunos.