tempo…
Tudo passa e tudo é quase vaidade. Fica apenas o que foi marcado pelas pontes de relações autênticas… e isso dá um aroma quase eterno à existência!
Tudo passa e tudo é quase vaidade. Fica apenas o que foi marcado pelas pontes de relações autênticas… e isso dá um aroma quase eterno à existência!
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 12, 12-14.27
«Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos baptizados num só Espírito para constituirmos um só corpo»
A carta de Paulo aos Coríntios pode ajudar-nos a valorizar os nossos sentidos de pertença, seja a uma Igreja, seja a uma família, seja a uma outra organização. Há um primeiro sentido de convite à universalidade e abertura a todos (judeus e gregos, poderiam ter hoje outros nomes, como “betinhos” e “rurais”, por exemplo). A procura da unidade (um só corpo) na diversidade, convém tomar consciência, tem um preço e um custo. Mas tal procura de sentido de corpo (e um só corpo!) pode ser um novo sentido também pessoal e existencial. Ser sozinho, sem corpo e sem pertença, pode ser quase não ser…
Muita tinta correu e vai correr sobre o problema do mal. Pouco futuro para as teses catastrofistas e castigantes do mal. Partamos da sua evidência. Não há vida humana, tal qual se nos apresenta na realidade, sem atrito de liberdades, sem sofrimento e sem morte. A inevitabilidade do mal não é, portanto, um subterfúgio teológico mas uma necessidade ontológica (…de partida).
POETA ESQUECIDO
Sou um poeta esquecido!
A mancha da agenda
calou o grito da alma.
Não que a planta não cresça.
Os compromissos
taparam as flores.
Não me culpo
nem me castigo pelo silêncio.
Quando a vida passa
e o cavalo da aposta é
o que está mais à mão,
nessas alturas, como agora
paro e olho para mim,
selecciono o epicentro
e sinto que está na hora
de recolher novo centro
e não mais correr assim.
in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse.
acessível aqui
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 2, 1-11
«Não têm vinho»
O relato do Evangelho que hoje nos inspira diz respeito às Bodas de Caná, onde se saboreia o primeiro carente mas depois abundante néctar do vinho. Podemos fazer uma pergunta de paragem: “que vinho nos falta?” (na família, no trabalho, na rua…). Valorizar esse desejo e tomar nota que não é tendo tudo que se está bem. Não é necessariamente cheio que se está pleno. Há que viver o processo de transformação: assim como o da água em vinho, o da rotina em sabor, o da carência em saciedade, o da morte em vida…
Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja!
J. C. Paiva, Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica. Site PontoSJ (que se recomenda…). 7 de dezembro de 2018.
https://pontosj.pt/opiniao/teilhard-de-chardin-a-sintese-e-a-totalidade-cosmica/
Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica
Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, França, em 1881 e morreu em 1955 nos Estados Unidos da América. Padre jesuíta e paleontólogo, estudou na Sorbonne e ensinou em Paris mas em 1922 é enviado para a China, certamente também pela inconveniência dos seus escritos, principalmente em relação ao pecado original. As suas ideias foram proibidas de ensinar nos institutos católicos mas a sua obra e influência pós-morte é notável, sendo reconhecidamente influenciador do Concílio Vaticano II. Foi reabilitado pelos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
Precisamente por não ser um verticalizante teólogo, filósofo ou cientista, mas um mestre na síntese horizontal destes vetores, Chardin é um autor incontornável. Se somarmos a sua argúcia e ousadia extrema (para a época em que escreveu) ao seu ser místico, estamos diante de alguém crucial e muito relevante na Igreja mas, em certo sentido, difícil de acompanhar.
O meu amigo P. Alfredo Dinis sj, com quem fiz muito caminho nestas temáticas e a quem presto aqui homenagem, decidiu, nos últimos tempos da sua vida, reler toda a obra de Chardin. Já com a voz caída mas de sorriso alargado e cheio de honestidade, dizia-me: “João, está lá tudo!” (na obra de Chardin, bem entendido…). Estas palavras do Alfredo, porque as sinto na mente e no coração, dão bem conta do potencial deste autor e místico do século passado.
A amplitude da obra e daquilo que está também por interiorizar na vida Cristã, tornam quase ridículo um artigo de poucas linhas sobre alguns dos seus horizontes. Consciente da largueza do que representa Chardin, permito-me um ligeiro alinhamento, quase telegráfico, de algumas ideias fortes do seu pensamento. Reproduzo aqui aquilo que tem vindo a ser mais relevante para mim, já perpassado pela subjetividade de uma leitura necessariamente pessoal. Recomendo, para aprofundamentos ulteriores, as suas vastas obras e/ou os trabalhos de associações à volta desta figura ilustre (ver, por exemplo: Associação dos Amigos de Pierre Teilhard de Chardin em Portugal ).
1- Chardin pode ser sintetizado na ideia charneira de um Deus que cria evolutivamente ou que evolui criativamente… Compreende-se porque o chamaram (e perseguiram como) panteísta: o Universo é divinizador, divinizante e divinizável. Ele próprio quis reabilitar um certo “panteísmo cristão”, sublinhando que o Deus revelado em Jesus Cristo, não se confundido com a natureza, nela está radical e evolutivamente “empapado” (palavras minhas): Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja! As suas referencias a um “Cristo cósmico” são o resultado de uma osmose positiva no alinhamento: antropogénese, cosmogénese, biogénese, cristogénese.
2- Chardin rejeita o tomismo da substância ser “o crucial”. A este substancialismo, propõe-nos uma alternativa a que poderíamos chamar relacionista-evolutiva: incorpora-se o tempo, a mudança e a relação como constituintes de Deus e dos homens.
3- Chardin talvez seja um filósofo da globalização. A sua fidelidade à terra (curiosamente uma expressão de Nietzsche) coloca no centro a unidade evolutiva entre o Cosmos e a consciência da humanidade tomada na sua unidade. A evolução, para ter sentido, tem de fazer convergir e o amor é a força-impulso deste movimento.
4- São de Chardin as ideias de que o Deus do ‘em frente’ supera o Deus do ‘em cima’. Sem prejuízo da transcendência, enfatiza-se uma horizontalidade muito humana (e Cristã, diria eu) e que nos convida a evitar os moralismos.
5- Chardin teve um forte investimento na reteologização do pecado original. Mais do que uma falha em certo instante da história, o pecado original é evolutivamente constitutivo. Relaciona-se com o mau uso da liberdade humana, amorosamente “arriscada” por Deus, querendo dizer principalmente que a criação acarreta falta, fragilidade intrínseca e custo. De arrasto com o problema do pecado original, Chardin dá subsídios novos para rever teologicamente o mal e a cruz, assim tomados no seu dinamismo evolutivo e, crucialmente, tonificados por uma vida que valha a pena viver. Podemos dizer que com Chardin se pode abrir uma visão menos “pessimista” do pecado original, não esquecendo nunca o contexto de um Deus que “viu que era Bom”…
6- Desconheço sínteses mais libertadoras sobre a complexa tensão entre a totalidade e a singularidade do que a obra, em si mesmo, de Chardin. Diz ele: “A preocupação com o Todo tem as suas raízes no fundo mais secreto do nosso ser. Por necessidade intelectual – por carência afectiva – por impressão direta, quiçá, do Universo, somos essencialmente levados, a cada instante, à consideração do Mundo, tomado na sua totalidade”. É verdade que Cristo, é, Ele mesmo, para nós e para Chardin, esta mesma síntese.
7- Chardin teve também rejeições da comunidade científica (não apenas do lado religioso, portanto). Compreende-se tal pois o seu lado místico cria ruído cognitivo a quem está do lado de fora da fé. Embora Chardin tente uma lucidez e uma linguagem universais, é certo que será preciso ter fé para entender Chardin (mais do que conhecer Chardin para ter fé). Mas será que não precisamos de fé para entender “por dentro” seja o que for?…
8- Juan González de Arintero, no final do século XIX, afirmava que havia que fazer com a teoria da evolução de Charles Darwin o que Tomás de Aquino fez com Aristóteles. Chardin, para mim, foi o obreiro desse trabalho. À boa maneira chardiana, reformulo: “Chardin está a ser o obreiro desse trabalho”… pois que, da sua obra, há muito ainda para compreender, extrair e incorporar na vida dos Cristãos!
Gastei e gasto algum tempo com a pergunta: “porque sou?”. Ganho mais com a sua congénere: “para quem sou?”…
Diz bem Javier Melloni, antropólogo jesuíta contemporâneo, que depois de todos os positivismos e outros ‘ismos’ de fechamento ao transcendente, vivemos um tempo novo de ressurgimento da ‘sede espiritual’. Mas este sede, num mundo globalizado, só tem água na confluência de síntese da pluralidade cultural e da diversidade religiosa…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 3, 15-16
«O Espírito Santo desceu sobre Ele como uma pomba»
O sinal com que Deus sela o baptismo de Jesus é uma pomba branca. Esta pomba representa o Espírito Santo, o legado divino que também nós recebemos. O Espírito Santo, para os cristãos, “sopra” (sentido muito amplo…) nas entranhas da realidade. A pomba branca é o símbolo da paz. Podemos refletir na cumplicidade existente entre o Espírito Santo e a paz. Ligar-se ao Espírito Santo é ligar-se à paz. Ouvir o Espírito Santo, é ouvir a paz. Dar o Espírito Santo é dar a paz. Viver o Espírito Santo é viver a paz!
PS: Pode usar-se a propósito deste texto uma ironia quase cómica, para reforçar a não literalidade bíblica: é que o espírito santo, se fossemos literais, punha ovos… como as pombas…
Sou um morrente, antes mesmo de ser moribundo. Ou é um drama sem sentido ou um desafio. Escolho o segundo, este de ir vivendo-morrendo por amor.