regulação de nascimentos, química e natureza

Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Talvez não tenha que ser assim…

 

J. C. Paiva, Regulação de nascimentos, química e natureza. Site PontoSJ (que se recomenda…). 20 de abril de 2018.

https://pontosj.pt/opiniao/regulacao-de-nascimentos-quimica-e-natureza/

 

 

Regulação de nascimentos, química e natureza

Alguns dos aspetos da proposta moral católica têm tido obstáculos acutilantes nos últimos tempos. Em parte, porque há uma tendência intrínseca, externa à Igreja, para certo modernismo ou vanguardismo, ou mesmo porque sociologicamente se regista uma apropriação pouco aprofundada, com base apenas nos comportamentos da maioria. Outra fatia da responsabilidade, porventura significativa, tem a ver com dificuldades de reflexão, elaboração e comunicação a partir do seio da própria Igreja. No caso da moral sexual, a situação é particularmente frágil.

É bom notar que a moral cristã terá de ter sempre o seu toque radical e exigente, não fosse inspirada nos critérios próprios de Cristo. A Doutrina Social da Igreja, para convocar um exemplo simples e óbvio, é de uma grande exigência e vai claramente contra a corrente na sociedade consumista e individualista em que vivemos. Talvez seja, porém, mais bem comunicada, mais cristãmente essencial e mais consensual do que muitas frentes da chamada ‘moral sexual’.

Um dos reflexos destas dificuldades comunicativas é que na mente de muitos ouvintes, incluindo os cristãos, se coloca ‘tudo no mesmo saco’. E, tipicamente, considera-se o saco de tal forma esquizofrénico em relação ao mundo atual, que se ignora, pura e simplesmente, tudo o que é proposto. A elaboração poderia ser colocada nestes termos: “sobre padrões ético-sexuais, as propostas católicas são de tal forma mal apresentadas e desproporcionadas, que não consigo sintonia, elaboro (ou não elaboro…) os meus próprios critérios e atuo e opino na minha conformidade personalista.”

Em particular, no horizonte, fica a séria possibilidade de, por exemplo, serem consideradas ao mesmo nível de (i)relevância: a) o aborto; b) as relações sexuais pré-matrimoniais e c) a anticoncecionalidade. A surdez generalizada, face a tamanho descalabro de quem clama no deserto, é muitas vezes equivalente em relação a estes três aspetos. Deixaremos para outra reflexão a nossa opinião inegociável sobre a condenação radical do ato abortivo. Registamos também algum valor para as entrelinhas positivas de potencial valor do segundo aspeto: critérios de proporcionalidade na linguagem sensual/sexual, clareza da primazia do amor, balanceamento de verdade entre o que se é e o que se diz com o corpo e incondicionalidade de assunção das consequências de qualquer entrega. Há aqui uma simpatia por certa formulação realista e igualmente exigente, num formato do género “diz com o teu corpo, na justa proporção, a verdade que és. E podes usar como medida da tua entrega a preparação para receber e acolher da circunstância tudo o que se possa gerar, de cumplicidade e de vida”.

A questão da regulação dos nascimentos é, na nossa opinião, mais complexa. Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Sobre este assunto, ocorrem-nos os seguintes aspetos:

1- O duplo sentido associado às relações sexuais num casal tem coerência interna sólida: os teores unitivo e procriativo daquela entrega amorosa de corpos são coerentes com a antropologia cristã e os insights bíblicos de certa cosmovisão, que a Igreja oferece e edifica.

2- A ideia de que só “a natureza” garante uma gestão responsável e moralmente enquadrável é muito discutível. Pode até haver certa simpatia pelos métodos naturais, do mesmo modo que se aprecia passeios nas montanhas e produtos biológicos na alimentação. Isto é, os argumentos não têm qualquer vínculo moral e estão até mais perto de uma posição algo hippie face à vida e aos recursos naturais.

3- É cientificamente muito discutível, extravasando o plano moral, a ideia segundo a qual “o que é natural é bom”. A química dá-nos boas respostas: o veneno de uma rã azul venenosa da austrália é natural, muito natural… mas mata um humano em poucas horas, mesmo que em doses pequeníssimas. Também a cafeína ou o álcool podem ser extraídos de produtos naturais, porém, ingeridos em grandes quantidades, podem igualmente matar. A exposição ao Sol em horas impróprias e em grande extensão, Sol ‘natural’, bem entendido, também pode fazer muito mal… Os exemplos são infindáveis mas centram-nos bem na constatação de que as interações que estabelecemos com a realidade são físico-químico-biológicas e seria frágil pensar que há átomos ou moléculas naturais e átomos ou moléculas artificiais ou (mano/nano)facturados. São as mesmas entidades atómico-moleculares em contextos diferentes…

4- Compreender-se-ia mal que uma dor de cabeça curada com aspirina (fruto da Graça, através do trabalho intelectual, científico e tecnológico de gerações sucessivas) tivesse menos valor moral do que se fosse curada com um produto natural com ácido acetilsalicílico… A tecnologia, neste contexto, é irrelevante e sem qualquer indução ética. Da mesma forma, não tem sentido hipervalorizar o ‘natural’ como supremacia moral, incluindo na contracepção.

5- Poderá haver casais que se sentem bem e em progresso com o recurso exclusivo a métodos naturais, quer pelas simpatias ecológicas da situação, quer por certa disciplina rotinada de contenção que entendam como positiva ou por outros fatores que considerem equilibrantes. Mas sem superioridade moral.

6- A abertura ou fechamento à vida é a mesma, precisamente a mesma, quando se tenta acertar com um período não fértil da mulher ou quando se usa um preservativo. As contas do método podem errar e o  preservativo pode estar mecanicamente avariado. Se resultar uma vida, ambos os casais terão de viver a tensão ética de acolher ou não o filho e o casal é inequivocamente convidado a dizer sim.

7- Também a ofensa ao primado do amor pode ser praticada com ou sem a natureza: é igualmente reprovável usar preservativos “a torto e a direito”, coisificando outros, como forçar uma relação sexual, porque é “dia sim” na regulação natural.

8- Valeria a pena, a este propósito, a Igreja usar o seu “tempo de antena sobre o assunto” com uma argumentação sólida, exigente e eticamente estruturada que propusesse aos casais cristãos o uso de métodos anticoncepcionais não abortivos.

9- Detalhar excessivamente a questão da regulação dos nascimentos incorre numa linha quase ridícula de “prescrevisionismo”. No limite caricatural, pode perguntar-se sobre a validade moral de certos detalhes íntimos, como as posições de cópula…

Em todos os casos, parece-nos existir um caminho e um progresso óbvio nestas questões: por mais confortável que possam ser as posições rígidas, formalistas e legalistas, que não oferecem nuances e mantêm firmes e hirtos os seus militantes, há que apostar na formação dinâmica das consciências. Não para que tudo se relativize e se perca a radicalidade da proposta cristã, mas para que se incorporem e se resignifiquem as escolhas com base numa pedagogia não moralista. Para que nos embalemos na tradição (crítica) da Igreja, sem subtrair o primado da validação misericordiosa e contemplando a avaliação positivamente subjetiva de cada caso, de cada discernimento, de cada história, de cada terreno sagrado humano…

 

JP in Ciência Educação Textos 18 Fevereiro, 2019

Se Cristo não ressuscitou, é inútil 
a nossa fé

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 15, 12.16-20

«Se Cristo não ressuscitou, é inútil 
a nossa fé»

A frase de Paulo aos coríntios é bem conhecida dos cristãos e mote de muitas pregações e escritos espirituais. Propõe-se uma ligeira mudança no sujeito da frase “se eu não ressuscito é estéril a minha fé”. Esta frase, traduzida em vida, significa um claro respeito pelas minhas lágrimas, pelas minhas tristezas e pelas minhas “mortes”, mas um olhar sobre o horizonte, mais do que para os próprios pés cansados. Ressuscitar é recomeçar! E este respirar é tanto um alento existencial, como, principalmente, um mote para cada desafio de cada minuto, de cada espaço da nossa vida.

JP in Espiritualidade Textos 16 Fevereiro, 2019

“casa comum” – a síntese das sínteses

Podem apontar-se três sínteses fundamentais para os nossos tempos: a síntese da transcendência, por via da mística, a síntese da humanidade, por via da ética e a síntese cósmica, por via ecológica. A visão do Papa Francisco sobre a nossa “casa comum”, de alguma forma, faz a síntese destas três sínteses: é que o apontamento ecológico de Francisco contém mas supera a ecologia natural, incluindo, por isso, no “ser ecológico”, o “ser humanista”, o “ser transcendente”, o “ser social” e, assim, o “ser cósmico”.

JP in Ciência Educação Espiritualidade Frases 14 Fevereiro, 2019

Deixaram tudo e seguiram Jesus

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 5, 1-11

«Deixaram tudo e seguiram Jesus»

Os cristãos, em última análise, são frágeis seguidores de Jesus, o Cristo. O relato de Lucas fala-nos de pesca, de abundância, de deixar tudo e seguir Jesus. A pesca corria mal mas a presença de Jesus trazia abundância. Fascinados com essa plenitude resultante da amizade com Jesus, os discípulos mudaram a orientação da sua pesca, deixaram tudo e tornaram-se “pescadores de homens”. Os critérios de Cristo convidam-nos a uma recentralidade humanista: são os outros homens e mulheres que nos importam. Os cristão podem provocantemente perguntar-se: Que pesca fazemos? Como “convocamos” Jesus para nos acompanhar naquilo que nos importa? Como sentimos a abundância da Sua presença? Que mudanças somos capazes de fazer para O seguir, “pescando” de outra forma?…

JP in Espiritualidade Textos 10 Fevereiro, 2019

sala de aula: um verdadeiro templo…

Embora consciente da determinante centralidade do aluno no processo educativo, bem como da crucialidade de todo o contexto que o envolve, assume ainda e sempre primordial importância a função do professor. Com mais ou menos inovação estética/didática/curricular/tecnológica, é relevante o palco principal em que os docentes atuam, que se chama sala de aula: um verdadeiro templo…

JP in Educação 8 Fevereiro, 2019

graças a Deus…

Graças a Deus (aconteça o que acontecer)! Em rigor, com uma fé sólida, não se prescinde do parêntesis, que é, a bem dizer, o fulcro da própria fé.

 

JP in Espiritualidade Frases 6 Fevereiro, 2019

cem mil milhões

Cem mil milhões, como escala de grandeza, é um número simbólico no Universo: há (cerca de…) cem mil milhões de galáxias, cada uma com (cerca de) cem mil milhões de estrelas. Há (cerca de) cem mil milhões de neurónios num cérebro humano. Há (cerca de) cem mil milhões de conformações possíveis (orientações relativas dos átomos) em muitas proteínas…

JP in Ciência Frases Química 4 Fevereiro, 2019

Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 12, 31

«Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade»

As “trilogias” no cristianismo são muito frequentes (desde logo a centralidade no Pai, no Filho e no Espírito Santo…). Fixemo-nos nesta tão conhecida do apóstolo Paulo, “fé, esperança e caridade”. Para melhor ajuste linguista contemporâneo, podemos “traduzir” caridade por amor, e tomar esta tríade como verdadeira lupa de avaliação crítica e modo de ação. A pergunta crucial: nas minhas relações, cresce a fé, a esperança e o amor? na minha família, cresce a fé, a esperança e o amor? na minha vida, cresce a fé a esperança e o amor?… sabemos, sentimos e experimentamos, que muitas vezes, nos falta fé e esperança. Mas o ‘maior de tudo’, sempre possível de ensaiar, é o amor…

JP in Espiritualidade Textos 2 Fevereiro, 2019

acaso e necessidade…

No seu mistério amoroso, permito-me imaginar que o nosso Deus, que não quis ser marioneteiro, arriscou tecer – está a tecer – em fios de acaso e necessidade.

O astrónomo Jesuita George Coyne, disse a este propósito: “Dois átomos de hidrogénio encontram-se no início do universo. Por necessidade (leis da combinação química), eles estão destinados a tornarem-se uma molécula de hidrogénio. Mas por acaso, as condições de temperatura e pressão naquele momento não são as que permitem a combinação. Os dois átomos movem-se no universo até que finalmente se combinam. E há triliões e triliões destes átomos no mesmo processo. Pela interacção de acaso e necessidade forma-se muitas moléculas de hidrogénio as quais, finalmente, se combinam com moléculas de oxigénio tornando assim possível a água, e assim por diante, até chegarmos a moléculas muito complexas e, finalmente, aos organismos mais complexos que a ciência conhece: o cérebro humano”.