esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 4, 113

«Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado»

Em início de tempo de Quaresma (preparação para a Páscoa), somos confrontados com as tentações ocorridas no deserto da vida de Jesus. Ele experimenta com forte intensidade os convites tentadores à honra, ao poder e à glória. Como cada um de nós… Mais do que na interioridade, na intelectualidade e nos sonhos (embora também importe), é no quotidiano que estes desertos se nos deparam, quando queremos ser reconhecidos forçadamente, quando queremos ‘mandar’, quando queremos ser o centro. A preparação para a grande ponte (entre a morte e a vida), que é a Páscoa, carece desta consciência de deserto, o deserto da nossa auto-centralidade…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO I DA QUARESMA


L1: Deut 26, 4-10; Sal 90 (91), 1-2. 10-11. 12-13. 14-15
L2: Rom 10, 8-13
Ev: Lc 4, 1-13

JP in Sem categoria 6 Março, 2022

Hoje só posso escrever sobre a guerra e a esperança…

Paiva, J. C. (2022). Hoje só posso escrever sobre a guerra e a esperança… Site Ponto SJ, 28-02-2022.

Disponível aqui

Tinha, em versão preliminar, um conjunto de reflexões escritas para o ponto sj, mas são agora minudências eclesiais… Vão ficar para mais tarde, até porque poderão mudar de sentido.

Os desafios em cima da mesa são muitos, novos e enormes. Mesmo no cenário mais otimista de desfecho rápido da invasão e do fim da guerra, o mundo, a Europa, o nosso país, a Igreja e todos nós estaremos diante de uma nova realidade, que vai pedir novas perguntas e novas e exigentes respostas.

É verdade que para alguns de nós, o sempre novo e a sempre nova resposta é o Evangelho. A fragilidade aguda, a crueldade humana no seu expoente maior, a dor, o desespero e a morte, terão sempre, em chave cristã, um paradoxal apontamento para a esperança e para a essencialidade do Amor. Porém, sucederam-me, depois de uma espécie de congelamento atónito naquele (futuramente histórico) dia de 24 de fevereiro de 2022, alguns apontamentos não sistemáticos, que partilho despretenciosamente:

1 – O mundo vai mudar muito

É inevitável. Se amanhã o exército russo recuar ou houver uma degradação interna da Rússia (a minha esperança maior, apesar de tudo, quiçá alavancada pelas Mães dos soldados…), o mundo já não é nem ficará o que era. É preciso que Put(-)in (não se escamoteie a sua crucial responsabilidade) seja put-out e ninguém sabe como tal vai acontecer. O primado da desconfiança prudente entre os povos ganhará novos contornos e um novo ciclo histórico, de consequências imprevisíveis, acontecerá. A leitura do passado e até as intuições do presente, remetem-nos para lições que se retiram dos conflitos, mas o balanço da guerra, sejamos realistas, será sempre negativo e brutal. Se somos cada vez mais, em todo o lugar e em todo o momento, cidadãos ligados e em comunicação, então a mudança geopolítica será uma mudança também em cada comunidade e em cada pessoa. Os ciclos da história apontam-nos para uma ainda maior fragilização dos mais frágeis, assim como com a pandemia, mormente ainda com a guerra.

2 – Quanto mais lento o fim da guerra, mais prejuízo sócio-económico

Já se adivinham as consequências desta guerra no plano económico-social. Os efeitos boomerang das sanções económicas e o elevado custo da energia vão fazer disparar preços e tornar os pobres mais pobres. Há ainda um impacto indireto, de médio longo prazo, que me parece incontornável: haverá algum sentido crítico sobre o gasto dos estados mais desenvolvidos nos dinamismos de proteção social, em comparação com outras dimensões, como a da segurança. Do ponto de vista político, será muito provável assistir a deslocação de verbas de pensões sociais e outras rubricas de promoção humanista para segurança e defesa. Quanto mais tempo durar a guerra, mais estas tendências se intensificam. Não sendo nem óbvio nem desejável, o envolvimento bélico de países da NATO traria esta preocupação para escalas absolutamente desesperantes.

3 – A solidariedade sustentável como caminho

A solidariedade, desde logo por mandato evangélico, mas de convocatória generalista e humanista, vai tornar-se ainda mais urgente. Esta é uma oportunidade de fraternidade que funciona como avesso do hiperconflito à escala global. Convirá somar à positiva emocionalidade do espírito de compaixão e partilha uma efetiva sustentabilidade, racionalidade e operacionalidade do que vai importar empreender. A sociedade civil, o estado e as forças regionais deverão harmonizar-se e apostar na planificação inteligente de todas estas novas demandas. Passarão numa primeira instância pelo acolhimento dos cidadãos ucranianos que nos chegarem (esteve irrepreensível, a este propósito, o primeiro-ministro de Portugal – não levou o meu voto nas últimas eleições, mas leva sem hesitação um rasgado elogio na sua ação e intervenção nesta crise). Mas rapidamente a malha de acolhimento dos mais desfavorecidos vai ser convocada para todos os cidadãos – que serão mais – em fragilidade social. A Igreja e as instituições a ela ligadas, com enraizada e efetiva ação a este nível em Portugal, serão convocadas a fazer ainda mais e melhor.

4 – Novos olhares sobre a segurança

Há uns tempos manifestei a alguém uma opinião muito pessoal, mais ou menos nestes termos: “eu, que fiz a tropa e não a acho tão má como a pintam, via com bons olhos o serviço militar (ou cívico) obrigatório em Portugal. A minha motivação prende-se com certa educação social para a privação, a obediência e o sentido de pertença comum das novas gerações. Mas sei que não há condições eleitorais para propor isso”. Pois muito bem, retiro o que disse na última parte. Antevejo nova revalorização de toda a relevância militar que espero, agora, não se torne também excessiva e desproporcionada, como se de um 8 para 80 se pudesse tratar…

Há uma importante reflexão a (re)fazer sobre a designada “guerra justa”, triangularizadora da política, da justiça e das religiões. Já estava na ordem do dia, mas poderá ganhar mais valor.

5 – Algumas oportunidades para a valorização do lado espiritual da vida humana

Somos seres espirituais, independentemente da manifestação religiosa de cada um e de cada povo. A fragilidade humana, mais privada ou mais coletiva, convoca sempre esta dimensão, reduto de interioridade, de refúgio, de encontro e de sentido. As religiões, por outro lado, poderão ser reconvocadas para (ainda mais) protagonismos de diálogo e de paz. A ida do Papa Francisco ao embaixador da Rússia em Roma (em vez de o mandar chamar, como é prática diplomática), no seu pé titubeante, é, por si só, um gesto de paz, pleno de simbolismo e sentido.

É límpido, também hoje e principalmente hoje, que só o amor é a resposta. Nesta circunstância, qualquer um de nós tenderá a sacudir os seus lados mais fúteis. Sem relevar o impacto brutal, aos mais variados níveis, daquilo que está a acontecer, particularmente para os atores da guerra no terreno, sejam ucranianos ou russos, situamo-nos diante da fragilidade aguda e da morte. Como a vida nos foi ensinando, face a outras (mais pequenas) mortes: não há alternativa existencial a viver acreditando e a acreditar vivendo que o sofrimento não é a última palavra. A nossa resposta, a nossa oração, a nossa vida (que continua…), a nossa ação, serão, hoje como ontem e amanhã, as mesmas de outras guerras. Para onde iremos, Senhor do amor, se só tu tens palavras de vida?…

JP in Sem categoria 2 Março, 2022

Por que é que tu reparas no cisco que está na vista do teu semelhante, e não vês a trave que está nos teus próprios olhos?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 39-45

«Por que é que tu reparas no cisco que está na vista do teu semelhante, e não vês a trave que está nos teus próprios olhos?»

A mais radical humildade é o convite central desta passagem do evangelho de Lucas: a verdade de mim mesmo, os meus próprios limites. Ajuda ter este cenário de fundo nos exercícios críticos das mais variadas organizações: escolas, sistemas políticos, famílias, Igreja. Há sempre um ‘efeito buberangue’ que convém ter em conta. Por exemplo, eu vejo, julgo e digo (talvez bem e justamente) que “eles” não ligam muito aos mais desprotegidos, indefesos ou pobres; e eu?…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO VIII DO TEMPO COMUM

L1: Sir 27, 5-8 (gr. 4-7); Sal 91 (92), 2-3. 13-14. 15-16
L2: 1 Cor 15, 54-58
Ev: Lc 6, 39-45

JP in Sem categoria 26 Fevereiro, 2022

amai os vossos inimigos

DOMINGO VII DO TEMPO COMUM

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 27-38

«amai os vossos inimigos»

Poucos duvidam que a leitura da passagem de Lucas 6, congrega a mais difícil (mas também a mais original) “empreitada cristã”: a centralidade do perdão, que é (hiper)doar, pode também ver-se neste prisma de amar os inimigos. Neste texto há um conjunto de frases quasi-sinónimas, que, apesar de radicais e quase contra-natura, podem ser inspiradoras:  “fazei bem aos que vos odeiam”, “abençoai os que vos amaldiçoam”, “orai por aqueles que vos injuriam”, “a quem te bater com uma face, apresenta-lhe a outra”, “a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica”, “ao que te levar o que é teu, não reclames”… Falam por si… Não devendo cair em “alimentação de monstros” nem em submissões indignas, poderão ser caminho de liberdade.



NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO VII DO TEMPO COMUM

L1: 1 Sam 26, 2. 7-9.12-13.22-23;Sal 102 (103), 1-2. 3-4. 8 e 10. 12-13
L2: 1 Cor 15, 45-49
Ev: Lc 6, 27-38

JP in Sem categoria 20 Fevereiro, 2022

alumínio: ninguém o viu…

Há um (quase) mistério com o alumínio. Usa-se em janelas e outros materiais, precisamente para evitar a corrosão. No entanto, é dos materiais que oxida mais facilmente e, por isso, entra em imediata e extensa corrosão. Onde está a nuance? É que, precisamente por oxidar facilmente, qualquer pedaço de alumínio cria uma película de óxido de alumínio. Este óxido, ao contrário de outros, é impermeável ao oxigénio e protege a efetiva corrosão sucessiva. Isto é, quando estamos a olhar para alumínio, estamos a ver, de facto, uma peça metálica revestida por uma película de óxido de alumínio, transparente e impermeável ao que permite a corrosão. Em rigor, nunca de nós viu alumínio metálico sem estar protegido por óxido de alumínio… e só numa câmara de vazio se conseguiria tal. “olha alumínio!”: Esquece, já estás a ver óxido de alumínio… Quase tudo o que é… já era. No alumíno, este dinamismo é “só” muitíssimo rápido…

JP in Sem categoria 16 Fevereiro, 2022

se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa fé

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 15, 12.16-20

«Se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa fé»

A frase de Paulo aos coríntios é bem conhecida dos cristãos e mote de muitas pregações e escritos espirituais. Propõe-se uma ligeira mudança no sujeito da frase “se eu não ressuscito é estéril a minha fé”. Esta frase, traduzida em vida, significa um claro respeito pelas minhas lágrimas, pelas minhas tristezas e pelas minhas “mortes”, mas um olhar sobre o horizonte, mais do que para os próprios pés cansados. Ressuscitar é recomeçar! E este respirar é tanto um alento existencial, como, principalmente, um mote para cada desafio de cada minuto, de cada espaço da nossa vida.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO VI DO TEMPO COMUM

L1: Jer 17, 5-8; Sal 1, 1-2. 3. 4 e 6
L2: 1 Cor 15, 12. 16-20
Ev: Lc 6, 17. 20-26

JP in Sem categoria 12 Fevereiro, 2022

deixaram tudo e seguiram Jesus

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 5, 1-11

«Deixaram tudo e seguiram Jesus»

Os cristãos, em última análise, são frágeis seguidores de Jesus, o Cristo. O relato de Lucas fala-nos de pesca, de abundância, de deixar tudo e seguir Jesus. A pesca corria mal mas a presença de Jesus trazia abundância. Fascinados com essa plenitude resultante da amizade com Jesus, os discípulos mudaram a orientação da sua pesca, deixaram tudo e tornaram-se “pescadores de homens”. Os critérios de Cristo convidam-nos a uma recentralidade humanista: são os outros homens e mulheres que nos importam. Os cristão podem provocantemente perguntar-se: Que pesca fazemos? Como “convocamos” Jesus para nos acompanhar naquilo que nos importa? Como sentimos a abundância da Sua presença? Que mudanças somos capazes de fazer para O seguir, “pescando” de outra forma?…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO V DO TEMPO COMUM


L1: Is 6, 1-2a. 3-8; Sal 137 (138), 1-2a. 2bc-3. 4-5. 7c-8
L2: 1 Cor 15, 1-11 ou 1 Cor 15, 3-8. 11
Ev: Lc 5, 1-11

JP in Sem categoria 6 Fevereiro, 2022

Não é este o filho de José?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 4, 21-30

Não é este o filho de José?

O que é central nesta passagem do Evangelho é o apelo ao perigo da leitura superficial, do preconceito, do julgamento pelas exterioridades. Este Jesus não vale pelo que aparenta nem pelo seu pedigree. Vale pelo que é. Assim deveria ser com cada um de nós, na sua auto-estima e na sua hetero-estima… Valer pelo que se é, explicitado de outra forma, é dar mais importância ao que se diz e ao que se faz, mais do que às origens e aos históricos de cada um. Está aqui implícito um convite à autenticidade, nossa e dos outros, que vale a pena ter em conta com expressão de liberdade…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado anteriormente, neste blog.

DOMINGO IV DO TEMPO COMUM


L1: Jer 1, 4-5. 17-19; Sal 70 (71), 1-2. 3-4a. 5-6ab. 15ab e 17
L2: 1 Cor 12, 31 – 13, 13 ou 1 Cor 13, 4-13
Ev: Lc 4, 21-30

JP in Sem categoria 30 Janeiro, 2022

O “ismo” que interessa…

Paiva, J. C. (2022). O “ismo” que interessa… Site Ponto SJ, 26-01-2022.

Disponível aqui

A palavra tem o seu quê de artefacto, de improviso, de tateamento comunicacional. É a menos má arma que temos contra a nossa indizibilidade. É tão forte e útil, quanto precária e frágil. É, sobretudo, dinâmica, a palavra. Sabemos todos, por experiência própria, que a palavra é também ambígua e não depende só de si mesma. Entre outras coisas, a mesma palavra, se preciso for, tanto mata como liberta… É através da palavra que nos construímos e convergimos, mas, também por ela, nos desencontramos.

O sufixo “ismo” é relativamente recente no nosso linguajar. Incluído há alguns poucos séculos na nossa família linguística, o seu uso tem vindo a intensificar-se e apresenta-se hoje nos mais versáteis cenários semânticos. O “ismo” não tem carga fixa assumindo valores diferentes conforme o contexto. Gostava de me focar no lado mais ‘tóxico’, do sufixo “ismo”. Como sou químico, vou tomar a liberdade de convocar o enquadramento de “dose excessiva”, para querer aludir a certa intensidade, certo enfoque, certo exagero, também… Um exemplo óbvio é a palavra alcoolismo. É um “ismo” que diz respeito a uma dose intensa (porventura letal…) de algo que, tomado na dose certa, é pura e simplesmente bom, até muito bom. O álcool é fonte de sabor, de alegria, de vida e de sinalidade. Tomado a mais, deixa de ser tónico, passa a ser tóxico … e inebria. Nos parágrafos abaixo, situo-me como Cristão Católico Apostólico Romano face a muitos potencias “ismos” que intoxicam:

Importa conservar, principalmente na vida e no coração, uma herança testemunhal milenar que comunitariamente se tece para oferecer sentidos de esperança. Mas conservar, em Igreja, é sempre um gesto aberto e arriscado, atento aos sinais do mundo, dinâmico no mandato evangélico do sempre novo.

Assumo o caráter institucional da minha fé. Reconheço que organização e estrutura ajudaram na história e ajudam no tempo presente, qual copo que vale a pena ter para beber vinho. Mas um copo (instituição) não tem que ter peneiras nem obsessão de ser vinho (Espírito). O copo serve para beber vinho e copos por si mesmos são vidros infecundos, que até fazem feridas…

A fé encarnada é, em si mesma, continuista. Jesus de Nazaré nasce na história e funda e refunda a partir do que existe. É um Judeu que entra na fé e na vida do seu tempo e liberta na continuidade, sem romper com a história. É alguém que, mais do que ter amado e criado, ama e cria, ou, melhor, vai amando e criando… na realidade continuada.

Sem a tradição, esse gesto de transmitir, de dizer o tesouro que se traz no barro frágil, nenhum de nós teria condição de receber e continuar o dom. A tradição contempla igualmente a dimensão comunitária da fé, porque faz por dizer, a partir de Cristo, através dos tempos, o(s) “nós” da Fé. Mas tradição não tem que casar com resistência, com estaticismo e com rigidez. Pelo contrário, também porque a Boa Nova reclama, a tradição só sobrevive se se souber (re)dizer.

A Igreja tem os seus dogmas e eu viajo com eles, também. Os dogmas são para nós apontamentos fortes do que se entende ser a verdade e, é bom registar, têm naturezas e valores diferentes uns dos outros. Gosto de associar à palavra dogma uma outra, que nada tem a ver, no sentido etimológico: boia. E há boias que quero assumir como verdades que voluntariamente não desejo discutir, mas antes acolher e viver. Preciso delas, a partir de dentro de mim mesmo, para me não afundar no mar gozoso, mas tumultuoso da vida. Uma delas, a boia maior, da qual não me quero apartar, é esta mesma: a certeza que Deus é amor. As outras boia(zitas) ancoram nesta maior e poderão ser mais dinâmicas do que as fazemos… As boias de sinalização no mar oscilam com as correntes. Embora ancoradas, não são estátuas.

Foi e é importante uma certa doutrina, fonte de ensinamento e sabedoria, que nos pode iluminar no caminho e ser em si mesma testemunha de abertura e dádiva. Mas a doutrina não tem que ser doutrinadora… Pelo contrário, se é sabedoria a empreender pedagogicamente (a propor e não a impor, portanto), terá de ser aberta e recíproca. A doutrina cristã de século XXI, inspirada num tal de Jesus de Nazaré, deve ser principalmente de escuta. Propõe-se, mais do que com palavras, com vida(s), mas recebe e ilumina-se na diferença. É, em rigor, por ser cristã, uma doutrina aprendente.

Na Igreja, alimento-me de sacramentos, sinais visíveis que me ajudam nesta ponte tensional inacabada, entre o visível e o invisível, o ausente e o presente, o inatingível e o tocável. Nestes sinais, partilhados, abertos, esbanjados e oferecidos, realiza-se, no lastro da nossa fé, o que se representa. Mas nenhum sacramento pode ser vivido sem a consciência da sua paradoxal mas real infidelidade. O sacramento é, em si mesmo, também, insuficiente. Como a fé em Deus, o sacramento quer precisar da liberdade, da inteireza e da fé de quem participa. Sem adesão coerente e profundamente interior, o sacramento pode ser superficializado… e infecundo.

Portanto, assumidamente, sou conservador, institucional, continuador, tradicional, dogmático, doutrinal e sacramental. A vida espiritual não exige o ser religioso. Estes apontamentos comunitários de pertença vão-me ajudando a ser o que posso ser, salvando-me de mim mesmo. Mas… recuso e até gasto alguma energia de luta contra os “ismos” caricaturais de fundamentalismo destas procuras. Afasto-me do conservadorismo, do institucionalismo, do continuismo, do tradicionalismo, do dogmatismo, do doutrinismo e do sacramentalismo.  São estas doses excessivas, brotando de dentro e para dentro e para fora da Igreja Católica, que, tantas vezes, desperdiçam o tónus fundamental. Outros “ismos” de certo sentido oposto, como os progressismos ou os descontinuismos (revolucionários), também me repelem. Mas fica para outra reflexão tal desenvolvimento.

O “ismo” que vale a pena é mesmo o do Cristianismo… Admito que para o sentido da minha vida e do mundo, a identificação com Cristo é da ordem do ‘quanto mais melhor’. Deste “ismo”, sim, quero voluntariamente embebedar-me. Há uma ironia, nos próprios Evangelhos, que me sustenta: Jesus de Nazaré, em muitos dos seus gestos, palavras e sinais, opõe-se, precisamente, a todos os fundamentalismos, essas sombras que não deixam eclodir a proposta do radical amor. O cristianismo é um “ismo” que precisa sempre, para evitar os “ismos” que não contém, de três pilares fundamentais: a abertura, a novidade e o dinamismo. É também por isto que desejo celebrar, quotidianamente, com tanta alegria e vontade quanto (auto)desperdício, o “ismo” que me dá Ser: por Cristo, com Cristo, em Cristo…

JP in Sem categoria 28 Janeiro, 2022

restituir a liberdade aos oprimidos

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 1, 1-4: 4, 14-21
«restituir a liberdade aos oprimidos»

Na sinagoga, local religioso da Sua própria cultura, Jesus proclama ao que vem, fazendo pontes (páscoas…) antecipadas entre a tradição e a Sua própria novidade. Podemos centrar-nos no apelo à liberdade, aqui invocada como uma restituição, apelando a certa potencialidade, liberdade e bondade originais que nos constituem. Jesus e a(s) sua(s) igrejas, entretanto tecidas no tempo e no espaço, nem sempre sublinharam devidamente esta essência de liberdade. Mas certa opressão existencial, que pessoal e coletivamente carregamos, tem uma saída em Cristo. A(s) igreja(s), ou apontam esta liberdade, ou não serão de Cristo…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado anteriormente, neste blog.

DOMINGO III DO TEMPO COMUM


L1: Ne 8, 2-4a. 5-6. 8-10; Sal 18 B (19), 8. 9. 10. 15
L2: 1 Cor 12, 12-30 ou 1 Cor 12, 12-14. 27
Ev: Lc 1, 1-4: 4, 14-21

JP in Sem categoria 22 Janeiro, 2022