como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 9, 2-10

como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas

Um dos aspectos que se pode abordar do texto de Marcos é o comentário de Pedro face à transfiguração. Pedro é um homem espontâneo e convida o Mestre a permanecer ali, sugerindo a montagem de três tendas. Também nós, como Pedro, principalmente no domínio do grupo religioso, tendemos a querer montar tendas no “bem bom”, no quentinho da fé. Sabemos, porém, que tudo o que nos fecha não vem de Deus e que, sendo útil o conforto comunitário para crescermos na fé, somos sempre impelidos a voltarmo-nos para fora. Mas é ainda mais amplamente humana esta tendência para o conhecido, para o mero conforto, para o vislumbre infecundo, para o sofá. Está na partida, na missão, no rasgo, na abertura e em certa desinstalação o nosso maior encontro…

L 1 Gn 22, 1-2. 9a. 10-13. 15-18; Sl 115 (116), 10 e 15. 16-17. 18-19
L 2 Rm 8, 31b-34
Ev Mc 9, 2-10

JP in Sem categoria 24 Fevereiro, 2024

liberdade de largar

Dar ao outro a liberdade de me largar é muito exigente, mas em si mesmo, libertador. Do lado crente, é importante reconhecer que é essa mesma liberdade de largar, e também de largar Deus, que o mesmo Deus nos oferece…

JP in Sem categoria 20 Fevereiro, 2024

Farei aparecer o meu arco sobre as nuvens

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Gen 9, 8-15

Farei aparecer o meu arco sobre as nuvens

Deus “zangara-se” com o homem (linguagem de Antigo Testamento, que convém resignificar…) mas reconciliou-se com o mundo, por via de Noé, que foi fiel ao Senhor. O arco-íris no céu representa o arco invertido, gesto usado pelos guerreiros como sinal do fim da guerra e do convite à paz. É isto que Deus fez com Noé e que nos quer comunicar também a nós. Tentemos nós também pousar alguns arcos de batalhas que ainda travamos, deitar fora algumas flechas apontadas a alguns inimigos. Quais são as guerras que ainda existem na minha vida? Quero/posso colocar o arco das flechas invertido, como sinal de paz? O arco-íris no céu, sinal colorido de arco pousado, de paz, de cor e de beleza, é deveras inspirador…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

L 1 Gn 9, 8-15; Sl 24 (25), 4bc-5ab. 6-7bc. 8-9
L 2 1Pd 3, 18-22
Ev Mc 1, 12-15

JP in Sem categoria 18 Fevereiro, 2024

teologia popular e divulgação científica

Menos conhecida do que a divulgação científica e seus matizes, como a compreensão pública da ciência, existe uma teologia pública, que poderia viver melhor dias. Arrisco dizer que, muitas vezes, reconheço mais o esforço dos cientistas em ‘vender positivamente barato’ o complexo emaranhando dos bastidores científicos do que o (pouco notado) esforço dos teólogos em falarem com linguagem acessível. E que urgente seria para a fé uma mais intensa e mais eficaz teologia pública.

JP in Sem categoria 16 Fevereiro, 2024

encontro em vez de fuga

A adesão religiosa, como tudo na vida, ganha mais em se ir resignificando como experiência de encontro e não como experiência de fuga…

JP in Sem categoria 14 Fevereiro, 2024

Acompanhamento espiritual: o lugar estrutural de uma Igreja aberta

Paiva, J. C. (2024). Acompanhamento espiritual: o lugar estrutural de uma Igreja aberta. Site Ponto SJ, 07-02-2024. Disponível aqui

Não será nem exagerado nem simplista entender a Igreja e os seus desafios na atualidade como espaços abertos que, individual e comunitariamente, promovem o integral crescimento espiritual das pessoas. É verdade que este lugar de Igreja apresenta novas equações, novas aberturas e novas saídas, mas toda a tradição secular foi um berço de acompanhamento espiritual. É bom recordar os padres do deserto (e as madres do deserto, menos invocadas, mas existentes) no seu exercício de busca e encontro, amparado com dinamismos de acompanhamento. Por tudo isto é importante sublinhar a urgência eclesial de estimular o acompanhamento espiritual.

A forma como este acompanhamento pode ser processado apresenta hoje características e oportunidades específicas. Desenvolvemos de seguida, ainda que de forma sintética, alguns destes aspetos.

a) É mais acompanhamento (co-caminho) e menos direção espiritual;

Este ajuste mais ou menos contemporâneo, de direção espiritual para acompanhamento espiritual, significa mais do que uma nuance. O termo direção, de facto, apresenta, pelo menos na semântica, senão mesmo na praxis, uma insinuação mais dirigista e vertical. Na sua versão mais aguda, caricatural ou não, a direção espiritual pode pisar a linha da invasão da consciência e, em muitos casos, da manipulação ou mesmo do terrorismo espiritual. De forma mais ou menos direta chegaram-me ao conhecimento experiências traumáticas religiosas vertidas em expressões do tipo ‘é vontade de Deus para ti…’

b) É também e sempre, de alguma forma, psico-espiritual;

Discute-se muito sobre a separação ou simbiose dos terrenos pisados em acompanhamento, no que diz respeito aos fatores espirituais e psicológicos associados. Tenho uma posição ela mesmo tensional sobre este assunto: por um lado, entendo que em nome da inteireza evangélica que procuramos, o acompanhamento espiritual terá sempre que invadir e ser invadido por desafios de natureza psicológica. O espiritual, bem o sabemos, entrelaça-se no psicológico (e no socio-biológico, bem entendido) de forma indissociável. Por outro lado, há casos em que a circunstância psicológica de partida não aconselha a experiência espiritual aprofundada. Inácio de Loyola previne de forma equivalente uma certa condição psicológica e física para encetar a experiência dos exercícios espirituais. Nesses casos de dúvida sobre a robustez mínima de partida, é bom colegiar a aproximação ao acompanhamento, harmonizando triangulações transparentes e eticamente autorizadas pela pessoa em ajuda, entre psicólogos, psiquiatras e acompanhadores espirituais. Tudo isto aponta para a essencialidade e a inteireza encarnada da vida cristã.

c) Pode, com vantagem, ser protagonizado por mulheres;

Sem querer entrar aqui na extensa, complexa e fascinante discussão do feminismo (ou falta dele…) na Igreja, vou entendendo que há um dramático déficit da sensibilidade e de protagonismo feminino, ao nível da visão e do apontamento do Evangelho vivido, precisamente a partir dessa condição humana de se ser mulher. Falta depois, também, na sequência, espaço amplo para a liderança e protagonismo femininos nos exercícios pastorais, eclesiais, sacramentais e espirituais. Enquanto para alguns sonhos de uma Igreja ‘com mais feminino’, estamos sujeitos a uma inércia monstruosa, no plano do acompanhamento espiritual é “desproblemático” e canónico este serviço ser realizado por mulheres. Existe, portanto, no ministério sagrado da escuta e do acompanhamento, uma ampla margem de renovação eclesial, incluindo mais protagonismo feminino. Arrisco dizer que muito sacerdotes teriam a ganhar complementaridade pessoal e pastoral com a experiência de eles mesmos terem acompanhamento espiritual no feminino.

d) Tem sentido propor-se o acompanhamento espiritual como estrutural na vida cristã, sob as recomendações pedagógicas da Igreja (se é que estas ainda são escutadas e apropriadas pelos crentes…).

Poderiam ser revistas algumas ‘obrigações’ doutrinais (interpretamos como sugestões de vida cristã católica) que andam por aí há muito tempo, tantas vezes ditas e vividas de forma excessivamente métrica ou sacramentalista. A ideia seria encorajar fortemente o acompanhamento espiritual como espaço prioritário de crescimento cristão. Este cenário é redobradamente agudo para quem vive no canteiro da Igreja onde fecunda a espiritualidade inaciana. Relembro as normas católicas extraídas do cânone: “1- Participar da Santa Missa aos domingos; 2- Confessar-se ao menos uma vez por ano; 3- Comungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição; 4- Fazer jejum e abstinência nos dias estipulados pela Igreja: Quarta-Feira de cinzas e Sexta-Feira Santa; 5 – Ajudar a Igreja em suas necessidades”. Sem deitar fora a água e o bebé, também pelo inegociável valor dos sacramentos, há aqui lugar para outras prioridades que, com toda a certeza, como forte recomendação e aferição de vida cristã, poderiam incluir o acompanhamento espiritual.

Além dos itens a) a d) acima abertos, há uma caraterística do acompanhamento espiritual que é de enaltecer e sublinhar e que, de alguma forma, nos distingue de certas ofertas religiosas mais ou menos fechadas e fáceis, de certo fast food espiritual: o acompanhamento espiritual implica, processo, diálogo, confronto, aprofundamento, trabalho, caminho acompanhado. Vale a pena, por isso, que as instâncias religiosas e o dinamismo sinodal em curso levem muito a sério esta questão, para que se formem mais e melhores acompanhantes espirituais e se fomente esta tradição enculturada, trazida ao nosso tempo e às nossas sedes.

JP in Sem categoria 12 Fevereiro, 2024

fica limpo

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 1, 40-45

quero: fica limpo

Ao repto do leproso “se quiseres podes curar-me”, Jesus responde: “Quero: fica limpo”. Aqui está um “jogo” entre Deus e o homem sobre o qual convém refletir. São elementos importantes: o desejo do homem em ser curado e a resposta pronta do próprio Deus. Seguem-se a cura propriamente dita e até uma recomendação de descrição (não conseguida), bem como um rastilho de testemunho e propagação da fé. Fixarmo-nos essencialmente na fisicalidade mais ou menos espetacular deste relato seria sempre minimizar o seu potencial. Será mais valioso identificar e trabalhar para a cura da nossa “lepra interior”, das chagas que nos degradam…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

L 1 Lv 13, 1-2. 44-46; Sl 31 (32), 1-2. 5. 7 e 11
L 2 1Cor 10, 31– 11, 1
Ev Mc 1, 40-45

JP in Sem categoria 10 Fevereiro, 2024

quasi-ateu me confesso

Eu, quasi-ateu me confesso. Deus, é de tal maneira indizível, de tal forma “totalmente Outro” que eu tenho de reconhecer as minhas (muitas) zonas de ateísmo, em que não O sei expressar, em que não O sei viver. Sou ateu quando digo apenas deus(es). Por vezes (quando eu deixo…) há luz e só luz. Mas em risco, em fé. Negar o nosso auto-ateísmo crítico, mesmo sendo pessoas de fé, é talvez perigoso. Como se pudesse haver certeza ou prova científica da existência de Deus. Não, a aventura é de outra ordem: é uma ponte de corda que faz passagens, desde logo entre a morte e a vida (qual Páscoa), mas corda de fios tecidos de incerteza, de mistério, de não palavra, de mergulho. É deste batismo que precisamos sempre.

JP in Sem categoria 8 Fevereiro, 2024

entre-tanto

Diz bem José Frazão na sua metáfora que valoriza o “entre-tanto” da vida: o processo tensional entre a difícil bênção da contingência e o desejo experimentado da esperança.

JP in Sem categoria 6 Fevereiro, 2024

retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 1, 29-39

retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar

Jesus tem um dia estafante… Sentiu necessidade de se retirar para rezar, escondendo-se, de tal forma que os discípulos O procuravam… Este dia de Jesus pode inspirar-nos a nós, que tantos dias estafantes vivemos. Podemos, como Ele, dedicar-nos aos doentes, doentes do corpo, doentes do espírito ou doentes de amor. Convém, contudo, não cair no ativismo, que nos esgote fisicamente para além do possível e que nos des-centre do essencial. É importante estarmos atentos ao ser e ao agir do estilo de Jesus. É bom, pois, retirarmo-nos para descansar e orar e, se for preciso, “escondendo-nos” de algumas provocações e azáfamas…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

L 1 Jb 7, 1-4. 6-7; Sl 146 (147), 1-2. 3-4. 5-6
L 2 1Cor 9, 16-19. 22-23
Ev Mc 1, 29-39

JP in Sem categoria 4 Fevereiro, 2024