Insuficiente
Insuficiente
Amei-te
insuficientemente,
com boa vontade.
A possível tangente,
raio de um
Sol maior.
Fiquei aquem
mas assim,
também,
dando o meu
melhor,
naquele instante,
naquela idade.
Vás tu
mais além,
porém,
se é que te dei
a liberdade.
Que a plenitude
contém
mediocridade.
Plenitude,
aliás,
não é tudo
mas contém
totalidade…
2019
ironia ao natural
Ironia ao natural
É natural,
é bom
e quanto mais melhor,
como os cogumelos
vermelhos,
as rãs azuis
ou o suco de serpente…
É químico,
processado,
é mau,
como a
aspirina,
um perfume
ou o plástico
da válvula
cardíaca
de um coração…
in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.
acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)
Acreditar
ACREDITAR
Às vezes penso que só creio
porque não sei não crer.
Cobardia esta
a de não deixar
de olhar assim.
Sou gota de água:
ínfimo e
frágil.
Escorrego
não me aguento
e caio na
terra seca
que me criou.
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
acessível aqui
Pássaros já cantam
PÁSSAROS JÁ CANTAM
Os pássaros
já cantam
na alvorada
do regimento.
O Sol
brilha mais forte
dentro do meu
pensamento.
No Quartel
pela manhã
brota já
o movimento.
Há mais vida
nesta vida
neste meu
envolvimento
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
acessível aqui
Deus
DEUS
Parti da aridez
do deserto.
Saltei para
o escuro.
Apostei sem ver.
Mergulhei
em mar
de dúvida.
Procurei.
Progredi apalpando
e sem sentir.
Pensei, forcei
caminhei
de olhos vendados.
Eis que caio
num banho de
mel.
Quente,
sensual,
real.
Mais óbvio que eu.
Setenta vezes
os cinco sentidos.
Certeza
Deus.
Ele, que sempre
estivera,
era mais forte
que tudo.
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
acessível aqui
a estrela
A ESTRELA
Queria
ser um pedaço
daquelas palavras.
Parei por semáforos.
O fumo suspenso
gerava a densa
poluição.
Olhei,
a toda a volta no céu,
e nada vi.
Olhei de novo,
vasculhei.
vi, finalmente,
uma estrela,
disse olá a Deus…
e ficou verde!
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
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poeta esquecido
POETA ESQUECIDO
Sou um poeta esquecido!
A mancha da agenda
calou o grito da alma.
Não que a planta não cresça.
Os compromissos
taparam as flores.
Não me culpo
nem me castigo pelo silêncio.
Quando a vida passa
e o cavalo da aposta é
o que está mais à mão,
nessas alturas, como agora
paro e olho para mim,
selecciono o epicentro
e sinto que está na hora
de recolher novo centro
e não mais correr assim.
in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse.
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