… e só depois lhe perguntou de onde vinha…

Há inspirações não bíblicas que são quase indispensáveis para a construção humanista. Sempre me impressionou o que Homero escreveu a propósito do marinheiro náufrago, que deu à costa face num reinado que cultivava a hospitalidade. O Rei ordenou: tratem-lhe as feridas, vistam-no, dêem-lhe de beber e de comer e, no final, perguntem-lhe de onde vem… A hospitalidade, de facto, é inimiga do preconceito…

JP in Frases 6 Novembro, 2020

a memória da morte pode fazer viver…

Alfredo Dinis foi(é) um amigo. Padre jesuita, com quem partilhei aventuras literárias, humanas e cristãs. Escrevi, no dia da sua morte:

Tive o previlégio de o acompanhar intensamente nos últimos tempos.
A par da sua intelectualidade fiolosófica e da forma como emprestou radical racionalidade ao entendimento e à vivência da sua fé cristã, era um homem simples, sabedor de que é nas pequenas coisas da vida que a existência – amorosa – ganha sentido.
Tinha particular interesse, empenho e afeto no exercício desempoirado de conversar sobre a fé com os não crentes. Sempre de forma convicta mas aberta e lúcida.
Deixo-vos dois pensamentos que me legou na última viagem que fizémos, há cerca de uma semana, à sua terra natal (Tramagal), onde era muito estimado:
“Procurei como filósofo compreender o mundo. Estranhamente, sinto que o mundo tem um lado incompreensível. O mundo talvez exista não só para ser compreendido mas para ser amado!”
“A minha vocação sempre foi sólida e a minha fidelidade «fácil». Vi e sofri com muitas idiosincrasias na Igreja e nas organizações, mas Cristo, em quem me radiquei, nunca me decepcionou”.
Na recta final, inventava sorrisos fazendo florir amor das suas sementes de dor. Principalmente no fim, não se cansava de agradecer, a tudo e a todos.
Pessoalmente, tomo como inspiradora essa atitude de agradecimento constante. Desejo continuar a minha amizade com ele, precisamente fazendo por viver (e depois morrer)… a agradecer! Muitos encontros, hoje e sempre, se esculpem de gratidão.

 

JP in Espiritualidade Frases 2 Novembro, 2020

criação e autonomia

O Deus a quem os cristãos dão crédito é a explicação última do universo e da vida, mas respeita a autonomia e a liberdade do Universo e dos seres que criou e está a criar. Não faz tudo porque toma a sério a nossa liberdade. Criou um universo em evolução e respeita a autonomia das suas leis e processos. “Saberá” tudo? Não saberá senão o que se pode saber? Saberá como vou decidir viver a minha vida nos próximos tempos? Espera para ver e respeita as decisões que eu tomar? (apesar da Sua realidade superar a nossa limitação espaço-temporal) … um mistério de Fé!…

JP in Espiritualidade Frases Sem categoria 28 Outubro, 2020

Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás, porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egito

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ex 22, 20-26

Do livro do Êxodo temos a explicitação da nossa tradição hospitaleira face ao estrangeiro. Numa altura civilizacional em que as questões das migrações estão em cima da mesa, não tanto por serem novas mas porque circulam com rapidez e generalidade num mundo globalizado, resignificamos o gene do acolhimento que nos marca. Sempre fomos migrantes. Como é dito no Livro do Êxodo, nós mesmos já fomos estrangeiros. O mesmismo dos que se fecham e o medo da nossa clausura são a trincheira estéril que não gera nada. É na abertura, no acolhimento, nunca na opressão, que nos tornamos viajantes coerentes, crescentes e fecundos.

JP in Espiritualidade Frases 24 Outubro, 2020

sucção despreocupada…

Passar um dia com uma criança sem tom de obrigação e rotina, como às vezes me acontece agora, é conversor: observo, escuto, rio, amparo e contemplo… e aprendo que vale a pena imitar aquela sucção despreocupada de momento intenso e presente…

JP in Frases 20 Outubro, 2020

Dai a César o que é de César…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 22, 15-21

As perguntas difíceis a Jesus, tipicamente engendradas em chave de cilada, são as perguntas difíceis da nossa vida. Tocam as zonas nevrálgicas da existência. No caso presente, a relação com a posse. Na cena apontada pelo Evangelho estamos diante da posse (e do poder que tal representa) do dinheiro. Mas a extrapolação para outras posses é muito possível: posse de mérito, posse de posições, posse dos outros, posse de estatutos. Dar a César o que é de César (e a Deus o que é de Deus) é relevar a contingência de ter, seja o que for. Talvez se perceba melhor, a partir daqui, que amar é abrir mão, que amar é largar…

JP in Espiritualidade Frases 18 Outubro, 2020

vistas de estudo na escola

Há quarenta anos, eu dormia mal na noite anterior a uma visita de estudo, com insónias características do entusiasmo. A minha mãe preparava um bolo estendido num tabuleiro, com aroma de limão, cortado aos quadradinhos e salpicado com açúcar, que depois metia num tupperware. Já no meu tempo, comprava alguma comida mais “plástica” que, naquele dia, me sabia a mel. Mentendo-se este entusiasmo dos alunos em maior ou menor grau, nos nossos tempos, entendo que vale a pena o esforço dos professores que se envolvem nestes dinamismos extraescola. Interessará capitalizar cultura e aprendizagem e, portanto, as visitas valem não só por esta adrenalina infantil e adolescente… mas também…

JP in Educação Frases 16 Outubro, 2020

a ti, meu(minha) amigo(a)

Há muito valor, de facto, neste pedaço de Terra em que somos mais do que aquilo que fazemos e valemos mais do que a performance ou do que o (i)reconhecimento do que semeamos. Os perdedores definitivos dão-se conta de que não têm amigos e eu queria sublinhar que esse terreno não se pisa na tua vida enquanto eu existir…

JP in Frases 14 Outubro, 2020

O banquete estava pronto mas os convidados não eram dignos

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 22, 1-14

Uma reflexão que podemos fazer, a partir desta parábola, é esta: “que convidado sou”? Certamente cada um de nós é um pouco dos dois estilos: ora ingrato, não aproveita os convites para o banquete, desperdiçando graça e aventura, ora, por outro lado, não sendo digno de convite, lança-se e aceita o convite do Senhor, desfrutando da abundância. Cientes de que somos convidados mais por graça de quem nos convida e nos pesca na encruzilhada da vida, do que pelos nossos méritos, vamos ao banquete do Senhor. O ambiente da festa é a abertura ao encontro e a fecundidade que brota… E não esqueçamos o traje nupcial, que é precisamente a caridade…

JP in Espiritualidade Frases 10 Outubro, 2020