Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja!
J. C. Paiva, Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica. Site PontoSJ (que se recomenda…). 7 de dezembro de 2018.
https://pontosj.pt/opiniao/teilhard-de-chardin-a-sintese-e-a-totalidade-cosmica/
Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica
Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, França, em 1881 e morreu em 1955 nos Estados Unidos da América. Padre jesuíta e paleontólogo, estudou na Sorbonne e ensinou em Paris mas em 1922 é enviado para a China, certamente também pela inconveniência dos seus escritos, principalmente em relação ao pecado original. As suas ideias foram proibidas de ensinar nos institutos católicos mas a sua obra e influência pós-morte é notável, sendo reconhecidamente influenciador do Concílio Vaticano II. Foi reabilitado pelos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
Precisamente por não ser um verticalizante teólogo, filósofo ou cientista, mas um mestre na síntese horizontal destes vetores, Chardin é um autor incontornável. Se somarmos a sua argúcia e ousadia extrema (para a época em que escreveu) ao seu ser místico, estamos diante de alguém crucial e muito relevante na Igreja mas, em certo sentido, difícil de acompanhar.
O meu amigo P. Alfredo Dinis sj, com quem fiz muito caminho nestas temáticas e a quem presto aqui homenagem, decidiu, nos últimos tempos da sua vida, reler toda a obra de Chardin. Já com a voz caída mas de sorriso alargado e cheio de honestidade, dizia-me: “João, está lá tudo!” (na obra de Chardin, bem entendido…). Estas palavras do Alfredo, porque as sinto na mente e no coração, dão bem conta do potencial deste autor e místico do século passado.
A amplitude da obra e daquilo que está também por interiorizar na vida Cristã, tornam quase ridículo um artigo de poucas linhas sobre alguns dos seus horizontes. Consciente da largueza do que representa Chardin, permito-me um ligeiro alinhamento, quase telegráfico, de algumas ideias fortes do seu pensamento. Reproduzo aqui aquilo que tem vindo a ser mais relevante para mim, já perpassado pela subjetividade de uma leitura necessariamente pessoal. Recomendo, para aprofundamentos ulteriores, as suas vastas obras e/ou os trabalhos de associações à volta desta figura ilustre (ver, por exemplo: Associação dos Amigos de Pierre Teilhard de Chardin em Portugal ).
1- Chardin pode ser sintetizado na ideia charneira de um Deus que cria evolutivamente ou que evolui criativamente… Compreende-se porque o chamaram (e perseguiram como) panteísta: o Universo é divinizador, divinizante e divinizável. Ele próprio quis reabilitar um certo “panteísmo cristão”, sublinhando que o Deus revelado em Jesus Cristo, não se confundido com a natureza, nela está radical e evolutivamente “empapado” (palavras minhas): Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja! As suas referencias a um “Cristo cósmico” são o resultado de uma osmose positiva no alinhamento: antropogénese, cosmogénese, biogénese, cristogénese.
2- Chardin rejeita o tomismo da substância ser “o crucial”. A este substancialismo, propõe-nos uma alternativa a que poderíamos chamar relacionista-evolutiva: incorpora-se o tempo, a mudança e a relação como constituintes de Deus e dos homens.
3- Chardin talvez seja um filósofo da globalização. A sua fidelidade à terra (curiosamente uma expressão de Nietzsche) coloca no centro a unidade evolutiva entre o Cosmos e a consciência da humanidade tomada na sua unidade. A evolução, para ter sentido, tem de fazer convergir e o amor é a força-impulso deste movimento.
4- São de Chardin as ideias de que o Deus do ‘em frente’ supera o Deus do ‘em cima’. Sem prejuízo da transcendência, enfatiza-se uma horizontalidade muito humana (e Cristã, diria eu) e que nos convida a evitar os moralismos.
5- Chardin teve um forte investimento na reteologização do pecado original. Mais do que uma falha em certo instante da história, o pecado original é evolutivamente constitutivo. Relaciona-se com o mau uso da liberdade humana, amorosamente “arriscada” por Deus, querendo dizer principalmente que a criação acarreta falta, fragilidade intrínseca e custo. De arrasto com o problema do pecado original, Chardin dá subsídios novos para rever teologicamente o mal e a cruz, assim tomados no seu dinamismo evolutivo e, crucialmente, tonificados por uma vida que valha a pena viver. Podemos dizer que com Chardin se pode abrir uma visão menos “pessimista” do pecado original, não esquecendo nunca o contexto de um Deus que “viu que era Bom”…
6- Desconheço sínteses mais libertadoras sobre a complexa tensão entre a totalidade e a singularidade do que a obra, em si mesmo, de Chardin. Diz ele: “A preocupação com o Todo tem as suas raízes no fundo mais secreto do nosso ser. Por necessidade intelectual – por carência afectiva – por impressão direta, quiçá, do Universo, somos essencialmente levados, a cada instante, à consideração do Mundo, tomado na sua totalidade”. É verdade que Cristo, é, Ele mesmo, para nós e para Chardin, esta mesma síntese.
7- Chardin teve também rejeições da comunidade científica (não apenas do lado religioso, portanto). Compreende-se tal pois o seu lado místico cria ruído cognitivo a quem está do lado de fora da fé. Embora Chardin tente uma lucidez e uma linguagem universais, é certo que será preciso ter fé para entender Chardin (mais do que conhecer Chardin para ter fé). Mas será que não precisamos de fé para entender “por dentro” seja o que for?…
8- Juan González de Arintero, no final do século XIX, afirmava que havia que fazer com a teoria da evolução de Charles Darwin o que Tomás de Aquino fez com Aristóteles. Chardin, para mim, foi o obreiro desse trabalho. À boa maneira chardiana, reformulo: “Chardin está a ser o obreiro desse trabalho”… pois que, da sua obra, há muito ainda para compreender, extrair e incorporar na vida dos Cristãos!