Sempre que falamos de ciência e religião teremos de ter em conta que as pontes a lançar não deverão violar a consciência de que, uma e outra, possuem diferentes metodologias. Será interessante colocar em diálogo o que é diferente e atender a uma certa artificialidade compartimentalista, que está subjacente à criação humana das várias disciplinas. Mas nunca pisando o risco de chamar igual ao que se distingue e muito menos usar a mesma malha metodológica para “pescar peixe” diferente. Por isto mesmo, a palavra-chave entre ciência e religião nunca é inferência. A palavra inferência, no seu sentido lógico, remete-nos para afirmações de verdade deduzidas a partir de outras proposições consideradas verdadeiras. Ora, é este o terreno pantanoso da relação entre ciência e religião, observável, por exemplo, na conhecida teoria do “design Inteligente”, que, a partir de algumas evidências científico-biológicas induz afirmações de caráter religioso e vice-versa.
Ao contrário das inferências, podemos, isso sim, com eventual vantagem pedagógica, usar algumas analogias. As analogias são fundamentais na comunicação e na compreensão de muitos processos e conceitos. Usamo-las, inúmeras vezes, sem nos apercebermos. O dinamismo das analogias pressupõe um conceito alvo (onde se quer chegar) e um conceito análogo (de onde se parte). Estabelecem-se então pontes e relações que podem ajudar a clarificar alguns assuntos. Convém referir que as analogias são sempre não perfeitas e, sem exceção, apresentam pontos frágeis.
A procura da Verdade (neste texto deliberadamente escrita em maiúscula) é um assunto mobilizador em toda a nossa história cultural e mantém-se como ponto de interesse na atualidade.
A grande maioria dos cientistas reconhecerá que, em certo sentido, procura a Verdade. Muitos pensadores dedicam-se a tentar conhecer melhor como se processa o próprio conhecimento científico. Para Karl Popper, por exemplo, será preferível dizer que o que procuramos ao fazer ciência é afastar-nos do erro, sendo que, quanto mais esse caminho é trilhado, mais assuntos existem por conhecer.
A Ciência e a Religião partilham, pelo menos, uma abordagem ao (complexo) conceito de Verdade: ambas se alimentam do mistério que envolve essa mesma Verdade e sabem-na, intrinsecamente, inalcançável.
O confronto com o conceito de Verdade leva-nos à encíclica de Bento XVI, Caritas in Veritate. Ali, podemos assumir, confunde-se a própria Verdade com o amor (versão porventura mais “fresca” da palavra caridade). Acontece, porém, que o amor é, ele próprio, indizível, porquanto é identificável com a transcendência, mais do que um seu atributo. Um apontamento para o amor seria tomá-lo como a fonte de uma explicitação radical: “tu podes ser tu diante de mim”. Este primado de aceitação do outro, sinalizado (encarnado?) na relação de Deus com os homens e, assim, entre eles mesmos, tem alguma analogia com a forma como a ciência lida, aceita e tenta desvendar a realidade natural.
Um apontamento de Verdade para os católicos seria a própria tradição. Também aqui há alguma analogia com a ciência, que se faz com “gigantes aos ombros de gigantes”. Estas são palavras de Newton. Com efeito, um cientista acrescenta à ciência sempre a partir do que outros disseram e descobriram e não empreende qualquer investigação sem a respetiva revisão de literatura. Neste sentido, a ciência também se funda na tradição. Há um conjunto de regras de comunicação e ações que são respeitadas pela comunidade científica e que permitem consensos e progressos notáveis. Dir-se-á que a ciência está, ao contrário da religião, sacudida de dogmas de partida. Mas essa colocação é duvidosa… Há pressupostos essenciais na empresa científica, sempre latentes ao longo da sua própria génese e história. Nomeadamente, há ciência porque: 1) entendemos que a realidade existe; 2) entendemos que é possível conhecer a realidade e 3) entendemos que é bom conhecer a realidade. Dogma maior, qual crença, seria o de que existe unicamente o que é materializado e que apenas os óculos da ciência conseguem ver lucidamente o mundo.
A tradição da Igreja, porém, não é um fim em si própria, nem, tão pouco, se lhe pode subtrair o dinamismo de linguagem e atualização. A tradição vale na medida exata em que não é defendida como um projeto enterrado mas antes como um tesouro vivo, redito e religado com a realidade…
Poderemos ainda envolver a questão das emoções e dos sentimentos, cruzada cada vez mais com as nossas próprias virtudes e limitações biológicas. O nosso cérebro tem, à partida, tantas potencialidades quanto constrangimentos: face a um objeto, capta certa realidade (tateia?) mas, imediatamente, fica aquém de um certo sentido de totalidade, que é próprio da Verdade.
A Verdade, isso parece inequívoco, não será monopólio da ciência (cientificismo) nem de ninguém. Andará em espaços de uma tensão incontornável do próprio sentido da vida humana, algures entre a imanência das coisas (realidade) e as entrelinhas do mistério (transcendência).