extraterrestres e criação divina

O São Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do «irmão ET»…

 

J. C. Paiva, Extraterrestres e criação divina. Site PontoSJ. 20 de julho de 2018. Disponível em

 

 

 

Extraterrestres e criação divina

A NASA anunciou que foi descoberto no dia 14 de dezembro de 2017 um oitavo exoplaneta no sistema Kepler-90. É o conjunto de planetas mais parecido com o nosso Sistema Solar.

Há investigação científica séria, muito séria, que, de alguma forma, procura vida noutros planetas. O que se busca é a existência de corpos celestes com propriedades semelhantes às da Terra, isto e, com dimensões e distância ao seu Sol com algumas parecenças com este ‘grão de pó’ em que vivemos. É bom termos a noção da nossa pequenez: habitamos um minúsculo esferóide que anda à volta de um Sol. O nosso Sol é uma das cerca de cem mil milhões de estrelas que constituem a nossa galáxia. E no universo (neste universo…) existem cem milhões de galáxias, cada uma com as suas estrelas…

Nem ciência nem religião negam a possibilidade de vida inteligente noutros planetas e, portanto, a existência de extraterrestres (ET).

A ciência, porém, não conseguiu ainda prova de vida fora do planeta Terra. Não há prova científica de seres extraterrestres. Tentam encontrar-se sinais da vida tal qual a conhecemos, em planetas do sistema solar, mas os dados não são conclusivos. Sondas recolheram amostras na Lua e em planetas do nosso sistema, mas nenhum sinal de vida.

Giordano Bruno (1548-1600) pagou com a vida a defesa da tese de existência de outros planetas habitados. Uma tal hipótese parece colidir frontalmente com a concepção cristã do universo, ainda muito dependente do velho paradigma geocêntrico e antropocêntrico. Compreende-se claramente que algumas das crenças mais fundamentais do cristianismo — como o pecado original como fonte de todo o mal, a encarnação e morte de Cristo para «pagar» pela humanidade descendente de Adão e Eva a culpa desse pecado, e a salvação que a sua morte e ressurreição trouxeram à humanidade — parecem enquadrar-se mal num universo com outros seres inteligentes que nada tiveram a ver com o pecado original bíblico. Terá havido em todos os planetas habitados um pecado igualmente original? Terá a encarnação de Cristo tido um valor de salvação também para os habitantes desses planetas? Ou terá Cristo encarnado em cada um deles, assumindo em cada planeta a forma dos seus habitantes?

Para os cristãos, o Verbo de Deus veio a este mundo e habitou entre nós, isto é, na humanidade inteira. Mas os conhecimentos científicos contemporâneos não se centram necessariamente no nosso planeta. Recentes investigações em astronomia têm encontrado planetas distantes com aproximações à sua estrela semelhantes ao nosso. A probabilidade de existir vida além da Terra é enorme e pensar no assunto pode ser relevante.

O diretor do Observatório Astronómico do Vaticano disse: «Como há uma multidão de criaturas sobre a Terra, poderia haver outros seres, mesmo seres inteligentes, criados por Deus. Isso não contradiz a nossa fé, pois não podemos colocar limites à liberdade criadora de Deus.» O seu antecessor pronunciara-se no mesmo sentido, sublinhando a compatibilidade da fé com a existência de outras formas de vida distantes. O S. Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do «irmão ET»…

Para os católicos, a ação redentora de Cristo atinge a dimensão do cosmos. Não está confinada ao planeta Terra. Por isso, o facto de haver seres inteligentes noutros planetas não põe em causa a atual doutrina da encarnação, nem da redenção. Se se verificar que eles existem, concluímos que foi também para eles que o acontecimento de Jesus Cristo se dirigiu.

A doutrina do pecado original também não sofrerá com a dita hipótese. O pecado original significa a inauguração do mau uso da liberdade que Deus deu ao ser inteligente, com a consequência do mal que a continuidade desse mau uso provoca na história. Se se descobrirem seres inteligentes noutros planetas, dotados de liberdade e com capacidade de a usar bem ou mal, a noção do pecado original, tal como a teologia a formula no momento presente, também se lhes aplica.

A probabilidade da existência de planetas semelhantes à nossa Terra é muito grande. Basta fazer umas contas… O que andamos a fazer (e de uma forma original, com a chamada ciência participada, em que qualquer cidadão pode colaborar com os cientistas) é tentar observar sinais dessa presumível evidência. Mas, na mesma proporção, a probabilidade de entrarmos em contacto com essas formas de vida é, para já, muito reduzida. Limitações espácio-temporais impedem-nos, com os dados e tecnologias que possuímos, de comunicar com entidades tão distantes. O Deus em que acreditamos, porém, supera-nos sempre. Será sempre o Deus Cósmico, nas palavras de Teilhard de Chardin, que ultrapassa a nossa cidade, o nosso país, o nosso continente, o nosso planeta, a nossa religião. O Deus Cristão supera tudo, só não supera o amor, porque Ele mesmo é amor.

 

JP in Ciência Espiritualidade 18 Julho, 2019

Alegria

A Alegria, com maiúscula, que pode conter mas supera o divertimento, é o cimento da estrutura da vida.

JP in Espiritualidade Frases 16 Julho, 2019

quem é o meu próximo?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 10, 25-37

«quem é o meu próximo?»

A réplica do doutor da lei, quando Jesus invocou o antigo mandamento (“…e ao teu próximo como a ti mesmo”) é uma pergunta que nos pode server como revisão existencial continua: “Quem é o meu próximo?”. Na teoria, conhecemos já a resposta, sabiamente transmitida por Jesus na parábola do bom samaritano. Mas, na prática, quantas vezes nos esquecemos dos nossos próximos?… Em particular, como pessoa religiosa, pergunto-me: quantas vezes há envolvimento em heroicas missões apostólicas e esquecemos os que vivem em nossa casa, no nosso bairro ou no nosso trabalho, precisando de nós?…

JP in Espiritualidade Frases 14 Julho, 2019

tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio

A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos.

J. C. Paiva, Tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio. Site PontoSJ. 2 de julho de 2019. Disponível em

Tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio

Há uma certa tensão entre diferentes carismas e formas de ser em Igreja. Não é apenas próprio dos nossos dias mas bem patente ao longo de toda a história. Em conversas mais ou menos explícitas, mais ou menos públicas, emergem comentários, tipicamente irónicos, sobre um qualquer fechamento deste ou daquele grupo eclesial.

Arrumando para mim próprio algumas ideias, e partindo da espiritualidade inaciana vivida na Comunidade de Vida Cristã (CVX), que se alimenta da mesma fonte dos jesuítas, gostaria de clarificar alguns pontos de vista:

1- A existência de diferentes carismas na Igreja é, definitivamente, uma riqueza. A unidade que se procura, mandato evangélico, aliás, é sempre uma unidade na diversidade. Quando se confunde unidade com uniformidade, empobrece-se a visão, a vida e o horizonte da Igreja. O Papa Francisco sublinha bem este aspeto quando, em EG 236, nos diz que “o modelo [da Igreja] é o poliedro, que reflecte a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade”.

2- Unidade e diversidade constituem sempre uma tensão difícil de gerir. Se a uniformidade é uma caricatura da unidade, a ausência de pontes e tentativas de diálogo e colaboração carismáticos são também, por um outro lado, um não caminho.

3- No caso de algumas dinâmicas associadas à Companhia de Jesus, há acusações de elitismo. É sempre bom notar que apontamentos de elite, no sentido de procurar ‘o mais’, são virtuosos. Formação exigente e profundidade, por exemplo, quer para leigos quer para consagrados, são inegociáveis na espiritualidade inaciana. Já o elitismo, que, escrevendo curto e grosso, se pode confundir com ‘ter a mania que se é bom’, é inequivocamente desinteressante. Notar que algumas das ditas acusações de elitismo podem ser injustas e nascer do preconceito ou da simples agenda de bombardear, como arma de arremesso.

4- Outro apontar de dedo que pode merecer reflexão autocrítica é um certofechamento. Aqui, a atenção deve ser muito cuidada: uma Igreja apostólica, mais ainda neste tempo em que se refunda como estando ‘em saída’, não pode senão ser porosa e aberta. Assim, sem secretismos nem sectarismos, nem esquemas ocultos, se pode pautar cada carisma.

5- Mas não elitismo e abertura não implicam um mesmismo descoloridonem a ausência de exigências e esquemas próprios de cada caminho. A CVX, em particular, que se tem vindo a estabelecer num processo de afirmação vocacional na Igreja, tem uma vinculação aos Exercícios Espirituais, a um sentido de compromisso e a uma integração regional, nacional e internacional, que ultrapassa o pequeno grupo, de que não pode prescindir. Seria ingénuo admitir que, para ser aberta, a CVX deveria ser o espaço de toda a gente ou mesmo de toda a gente laica de espiritualidade inaciana. Há muitos caminhos, como sabemos, e o importante é cada um estar onde é livremente fecundo, sempre muito consciente de que se não é melhor que ninguém, apenas diferente.

6- A porosidade da CVX, por exemplo, enquanto carisma que caminha na procura comunitária de uma síntese entre a oração e a vida, revela-se no quotidiano dos seus membros e na abertura radical ao outro, em tudo o que se vive, em tudo aquilo em que se participa, dentro ou fora da Igreja.

7- Quando se comenta que os jesuítas (ou a CVX, equivalentemente) deveriam ajudar mais nas paróquias, ou colaborar mais com certos movimentos, ocorre-me o seguinte:

a) seria discutível participar em colaborações intercarismáticas ou pluriparoquiais apenas por motivos estéticos ou moralistas (porque deve ser…), se isso comprometer a eficácia (não a estatística mas a essencial, isto é, a eficácia da fecundidade...);

b) a deslocalização extrageográfica das paróquias é desde logo um argumento muito dinâmico e complexo (e que tem merecido reflexões profundas);

c) o diálogo entre os diversos movimentos e a eventual colaboração aqui e ali são de assinalar, mas não podemos esquecer que há estilos próprios de planear, empreender e avaliar, que resultam em modos específicos de cada carisma e que são precisamente a riqueza da Igreja, como na proveitosa metáfora das diferentes flores de um jardim;

d) indo um pouco mais longe, pessoalmente, quando me envolvo em alguns desafios de ordem eclesial, tento procurar pessoas com quem tenho afinidade de estilo e certa compatibilidade conceptual e de ação. O importante, mais uma vez, é que não me ache superior a ninguém

e) nada do que está escrito acima desincentiva a que as pessoas de espiritualidade inaciana (jesuítas incluídos) participem e colaborem com múltiplas atividades fora do seu carisma, assim tenham agenda, disponibilidade e sentido de poderem ser úteis, avaliando se não caem em dispersões discutíveis, bem entendido. Dizer que sim porque sim, ou dizer que sim por cerimónia de evitar dizer que não, nunca foi recomendável… É preciso, bem entendido, discernimento apostólico, procurando eleger o que mais serve, em cada desafio.

8- A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos. Se num espaço inaciano (CVX, centro universitário, evento, etc.) há uma constância uniforme de modos de falar, trajes, nomes de família e outras exterioridades, os alarmes devem tocar. Aí sim, definitivamente, cheira a gente que se não deixa tocar e interpenetrar e que, porventura, se acha melhor do que alguém… Aí, não há Igreja!

JP in Espiritualidade 10 Julho, 2019

nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se II Gal 6, 14-18

«nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura»

Paulo, a quem devemos a institucionalização da Igreja, com as suas vantagens e custos (…), apresenta-nos nas entrelinhas uma proposta cheia de valor dialogante e de potencial inter-religioso: “nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura”. O que estaria em causa naquela comunidade era, precisamente, o (sobre)valor dos rituais e das externalidades. O que Paulo nos diz, é que o que tem valor, é a abertura à novidade. Acrescento eu: é a abertura ao outro, à outra cultura, à outra religião, ao outro veículo que, acreditamos, caminha na mesma estrada ou, pelo menos, para o mesmo fim…

 

JP in Espiritualidade Frases 6 Julho, 2019

(não) vai correr bem…

Dizemos a nós próprios e aos outros, com frequência: “vai correr bem!”. Há um lado quase cruel nesta frase, neste desejo, que nos aponta para a ideia de que, na realidade, “não vai correr bem”… Isto é, a vida e o jogo do acaso e da necessidade, a gestão complexa de liberdades humanas e o pulsar da natureza, faz com que muitas coisas não corram como desejaríamos, até porque vamos morrer, nós e os que nós amamos. Há uma nesga de salvação neste dilema: e se correr bem for ‘tirar proveito’, crescer, abrir-se à novidade, “aconteça o que acontecer”?…

JP in Espiritualidade Frases 4 Julho, 2019

identidade católica romana…

Compreendem-se criticamente as atitudes mais fechadas e identitárias de alguns católicos romanos: o fechado, rígido e militante é aparentemente seguro… Mas, “nas coisas do alto (…)”, não há lugar para sonhos baixos, instalados e mesquinhos. A identidade religiosa afirma-se no diálogo radical, mimetizando, aliás, um Jesus Cristo que frequentava lugares duvidosos e tinha pouco de formalidade religiosa. Também do ponto de vista da identidade religiosa nos havemos de render ao radical diálogo, iluminado pelo convite bíblico mais libertador: é preciso perder para ganhar…

JP in Espiritualidade Frases 2 Julho, 2019

Senhor: queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 9, 51-62

«Senhor: queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?»

Jesus e os discípulos dirigiram-se a uma povoação na Samaria, não tendo sido bem recebidos. Tiago e João, ou por amarem e quererem defender o Mestre, ou por certa imaturidade no amor, logo sugeriram: “Senhor: queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?”. Jesus, porém, repreendeu-os. Há na nossa vida e principalmente no nosso interior, laivos parecidos com a aproximação de Tiago e João. São os nossos cenários imaginados (às vezes com sequência), em que bem desejaríamos surdas vinganças e insucessos para aqueles que nos recebem mal. O primeiro passo na gestão da nossa interioridade é a assunção e mesmo a autovalidação. Curto-circuitar o que sentimos e o que na realidade somos, incluindo os nossos pensamentos, com um tamponamento moral, não é normalmente libertador. Posto isso, trabalhar interiormente e apostar neste não rancor, é estar em sincronia com Jesus.

JP in Espiritualidade Frases 30 Junho, 2019

espiralidade bíblica…

É impressionante como as temáticas bíblicas se aprofundam em espiral e se revisitam e se redizem sucessivamente. Muitas vezes, particularmente nos Evangelhos, certa passagem diz-nos, por via de um aparente detalhe, todo o Evangelho. Em certo sentido, se quiséssemos saber dos critérios de Jesus, sem prejuízo de um necessário olhar sistémico, bastaria olharmos a forma como lava os pés aos discípulos, como liberta (e nos liberta…) a mulher adúltera, como se acolhe o filho pródigo ou como se paga ao trabalhador de última hora…

JP in Espiritualidade Frases 26 Junho, 2019

humildade radical

De todas as urgências existênciais há um lugar especial para a radical humildade: constatar e estar atento e consciente face à autocegueira intrínseca, no que diz respeito ao conhecimento do mundo, à espiritualidade, às próprias virtudes…

JP in Educação Espiritualidade Frases 24 Junho, 2019