gerir o tempo
Há uma “pescadinha de rabo na boca” em que me sinto baralhado. Trata-se de gerir bem o tempo em que não sei gerir o tempo. Tantas vezes… Ocorre-me uma autoproibição (não me culpabilizar) e uma palavra de ordem (recomeçar).
Há uma “pescadinha de rabo na boca” em que me sinto baralhado. Trata-se de gerir bem o tempo em que não sei gerir o tempo. Tantas vezes… Ocorre-me uma autoproibição (não me culpabilizar) e uma palavra de ordem (recomeçar).
Autoilusão consentida
Assumo esta
autoilusão
…consentida
até desesperada.
Daqui, da sede
calada que grita,
invento Alguém.
Corro
…como se fosse
real
esta mesma criação.
Vivo
…como se fosse
vida
a minha imaginação.
Avanço
…e num vazio pleno
sinto, experimento
e confirmo
que Alguém me abraça!
Quem diria:
o que inventei existia
… e era Graça!
Fornos, 20 de dezembro de 2017
Uma das inversões mais urgentes na prática religiosa cristã (que afeta significativamente a liturgia e as clássicas orações de petição) é a de assumir radicalmente que a graça é abundante e constante, que Deus “grita”! Vivemos numa atmosfera de graça (às vezes uma lufada, outras vezes mais abafado, mas sempre graça a respirar). Temos é dificuldade em reconhecer essa abundância, como o peixe não se reconhece molhado. E essa abertura e reconhecimento, essa mística de olhos abertos, importa pedir…
Se há assunto que poderia ser crónico e recorrente no nosso exame de consciência seria este: “hoje, houve muita palavra emitida e pouca escuta?…”
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Rom 8, 26-27
Da carta aos Romanos fixamo-nos nesta constatação antiga, da dificuldade em rezar… De facto, se orar (ou rezar) for entendido como descansar em Deus, até aí é difícil rezar. Temos dificuldade em descansar, em geral… e em descansar em Deus, em particular. Daqui decorre que a primeira coisa para (tentar) rezar é, precisamente parar. Diz a mesma carta aos Romanos que o Espírito virá e essa é a promessa que alicerça a nossa fé. Mas para o Espírito nos alcançar, há que não fugir correndo…
Há ou não há?
Há ou não há
um vestígio de
eternidade no mar?
Há ou não há
Uns laivos de
Esperança na dor?
Há ou não há
Um pequeno
Cato verde no deserto?
Há ou não há
Um subtil
Milagre quando
Alguém nasce?
Há ou não há
Azul vindouro
No céu cinzento?
Há ou não há
Um sentido positivo
Para as misérias
Da história?
Há ou não há
Um traço de mistério
Nos bastidores da ciência.
Há ou não há
Um coração
Que bombeia
A mente não linear?
Há ou não há
Um caminho estreito
Na minha escuridão?
Há ou não há?…
Coimbra, 12 de Abril 2004
A fuga para a frente pode não ser a chave da boa morte. A (pseudo) fuga mais libertadora é precisamente a receção da vida como uma Graça, uma dádiva, uma promessa de que a fragilidade é a penúltima experiência. A isto se chama Fé.
Nas nossas incompetências de diálogo prático (a teoria costuma ser boa…) há uma parte que teima em ser curta: é aquela escuta que francamente aceita e se abre, dizendo “dá-me a tua parte, que eu quero recebê-la”.
O Concílio de Trento, iniciado em 1545, reafirmou a autoridade da Igreja Católica na interpretação da Bíblia, mas o texto do decreto conciliar é bastante genérico e até mesmo ambíguo. Os padres conciliares decretaram que ninguém se deveria permitir «interpretar a Sagrada Escritura, nas matérias de fé e de moral, que pertencem ao edifício da doutrina cristã, distorcendo a Sagrada Escritura segundo o seu modo de pensar, contrário ao sentido que a santa mãe Igreja determina». O texto conciliar não especificou, porém, critérios suficientemente precisos para a definição, por exemplo, de uma questão como sendo de fé ou de moral, nem entrou em pormenores sobre o difícil problema de decidir quando se deveria interpretar a Escritura em sentido literal ou em sentido metafórico.
Desde a tradição medieval que é comum distinguir quatro sentidos possíveis no texto bíblico, a saber: 1) histórico ou literal, 2) alegórico ou cristológico, 3) tropológico ou moral e antropológico, e, finalmente, 4) anagógico ou escatológico.
A tradição hermenêutica é, pois, bem longínqua na história da Igreja. Conhecem-se dois extremos caricaturais, em traços deixados ao longo do tempo e ainda hoje presentes: de um lado, uma visão restritiva e estaticamente ortodoxa da autoridade da Igreja na interpretação bíblica e, do outro lado, uma personificação originalista, que não tem em conta a riqueza da tradição, nem a procura duma expressão comunitária de afirmar dinamicamente as verdades da fé. Caminhamos, ainda hoje, nesta tensão…
A criatividade é e continuará a ser um motor essencial de quase tudo. Não convém confundir, na vida como na arte, com o criativismo… que é mais um ‘ismo’, onde não importa nem o critério nem o discernimento.