Na
liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc
1, 29-39
retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar
Jesus tem um dia estafante… Sentiu necessidade de
se retirar para rezar, escondendo-se, de tal forma que os discípulos O procuravam…
Este dia de Jesus pode inspirar-nos a nós, que tantos dias estafantes vivemos.
Podemos, como Ele, dedicar-nos aos doentes, doentes do corpo, doentes do
espírito ou doentes de amor. Convém, contudo, não cair no ativismo, que nos
esgote fisicamente para além do possível e que nos des-centre do essencial. É importante
estarmos atentos ao ser e ao agir do estilo de Jesus. É bom, pois, retirarmo-nos para descansar e orar e, se for
preciso, “escondendo-nos” de algumas provocações e azáfamas…
Interpreto com compreensão e até com agrado a irreverência juvenil contemporânea que marca presença nas manifestações pela preservação da casa comum e pelo combate às causas dos desarranjos climáticos. Há um lastro de responsabilidade social e sentido autocrítico, porém, que convém ter em conta. Estar a manifestar-me nestes cenários e mudar de telemóvel assim que sai um novo modelo, aceitar acriticamente a boleia dos papás, de carro, para a escola ou viajar intercontinentalmente de forma desenfreada, é lutar ao estilo de frei Tomás: olha para o que eu grito, não para o que se faz…
Na
liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc
1, 21-28
ensinava-os como quem tem autoridade
A forma como Jesus ensinava, segundo as escrituras, espelhava autoridade. É bom retermo-nos no potencial pedagógico deste estilo de Jesus, que não seria, com toda a certeza, autoritarismo nem prepotência. A autoridade de Jesus, bem entendido, vinha-Lhe da coerência entre o que dizia e o que vivia. Sabemos que, por sua vez, essa autenticidade era a consequência da Sua unidade filial com uma confiança amorosa estrutural. Inspirador para nós, principalmente quando estamos em papéis educadores…
Tropecei algures, não sei onde, com uma expressão feliz de crítica religiosa: “os empanturrados”. Olhando à minha volta e até na minha história pessoal, dentro da Igreja, reconheço com nitidez estas insinuações.
A dose, a intensidade e a colocação da “coisa religiosa” merece constante resignificação na vida de cada crente. Sem uma lucidez crítica apurada, facilmente caímos em dois lugares extremos que representam, ambos, um não encontro: ou nos desiludimos, ou nos empanturramos.
Convoco duas analogias que me foram trazidas pelo jesuíta Javier Melloni, não sei se em segunda, se em primeira mão, para explicitar a minha colocação: a analogia do copo e do vinho e a analogia do caminho e do veículo.
O copo e o vinho. Segundo esta analogia, o essencial espiritual representa o vinho. Note-se que o vinho é bom, perfumado, saboroso, valioso e dom (fruto do trabalho, também…). As religiões seriam o copo, por onde se pode tomar o vinho, com valor adicional de eficácia. Os copos, porém, valem pelo potencial de conter e partilhar o vinho, não por si. São diversos nas formas, feitios, cores, mas apresentam uma função em si própria louvável, que é a de serem disponbilizadores de vinho. Há uma certeza humilde que o copo deveria ter (perdoe-se-me a personificação): o copo não é nem a fonte nem o vinho!
O caminho e o veículo. Nesta analogia, o caminho, desde logo comum e não exclusivo de ninguém, é o trilho onde se pode progredir. Este caminho é feito de estações de encontro e constitui, em si mesmo, também teleologicamente, o Encontro. O veículo, mais uma vez com potencias de utilidade e favorecimento, ajuda a caminhar. As religiões, bem entendido, são veículo e não são caminho, não lhes cabendo, portanto, qualquer espaço nem tribal nem endogâmico. Se convém cuidar do veículo? Sim, fazer as revisões, estimar e não estragar desnecessariamente. Mudar o óleo, evitar a corrosão. Mas que se cuide do veículo para ele andar e, já agora, de forma inclusiva, para ser o veículo do nós e não o meu veículo. Todos conhecemos os endeusadores de automóveis, às vezes de coleção: estão polidos, expostos e protegidos… mas progridem pouco, valendo mais para serem vistos do que para caminhar. Há também carros que optaram por se preservar das agressões externas, quiseram ser defendidos e resguardados. Ficaram parados, não fazem caminho e mais parecem sucata…
Ambos os cenários analógicos, como se vê, apresentam forte potencial ecuménico e inter-religioso mas são, simultaneamente, as estradas da própria identidade cristã, cuja marca tem em si própria a porosidade radical de quem não tem fronteiras. Quem coloca o tónus no copo escolhe lutar pela sua posse, enquanto o vinho é diálogo. Quem se polariza no veículo foca-se em defender(-se), enquanto o caminho é rasgada oferta.
Na linguagem analógica acima podemos perceber bem os dois extremos típicos já aludidos: os que com alguma ingenuidade optam por aceder ao vinho sem copo ou que caminham sem veículo (concedendo-se que algum vinho beberão e alguns passos andarão); e os que, em reduto fundamentalista, que não é nem fundamental nem radical, endeusam os copos e esquecem o vinho, puxam o lustro ao veículo, mas mantem-no estático.
O cerne do equívoco prende-se com a clarificação do que é central e do que é periférico. Com alguma clareza, observo na lide religiosa quem toma como central as formas, as normas, as roupagens e as exterioridades. Essa (pesudo)segurança fecha, enrijece e, não raras vezes, é bafienta a até apodrece. Se, pelo contrário, o centro for a fé, a crença vivida num Deus que só ama e cria e a misericórdia com que, também por nós, se verte no mundo, resulta em abertura, respiro, leveza… vinho e caminho.
O contrário do indesejável moralismo não é a amoralidade. Os que trabalham para se centrar e recentrar atenta e comunitariamente no núcleo amoroso da fé não desprezam as roupas com que nos precisamos de vestir, mas estão conscientes da secundariedade das formas, dos ritos e dos normativos. Estes só servem se colorirem o fundamento primeiro do amor a Deus e ao próximo. Jesus de Nazaré parece ser, a este nível, inspirador…
Perguntei-me, por simetria, se haveria “empanturrados de Deus”. A minha conclusão é que Deus não deixa que d’Ele nos empanturremos. Há um lado na relação com a transcendência que é da ordem do “quanto mais melhor”. Mas esse salto místico, paradoxalmente, deixa-nos sempre não possuidores e, pelo contrário, expostos com entusiasmo à novidade e à alegria interior, com as suas consequências relacionais soltas e promotoras. Mais ainda, essa overdose com o Totalmente Outro, dentro de nós e em toda a parte, alimenta-se da não palavra, num silêncio que não ocupa espaço de sobrelotação. A nossa religiosidade, portanto, ou serve essa mística aberta vivida… ou empanturra…
Na
liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc
1, 14-20
Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus
No final da semana de
oração pela unidade dos Cristãos, celebramos este caminho de unidade dos que
seguem Jesus, para além das suas pertenças religiosas. Como os pescadores que
deixaram as redes (que os prendiam…) podemos perguntar-nos que redes nos
prendem, na vida quotidiana. Que liberdades, interiores e exteriores, esperam
por seguimentos libertadores? Em particular, será a nossa pertença religiosa
(se fechada, fundamentalista ou sectária) uma rede que prende?…
Uma boa graça a pedir – sempre melhor que pedinchar – é a de me assustar menos face ao que falta, dentro de mim, fora de mim e no mundo. A confiança reside aqui: o que falta é matéria prima da obra que se vai esculpindo…
A Química é mesmo uma ciência dual: empírica mas racional, pragmática mas puxando pela imaginação. A Química, ao mesmo tempo, estuda objetos mas cria objetos, aproxima-se de leis gerais mas pulvilha-se de excepções. Talvez por isto goste de Química… porque também eu sou assim…