Fé de segundo fôlego e o Pai Natal…

A expressão de Thomas Halik de que a fé cristã precisa de um “segundo fôlego” é muito interessante. Este autor refere, em particular, o ‘mito da nostalgia infantil do Pai Natal”, focado na decepção da criança que descobre que a fantasia do Pai Natal era isso mesmo, uma fantasia… Ele quer dizer o seguinte: se me venderam uma fé e uma religião com argumentos infantis (se me disseram que o Pai Natal existia…) eu não só posso como devo abrir os olhos e endireitar caminhos. Mas não existir o Pai Natal, não significa que não há Natal. Da mesmo forma, abandonar a fé que me passaram baratamente e inconsistentemente não significa que não tenho lugar na fé. Preciso é de a resignificar, de lhe dar novos sentidos… Salvar o Natal apesar de não haver Pai Natal seria o paralelo para salvar a minha fé, apesar das catequeses infantis e insuficientes…

JP in Espiritualidade 18 Março, 2021

Blended apostolicus: oportunidades para a Igreja no digital

Paiva, J. C. (2021). Blended apostolicus: oportunidades para a Igreja no digital. Site Ponto SJ, 14-03-2021.

Disponível aqui

A situação de pandemia que vivemos forçou-nos a todos a uma maior intensidade de mediação digital. Reuniões síncronas por via de plataformas como o zoom; visualização e partilha de vídeos, textos e animações; maior interação em redes sociais; mais à vontade com recursos digitais.

Na vida da Igreja muitas das habituais interações como conferências e catequeses, reuniões de estruturas e outros encontros não pararam. A eficácia resultante surpreendeu muitas pessoas, mesmo os mais céticos, pelos progressos técnicos pessoais e pela eficiência que os processos digitais possibilitam.

Somos peregrinos. Não está no nosso ADN a simples nostalgia de desejar tão só voltar ao mesmo sítio. Por isto mesmo, há um certo mandato cristão de tirar proveito destas aprendizagens e potenciar as grandes virtudes de algumas interações digitais. Nos tempos mais próximas, espera-se, haverá uma espectável e legítima procura de presencialidade, de toque e de fisicalidade. Mas não tardará um reequilíbrio capaz de conjugar essa mesma congregação pessoal clássica com as novas janelas da tecnologia. Em educação, usa-se o termo blended-learning (abreviatura b-learning) para a utilização conjunta de momentos presenciais com interações digitais, síncronas ou assíncronas, tipicamente a distância. A palavra blended aproxima-se da palavra mistura e diz respeito à indústria do whisky, onde vários líquidos se juntavam. É algo inspirador para muitas das coisas que podemos vir a fazer em Igreja, embalados pela hiperdigitalização destes tempos: um entrelaçado fecundo (blended) entre os momentos plasmados no mesmo espaço e no mesmo tempo e outros à distância… de um clique!

São óbvias algumas vantagens das reuniões virtuais, quer na perspetiva geográfica (daqui para qualquer lugar do mundo, e vice-versa…) quer por aspetos muito práticos como: poder estar em casa, com filhos pequenos, doentes ou dormindo, poupar combustível, ganhar algum tempo, aliviar o trânsito, bem como outros contributos indiretos para a saúde da Casa Comum. Em síntese, um potencial incremento da assiduidade. Digo isto quer para aqueles encontros de preparações de eventos, secretariado e planeamento, quer para outros eventos de natureza mais “apostólica” (convivo bem com o termo – apostólico – mas sublinho que o sentido apostólico é da ordem do ser e essa ontologia é pouco dada a estratégias e a militâncias muito dirigidas…).

Poderíamos chamar a certa vida futura da nossa comunidade, b-Igreja (b de blended). De fora, compreende-se pela própria essencialidade do toque, os sacramentos. A eucaristia, em particular, não me pareceu ganhar muito com a mediação digital. Independentemente da emissão para terceiros, de per si, a missa (física) em COVID apresenta notárias falhas cénicas (mascaradas) e fragiliza intrinsecamente a liturgia. Em particular, saliento a antítese de evitar o contacto quando se celebra a comunhão. Compreende-se o mal menor das missas transmitidas em pandemia, já praticado pela via televisiva em pré-pandemia. Intensificou-se por aí uma marcada regressão, na forma como alguns se referem à eucaristia usando essa terrível expressão: “assistir” à missa…

Por outro lado, passível de potencialidade digital, claro está, estão realidades como o acompanhamento espiritual, as reuniões comunitárias de fé e de vida, conferências temáticas, debates, catequeses, secretariado de equipas de serviço, etc. Será lamentável se não se aproveitar este embalo. O formato blended (não falamos de digitalização exclusiva) será equilibrado e permitirá respeitar os vários ritmos. Não será razoável, em pós-pandemia, fazer reuniões de cariz nacional, principalmente de secretariado, no formato virtual (pelo menos algumas vezes, senão na maioria dos casos…)? Não será interessante evitar viagens cansativas e arriscadas, principalmente no Inverno, fazendo-se a parte ou o todo de um grupo, presente não fisicamente? Pode colocar-se a questão, aqui e ali, de haver ritmos e sensibilidades diferente na tensão encontro presencial/encontro digital. Para estes dilemas sugiro o caminho salomónico, respeitador de todas as equações e estilos: quem entender como melhor estar fisicamente, assim estará. Quem entender como melhor (ou só puder assim), estará digitalmente. Estes formatos mistos presencial/digital parecem-me de enorme futuro. Hoje em dia, tecnicamente, qualquer telemóvel de gama média colocado no meio de uma mesa, capta o som do conjunto e fornece a participação de quem estiver a distância. Para eventos com mais pessoas, não será desproporcionado adquirir um microfone/emissor de maior alcance, dispositivos cada vez mais acessíveis e que otimizam a receção e emissão de som para grupos de muita gente.

Costuma ser notado, no contexto destes argumentos, o problema da infoexclusão, particularmente dos mais idosos ou desprotegidos económico-culturalmente. Sem prejuízo de ser precisa ainda alguma solidariedade cristã digital, impressionou nestes tempos a quantidade de pessoas que se superaram e apareceram on line. Mais ainda (e digo-o com experiência própria), foram lançadas e vividas oportunidades a gente do interior do país, nos mais variados lugares europeus e até do outro lado do oceano.

Pode caber aqui, em véspera de ano inaciano, o exemplo de Inácio, forçado a parar em confinamento por fraturas da vida. O seu momento Pamplona (equivalente ao nosso momento COVID…) levou-o a reformular (-se) e a reformular a vida. O essencial desta resignificação que vivemos não é a digitalização mas existirá, também no bom uso da tecnologia, uma alternativa de alavancamento.

Sim… há perigo de sofá, de quentinho, de ir pelo mais fácil. Por outro lado, via tanta gente cansada, a ir a todas… Via uma sociedade poluída, ruidosa, azafamada (mesmo com a agenda das ‘coisas de Deus’), excessivamente urbanizada… Caberá a cada um e a cada grupo ir vendo e avaliando sistemicamente tudo isto, surfando nas aprendizagens COVID. Aferir o grau blended para a bebida do grupo… ou até tomar sempre whisky quase puro! Com ânimo e alegria há que ir caminhando, com um pé na fisicalidade e outro pé no digital…

JP in Sem categoria 16 Março, 2021

porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 3, 14-21

Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele

Acreditar é um movimento perpétuo de “jás” e “ainda nãos”. É bom colocarmo-nos na Quaresma como caminho de preparação para acolher amorosamente a morte e a ressurreição de Jesus, neste ritmo de esperanças e de incertezas. Tudo aquilo que nos prejudica, em todas as dimensões da nossa vida (psicológica, corporal, social, amorosa, etc.) odeia a luz, fica no escuro. Ficar no escuro é estar escondido, é estar no lugar onde nada nem ninguém se vê, é estar no segredo. Quais as nossas áreas de maior ou menor escuridão? Quais os nossos segredos? Podemos também confrontar-nos com a evidência de que há relações familiares que são de escuridão ou de luz, relações de trabalho, de “mim comigo”, de realidade social, política local, nacional e mundial, que estão envolvidas pela luz ou pela penumbra, ou mesmo pela escuridão total. Identificar essas situações e deixar vir à luz a bondade que há em nós e nos outros é caminho de Quaresma…

JP in Espiritualidade Frases 14 Março, 2021

amizade

Um dos fios mais estruturantes da amizade é precisamente a não dependência.

JP in Frases 12 Março, 2021

contemplar-discernir-propor

Austen Ivereigh, um dos mais notáveis biógrafos do Papa Francisco, diz que este prefere, em vez da tríade ver-julgar-agir, uma outra, sob o chapéu da misericórdia, que poderia ser contemplar-discernir-propor. Percebo este andamento, menos moralista, mais gradual, mais pedagógico, mais confiante na consciência de cada um. Por vício de síntese, tomo para mim como seria interessante ver, julgar e agir, contemplando, discernindo e propondo…

JP in Sem categoria 10 Março, 2021

obrigações…

Se eu tivesse mesmo de ter uma obrigação (terei?), seria a obrigação de ser feliz.

JP in Frases 8 Março, 2021

não terás outros deuses diante de Mim

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ex 20, 1-17

não terás outros deuses diante de Mim

Em tempos de Quaresma propicia-se o Livro do Êxodo, desde logo pelo cenário dos quarenta anos de deserto que um povo em procura, como nós, se dispôs atravessar, com fé e na fé… A sugestão de ‘não ter outros deuses’ é muito mais do que teológica: quais os meus ‘outros deuses’? Poder? Reconhecimento? Segurança? Saúde? Eu próprio(a)?…

PS: Atentemos numa ideia que não raras vezes nos faz legítima confusão e que aparece no Antigo Testamento, quando são postas na boca de Deus expressões como: “Eu castigo as ofensas dos pais nos filhos”. Importa eliminar as imagens (negativas) de um Deus castigador. E Ele, de facto, não castiga! Devemos, pois, ouvir estas palavras no contexto histórico-temporal em que se inserem, na linha de uma relação “Homem-Deus” ainda imatura, que está a crescer e que vai abrindo portas para a grande revelação, que está a acontecer e que, para nós, cristãos, se dá em Jesus Cristo.

JP in Espiritualidade Frases 6 Março, 2021

trincheiras

O sublinhado explícito duma identidade ou de uma pertença (religiosa, cultural, familiar) é quase sempre exagerado… porque é uma trincheira…

JP in Frases 4 Março, 2021

desmontagem etimológica

Por vezes os alunos erram, não por desconhecerem mas por não saberem o que as palavras querem dizer… A desmontagem etimológica de muitos termos pode ser muito útil. Compreender a raiz da palavra, de onde vem, o que significa e que pontes semânticas se podem encontrar com significados conhecidos do aluno é uma arma didática poderosa e imprescindível.

JP in Educação Frases 2 Março, 2021

como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 9, 2-10

como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas

Um dos aspectos que se pode abordar do texto de Marcos é o comentário de Pedro face à transfiguração. Pedro é um homem espontâneo e convida o Mestre a permanecer ali, sugerindo a montagem de três tendas. Também nós, como Pedro, principalmente no domínio do grupo religioso, tendemos a querer montar tendas no bem bom, no quentinho da fé. Sabemos, porém, que tudo o que nos fecha não vem de Deus e que, sendo útil o conforto comunitário para crescermos na fé, somos sempre impelidos a voltarmo-nos para fora. Mas é ainda mais amplamente humana esta tendência para o conhecido, para o mero conforto, para o vislumbre infecundo, para o sofá. Está na partida, na missão, no rasgo e em certa desinstalação o nosso maior encontro…

JP in Espiritualidade Frases 28 Fevereiro, 2021