Sacerdócio feminino e paciência eclesial

Paiva, J. C. (2021). Sacerdócio feminino e paciência eclesial. Site Ponto SJ, 17-10-2021.

Disponível aqui

Não conseguiria abordar o tema do acesso feminino ao sacerdócio católico romano como assunto único. É tudo muito complexo, sistémico… e ultrapassa-me. Já julgo conseguir explicitar alguns pontos de vista se, a par do tema (e sem tabus) associar o estar em Igreja ou, melhor escrevendo, ser em Igreja. Vamos ao que interessa…

1 Não compreendo – e entendo até não conseguir adivinhar compreender no futuro – este fechamento

Os principais argumentos para eu não conseguir encontrar qualquer obstáculo plausível ao sacerdócio feminino residem em certa antropologia teológica. Neste jogo tensional entre a humanidade e Deus, só consigo vislumbrar uma redenção, uma revelação e uma ressurreição genuinamente universais. Deus é Pai por falta de palavras e conceitos melhores. Mas sabemos que é Mãe, também, e, em última análise, o vertimento amoroso divino não poderia ter peneiras de género. É claro que a realidade dos tempos em trânsito, a começar na força e superioridade anatómicas dos primeiros hominídeos machos, foi impondo uma assimetria, que ainda hoje combatemos. Mas é nos Evangelhos, sobretudo na forma como Jesus de Nazaré se abeira das mulheres (naquele tempo e naquele espaço, particularmente despromovidas) que baseio esta perceção de horizontalidade homem-mulher na proposta cristã, em todas as suas dimensões e, por isso mesmo, também na possibilidade de elas poderem animar e presidir à celebração da fé na eucaristia, bem como administrarem outros sacramentos e terem qualquer função, também estrutural e hierárquica, na Igreja Católica Romana.

Não é este o lugar para o escrutínio sistemático do ponto a que chegamos. Mas a teia argumentatória que abafa anda pelo facto de Jesus só ter tido discípulos mais chegados homens (o que é objetivamente discutível mas, mais relevante ainda, qualquer extrapolação histórica desta índole é ingénua). Ouve e lê-se, também, que para ‘cristificar’ (na eucaristia, por exemplo) teria que se ser homem, como Cristo… Mas um cristianismo profundo, me parece, reconhece o género masculino de Jesus como um “acidente antropológico”. Parece-me que há ainda um baseamento do sacerdócio excessivamente agregado ao sacerdócio milenar pré-cristão, o que não ajuda à emancipação que os nossos tempos demandam.

Há algumas pessoas que me acompanham, pelo menos em parte, no raciocínio interior, invocando, porém, que certa tradição não favorece caminhos de abertura. Eu julgo compreender o valor da tradição, a marca de novidade na continuidade com que se tece a Igreja e a própria proposta cristã. Mas tradição e fechamento, no meu entender, jogam mal. Se a tradição for para fechar e defender, superando a razão e os sinais dos tempos, não consigo acolher.

Tropeço também em argumentos de unidade católica, evidenciando a diferença entre as várias culturas e localidades onde a Igreja está implementada e onde o papel da mulher tem as mais variadas matizes. Compreendo essa diversidade, mas parece-me insuficiente para fechar o diálogo. Os embalos do Concílio Vaticano II (também ele, no meu entender, gérmen não explicito para outro papel feminino na Igreja…) fomentariam uma diversidade na unidade, capaz de dar aos Bispos, em leituras locais contextualizadas, ensaios de maior pendor feminino no seio da Igreja.

É bom clarificar que o facto de termos mulheres a poder presidir à eucaristia, por exemplo, traria mais oportunidades de muitos fiéis (e não é só na Amazónia…) terem acesso a esse sacramento tão fecundo de nos alimentarmos na Fé, para alimentarmos o mundo. Mas, se este artigo fosse um teorema, esta ampliação da oportunidade pastoral e sacramental seria só um corolário, em certo sentido, contingente, temporal e circunstancial. O(s) motivo(s) maior(s) é muito mais cristãmente essencial e amplo…

2- Assim como na ciência e religião…

O caminho que fiz até aqui, a este propósito, tem muito a ver com o diálogo ciência e religião. Parece distante, mas explico: sou um ignorante vindo do mundo das ciências. Talvez por ser químico (que é a ciência das misturas e é epistemologicamente uma disciplina que é muito quase-utilitarista de outras áreas do saber), li algumas coisas e falei com muita gente, principalmente do lado da teologia e da filosofia, para construir um edifício que me fosse coerente no que diz respeito à compatibilidade entre ciência e religião. Embora continuando (mais) ignorante, este exercício corrigiu-me em relação a alguns aspetos sobre a natureza da própria ciência, mas, mais importante ainda, devolveu-me como num bumerangue, resignificações religiosas. Baseei-me em gente ora mais, ora menos suspeita (Chardin, Rahner, Kung, Ratzinguer, Queiruga, Buber, Polkinghorne, Newman, Barbour, Vallina, etc). Nenhuma destas fontes me inspirou diretamente para uma fundamentação favorável ao sacerdócio feminino… mas (aqui está a nuance…) as bases que fui edificando para o exercício de tal compatibilidade entre ciência e religião, e que incluem a não ultrapassagem da razão pela fé, a não literalidade bíblica, o entendimento das Escrituras como livros de revelação e não de explicações, bem como a abertura do espírito e da mente para ler as evidências, entre outras, cairiam como castelos de cartas se fossem tecidas com argumentações congéneres, como as que escuto e leio para fundamentar o fechamento ao acesso sacerdotal das mulheres. A abertura que precisei aqui (ciência e religião) seria uma absoluto buraco negro, se eu usasse pressupostos da ordem dos que se me têm cruzado no contexto da problemática associada ao protagonismo feminino na Igreja Católica Romana… Dito ainda de outra forma: quando me é apresentado um argumento favorável ao fechamento das mulheres ao sacerdócio eu tendo quase sempre a poder elaborar que, se fosse ter tal tipo de condição em conta, no que diz respeito ao diálogo ciência-religião, rigidificaria a argumentação e acabaria num reduto onde não desejo estar: ciência e religião seriam incompatíveis.

3- Mas porque permaneces?

É sabido que, neste momento, na Igreja Católica Romana, o tema do acesso ao sacerdócio por mulheres é um não-tema, assumidamente encerrado para discussão. Na senda de João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco (neste último caso, intuo, como preço de certa sinodalidade e não personalização do poder como serviço), o assunto está fechado… e nem sequer fechado para balanço… Tenho alguma repugnância intelectual pelos fechamentos intrínsecos. O terreno do exercício científico, que tem, no meu entender, sementes de judaico-cristianismo evidentes, habituou-me à abertura como forma de estar, ao estímulo crítico e à positiva provisoriedade das verdades científicas. Admito certos dogmas (certas boias) no que à fé diz respeito. “Deus é amor”, por exemplo, não é verdade que pretenda relativizar e destilar, mas tão só, em fé, acolher e viver. Só que “as mulheres não podem aceder ao sacerdócio” é de uma outra ordem e não merece, definitivamente, o selo de dogma inegociável, nem o estaticismo que a Igreja hierárquica lhe está a conferir… Em síntese, nesta reflexão, são duas, as setas críticas: a não abertura ao sacerdócio feminino e a opção de não abrir o diálogo interno sobre essa mesma circunstância.

Há pouco tempo, fui perguntado num grupo alargado de jovens sobre este assunto. Depois de exprimir o meu ponto de vista, alguém, percebendo o meu sentido crítico e até algum incómodo, perguntou-me porque permanecia na Igreja Católica, discordando deste (como de outros, acrescento eu) dinamismos ou bloqueios semelhantes. A crença vivida na comunhão, mais do que no poder e a prevalência da paz sobre a razão, como ouvi recentemente serem propósitos de alguém que celebrava a vida, inspiram-me à permanência…

Convém também clarificar que esta contenda tem um lado não essencial. Isto é, sem escamotear que os estado das coisas (no duplo sentido de fechamento antropológico e de fechamento dialogante) projeta, no meu entender, carências e incompletudes da Igreja, não é uma crucialidade do meu ser Cristão. Mais ainda, seria ingénuo pensar que, embora desejável, no que a mim diz respeito, mais abertura neste âmbito, resolveria as questões mais estruturais do cristianismo. Julgo que se eu fosse mulher, nada mudaria a respeito da colocação que acabo de expressar. Até porque tudo isto não se coloca a nível do ‘direito ao sacerdócio’, que é em si próprio uma antítese e uma enviesada porta de entrada. O que está em causa – que eu lamento como impossibilidade – seria um encontro para um serviço (nunca um direito). E todos os serviços se propõe e não impõe e muitas vezes é preciso esperar para que sejam acolhidos como uma possibilidade real. A essa espera me sujeito…

4- É sempre e só um ponto de vista, o (curto) meu…

Fica para outra abordagem um tema congénere no espaço público, o do acesso ao sacerdócio de homens casados. Aqui o tema é menos complexo e com facilidade dispensa a reflexão antropológica e teológica, conseguindo-se certa redução a um contexto de problema meramente disciplinar. Intuo que poderei morrer antes ainda da Igreja Católica Romana admitir no seu seio o sacerdócio de homens casados (não religiosos, o que é e será sempre um caso à parte). Mas não mulheres, muito menos mulheres casadas. Talvez não veja, pelo andar da carruagem, tal cenário vivo e implementado nestes anos mais em que poderei ter oportunidade de existir no planeta Terra. Admito e espero, contudo, ao menos, ver em crescendo a relevância da mulher na Igreja, incluindo, de forma óbvia e objetiva, nos seus centros decisórios de poder (de serviço pelo poder, melhor dizendo).

Importa-me ir refletindo o meu posicionamento em todo este dinamismo e os benefícios e prejuízos que o status quo sobre a matéria, neste momento específico da história da Igreja e do mundo, assinalam. Dou graças a Deus por poder expressar (-me), incluindo num meio de comunicação da Igreja católica (o Ponto SJ), de forma aberta e declarada. O que aqui escrevo, convicto mas ao mesmo tempo inseguro, é um imperativo de honestidade intelectual, que, nas minhas limitações, entendo radicado no Evangelho e nas portas universais que a Boa-Nova-de-todos-e-para-todos encerra. Mas é só um ponto de vista, é só a vista a partir de um certo ponto, o meu… Importa-me mais ‘o nosso’, que nem a força nem o poder imporão. Então faz-se caminho e eu aceito esse (lento) caminhar… A vida de fé é, em si mesma, uma espera paciente por um horizonte a que se aspira, que já se vislumbra, mas que ainda não se pode abarcar na totalidade. Se ser Igreja for um caminho comunitário de fé, como julgo ser, pede-me também esta paciência eclesial. No tempo que vivemos, posso até não me calar, e permaneço livre, alegre e pacientemente neste corpo de que quero tomar parte…

JP in Sem categoria 18 Outubro, 2021

«a Terra está cheia da bondade do Senhor»

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se o Salmo 32

«A Terra está cheia da bondade do Senhor»

Sermos capazes de ver e saborear as coisas boas é um elemento fundamental do nosso crescimento espiritual. Os Santos, em particular, são contemplativos, isto é, tentam ver com os olhos de Deus. Podemos olhar a nossa vida, os outros, a História, as situações e a Terra, salientando no que vemos “a bondade do Senhor”, conforme as palavras do Salmo. Não somos ingénuos e sabemos da existência do mal, dentro e fora de nós. Mas não conseguimos caminhar sem “atestar o depósito” da alegria, com a “bondade do Senhor”. Há uma palavra curiosa, neste contexto, que se pode convocar: a “abundancialidade” (da criação contínua…).

PS: Há uma linguagem própria das escrituras e da religiosidade, que pode precisar de resignificação. A expressão “Senhor”, por exemplo, pode ser encarada e vivida espiritualmente como um caminho de recentramento no que é essencial, num “qualquer coisa Outro” (O Senhor – amoroso), que não eu próprio…

JP in Espiritualidade Textos 16 Outubro, 2021

Deus e o Homem

É longa e ampla a tensão entre Deus e o Homem, entre o Cristo Homem e o Cristo Deus. Percebo a necessidade mística mas tenho receio dos seus exageros, incluindo em mim próprio. É que na procura do Eu Absoluto o Homem não pode esquecer que, se vivencia Deus, o faz dentro de si mesmo, não em Deus, mas, por Sua ação e graça, no próprio Homem.

JP in Espiritualidade Frases 14 Outubro, 2021

decepção…

A decepção é garantida para quem alimenta expectativas de mãos cheias. Depois de alcançarmos os pequenos sonhos, todos o experimentamos, nasce em nós uma estranha ilusão.

JP in Frases 12 Outubro, 2021

«vende o que tens e segue-Me»

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se o texto Mc 10, 17-30

«Vende o que tens e segue-Me»

O repto lançado por Jesus ao jovem rico é, também hoje, lançado a cada um de nós. Ao cristão que se encanta e se aproxima de Jesus, querendo segui-Lo, é sempre pedido mais, como convite de liberdade e não como jugo pesado. As riquezas de que fala Jesus não representam essencialmente, embora também, o dinheiro e as coisas. Temos riquezas quando estamos cheios: de objetos, de projetos, de instintos possessivos, de nós mesmos. E alguém cheio de coisas dificilmente passa por uma porta estreita. O sentido espiritual da entrega é ‘o depósito’ do nosso jugo no colo de Deus, deixando-nos leves para o amor. Para este exercício, há que praticar o verbo largar…

JP in Espiritualidade Textos 10 Outubro, 2021

exame de consciência

O exame de consciência ganha asas e sentido quando foge da auto- referenciação e se inscreve num dinamismo de oração. Isto é, olhar para mim na medida exata de um Deus que nos olha amorosamente, por dentro e por fora…

JP in Espiritualidade 8 Outubro, 2021

AGUENTAR: um verbo tramado em Igreja…

Paiva, J. C. (2021). AGUENTAR: um verbo tramado em Igreja… Site Ponto SJ, 24-09-2021.

Disponível aqui

Tenho simpatia pelo verbo aguentar. A vida, a nossa vida e a vida de cada um de nós, é feita, não só mas também, de muitos “aguentamentos”. Aguentar é permanecer, é ficar quando o vento sopra. É tolerar a tempestade e, por ligação à rocha, manter-se em pé. Jesus de Nazaré, aguentou, e aguentou até à cruz.

MAS (trata-se de um grande mas…) estamos sujeitos a abusar deste verbo. Quando olho a Igreja que somos, neste tempo e neste espaço, pergunto-me se não estamos excessivamente focados (ou tapados?) no verbo aguentar. Este aguentar (para não perder, para não mexer, para deixar estar… a ver se aguenta…), pode implicar derrocadas, entre hoje e, sobretudo, amanhã. Perdas não só de abrigo, como de fundação. Existe uma expressão popular que aqui e ali assenta como uma luva nas atitudes que tendemos a ter face a certos desafios eclesiais: “atirar com a barriga para a frente”, esse deixar correr que adia a decisão corajosa.

A Igreja encontra-se numa encruzilhada muito original, que a crise pandémica agudizou ou exibiu em maior extensão e profundidade. Há neblina sobre o próprio devir eclesial. Apesar dos esforços evidentes e fecundos do Papa Francisco, colocando em andamento as inspirações do concilio Vaticano II, há resistências, principalmente internas, que minam a ação. Mesmo as pessoas que entendem estarmos num tempo novo e face a novos desafios, carregam a pressão dessa reatividade resistente, e impera o receio de arriscar e a falta de coragem, preferindo-se…aguentar. Há dois vírus que a Igreja carrega ao longo do tempo, que serviram para aguentar, mas que, tão feliz quando dramaticamente, se estão a tornar insuportáveis: o medo e o controlo.

Alinho abaixo alguns (apenas alguns) aspetos da nossa Igreja que, em muitos cenários e horizontes, me parecem estar a ser encarados com demasiado ‘aguentamento’. O elenco poderia ser mais vasto e é aqui apresentado telegraficamente, sendo que seria merecido, em momento ulterior, aprofundar cada um dos itens:

1.Uma catequese com modelos pedagógicos falidos
Os modelos catequéticos “curriculares”, mimetizando a escolaridade, com a tríade batismo/primeira(ou última?) comunhão/crisma terão mesmo de ser questionados. A aproximação mecânica das famílias a este modelo tem gerado infecundidades gritantes. Fazer o mesmo porque sempre se fez assim é radicalmente insuficiente.

2. Uma “concorrência” feroz para proporcionar encontros com odor de Evangelho, principalmente aos mais novos
Como uma quase fatalidade, é hoje dramaticamente desafiante oferecer alternativas a tantas possibilidades de encontros que se geram fora do espaço tradicional da Igreja. É certo que o lugar da Igreja é o mundo, mas as ofertas que este tempo coloca no horizonte, incluindo nas redes sociais, torna tudo muito mais complexo.

3. Um dinamismo celebrativo à espera de mais rasgo, beleza, silêncio e simplicidade
Há um espaço tensional nas celebrações católicas romanas. Uma rica tradição, que não se pode perder, é muitas vezes, vivida com defensividade, como se manter tudo na mesma fosse sinal de conservar. Há que reconciliar esse embalo milenar positivo com a renovação necessária, também na festa da missa. A simplificação litúrgica, em particular, potenciada com dinamismos mais horizontais e momentos de silêncio, menos centrados em quem preside, são caminhos menos percorridos.

4. Um clericalismo teimoso, de muitos clérigos e leigos
São muito persistentes os sinais de clericalismo, na consciência interna e na ação eclesial de muitos de nós. Um dos aspetos gritantes é a forma típica como se responde à falta de padres ou à situação (frequente, como sabemos) de padres desajustados a certa realidade paroquial/pastoral. O ‘tique’ mais típico é “partir padres ao meio”. Muitas vezes, nas (não) decisões, pondera-se mais o padre em si (onde vamos colocar este sacerdote?) do que a comunidade no seu todo. São radicalmente tímidas as iniciativas de promover a liderança laical de comunidades, com novos enquadramentos de garantia de unidade aos Bispos e ao Papa.

5. Uma sinodalidade duvidosa, onde a escuta se arrisca a ser um procedimento estéril
Não há forma de se ser Igreja, hoje, senão em chave sinodal. Promover uma escuta efetiva de todos e para todos, que tenha depois contra-feedback, reflexão desapegada, “amassamento” dos contributos no Espírito, caminhos e ação. De Roma, nos nossos tempos, aparecem, felizmente, gritos fortes de desejo sinodal. Alguns, mais longe dali, resistem a dar valor a este (único) estilo de ser Igreja.

6. Falta de iniciativas e experiências originais
Seria bom que os bispos usassem da liberdade de ensaiar e as comunidades, por sua vez, tivessem liberdade para essas mesmas iniciativas. Seriam processos, janelas, pequenas respostas, insights vertidos no tempo e no espaço… que depois, claro está, teriam a respetiva avaliação e eventual reformulação/replicação.

Disse no início desta reflexão que Jesus de Nazaré, aguentou, e aguentou até à cruz. No alinhamento do que as palavras foram tecendo, prefiro terminar assim: Jesus de Nazaré, que foi até à cruz, amou e ama, abriu e abre janelas de luz e de esperança. Mas encarnou para amar, não para aguentar. Aguentar é um meio (não o fim) do sonho de Deus maior: a liberdade do próprio amor. Para isto existimos. A Igreja existe para proporcionar este encontro de todos com a livre liberdade do amor. Para construir essa Igreja não podemos deixar de olhar com esperança a abundância que semeia em todo o lugar. Mas cabe-nos um trabalho e fazer render talentos de mudança criativa. Aguentar, definitivamente, é excessivamente defensivo e insuficiente!

JP in Sem categoria 4 Outubro, 2021

«não separe o homem o que Deus uniu»

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se o texto Mc 10, 2-16

«Não separe o homem o que Deus uniu»

Uma reflexão sobre o casamento e a proposta católica: o apontamento para a indissolubilidade do matrimónio religioso (um conceito de insinuação química, por sinal…) parece-me um tesouro a guardar, um convite a manter e um processo a trabalhar continuamente, também pelo valor antropológico, cristão e sociológico que contém.

Acontece que, como muitas propostas evangélicas, trata-se de algo libertador mas exigente e radical. Muitos casamentos católicos podem não ter sido devidamente entendidos e vivenciados (era bom criar as condições de acesso pleno e popular a uma eventual declaração de nulidade). Ou as possibilidades reais, de cada um, dos dois, do acumular de circunstâncias e fragilidades, podem ter-se tornado insuportáveis. Chegados a esse ponto (não inócuo, para todos), em todo o caso tentando não banalizar, vulgarizar e ‘saltitar’, importa mais, à boa maneira de Cristo, o potencial de crescimento e recomeço do que o martírio culpabilístico, legalista e excluidor. A Igreja, sinal do amor de Cristo no mundo, é convidada a ajudar a ‘fazer as malas’, avaliar criticamente, amparar, acolher e estabelecer bases (elas próprias exigentes e carentes de trabalho interior e relacional) para efetivos recomeços integrativos.

JP in Espiritualidade Textos 2 Outubro, 2021

um credo…

creio num Deus

que vou tateando.

Que sabe apenas

criar e amar.

Que se toca

… e que toca

… e se deixa tocar.

Que caminha

… caminhando.

Que cria, amando

… e que ama, criando.

Fornos, setembro 2019

JP in Espiritualidade Poemas 30 Setembro, 2021