deixa-a ficar ainda este ano, que eu vou cavar em volta e deitar-lhe estrume. Talvez assim dê fruto.

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 13, 1-9

“Deixa-a ficar ainda este ano, que eu vou cavar em volta e deitar-lhe estrume. Talvez assim dê fruto”

O cerne desta passagem do Evangelho é a oportunidade. A constante e quase desconcertante oportunidade… Na dimensão espiritual é oportunidade que Deus sempre dá à humanidade e a cada um de nós. A natureza é prodigiosa em reproduzir os ciclos de vida humana… e divina. Há anos em que as árvores não dão frutos. Mas com oportunidade, paciência, trabalho e dedicação – talvez com confiança, também… – o fruto pode aparecer numa Primavera que virá. A convocatória é sempre para o treino da espera, para o treino da esperança… A Criação é contida no arrancar as figueiras que somos da oportunidade do tempo que se enraíza na Terra…

DOMINGO III DA QUARESMA



L1: Ex 3, 1-8a. 13-15; Sal 102 (103), 1-2. 3-4. 6-7. 8 e 11
L2: 1 Cor 10, 1-6. 10-12
Ev: Lc 13, 1-9

JP in Sem categoria 20 Março, 2022

em processo…

Gosto de pedir emprestado a Whitehead a sua máxima de “Deus em processo”. Talvez por isso, sempre que posso, evito chamar o Deus omnipotente e privilegio o Deus omnitransformante…

JP in Espiritualidade Frases 18 Março, 2022

silêncio de Deus e surdez humana…

Compreendem-se, nos planos teológico e místico, as invocações ao ‘silêncio de Deus’. Também a vida crente se depara com essa metáfora. O que há que averiguar, contudo, é se é silêncio de Deus ou se é surdez humana…

JP in Espiritualidade Frases 14 Março, 2022

enquanto orava, alterou-se o aspecto do Seu rosto

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 9, 28b-36

«Enquanto orava, alterou-se o aspecto do Seu rosto»

A transfiguração de Jesus é algo que fascina e perturba os Seus companheiros, como nos fascina e perturba também a nós. A transfiguração simboliza uma passagem, uma ponte, uma Páscoa, entre o provisório e o definitivo, entre o humano e o divino, entre “o hoje” e “o sempre”, de alguma forma, entre a transcendência e imanência. Uma ideia que podemos levar para a vida, é o entendimento de que vivemos para, também nós, nos transfigurarmos. Pelo amor, pela forma como olhamos e vivemos, cada um de nós se vai transfigurando e vai sendo ator da transfiguração do mundo, querida e sonhada por Deus…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO II DA QUARESMA


L1: Gen 15, 5-12. 17-18; Sal 26 (27), 1. 7-8. 9abc. 13-14
L2: Filip 3, 17 – 4, 1 ou Filip 3, 20 – 4, 1
Ev: Lc 9, 28b-36

JP in Sem categoria 12 Março, 2022

o homem, a máquina e Deus

A inteligência artificial, os super-computadores e as biomáquinas estão aí. Até que ponto passarão a fazer cada vez mais parte da nossa identidade de seres humanos? Até que ponto se dará a fusão entre máquinas e seres humanos? Poderão as máquinas inteligentes do futuro ter consciência? Poderão ajudar-nos a resolver, mais facilmente do que agora acontece, não apenas complexos cálculos matemáticos, mas complexos dilemas éticos? Perguntarão, como nós, qual o sentido profundo e fundamental do universo e da vida? Quererão saber se existe Deus? Quererão relacionar-se com Ele? Poderão encontrar uma prova da sua existência? Poderá parecer que todas estas questões pertencem ao reino da ficção, que nunca se tornará realidade. Se, porém, considerarmos que o universo e a vida continuam a evoluir e que Deus continua a criá-los, quem somos nós para decidir o que Deus, através dos homens (mais ou menos apoiados tecnologicamente), criará no futuro?…

JP in Ciência 10 Março, 2022

diálogo como teofania

O diálogo pode ser um verdadeiro encontro com a plenitude, uma teofania. Talvez por isso, também por isso, o diálogo inter-religioso não é um apêndice facultativo da teologia que temos à nossa mercê: esse diálogo é, verdadeiramente, um fecundíssimo lugar teológico!

JP in Espiritualidade Frases 8 Março, 2022

esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 4, 113

«Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado»

Em início de tempo de Quaresma (preparação para a Páscoa), somos confrontados com as tentações ocorridas no deserto da vida de Jesus. Ele experimenta com forte intensidade os convites tentadores à honra, ao poder e à glória. Como cada um de nós… Mais do que na interioridade, na intelectualidade e nos sonhos (embora também importe), é no quotidiano que estes desertos se nos deparam, quando queremos ser reconhecidos forçadamente, quando queremos ‘mandar’, quando queremos ser o centro. A preparação para a grande ponte (entre a morte e a vida), que é a Páscoa, carece desta consciência de deserto, o deserto da nossa auto-centralidade…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO I DA QUARESMA


L1: Deut 26, 4-10; Sal 90 (91), 1-2. 10-11. 12-13. 14-15
L2: Rom 10, 8-13
Ev: Lc 4, 1-13

JP in Sem categoria 6 Março, 2022

ouro e pedra

Para a cultura yoga o desapego material expressa-se em ideias como a possibilidade de atingir a sensação plena e vivida de que o ouro não vale mais do que uma pedra. Inspirador…

JP in Espiritualidade Frases 4 Março, 2022

Hoje só posso escrever sobre a guerra e a esperança…

Paiva, J. C. (2022). Hoje só posso escrever sobre a guerra e a esperança… Site Ponto SJ, 28-02-2022.

Disponível aqui

Tinha, em versão preliminar, um conjunto de reflexões escritas para o ponto sj, mas são agora minudências eclesiais… Vão ficar para mais tarde, até porque poderão mudar de sentido.

Os desafios em cima da mesa são muitos, novos e enormes. Mesmo no cenário mais otimista de desfecho rápido da invasão e do fim da guerra, o mundo, a Europa, o nosso país, a Igreja e todos nós estaremos diante de uma nova realidade, que vai pedir novas perguntas e novas e exigentes respostas.

É verdade que para alguns de nós, o sempre novo e a sempre nova resposta é o Evangelho. A fragilidade aguda, a crueldade humana no seu expoente maior, a dor, o desespero e a morte, terão sempre, em chave cristã, um paradoxal apontamento para a esperança e para a essencialidade do Amor. Porém, sucederam-me, depois de uma espécie de congelamento atónito naquele (futuramente histórico) dia de 24 de fevereiro de 2022, alguns apontamentos não sistemáticos, que partilho despretenciosamente:

1 – O mundo vai mudar muito

É inevitável. Se amanhã o exército russo recuar ou houver uma degradação interna da Rússia (a minha esperança maior, apesar de tudo, quiçá alavancada pelas Mães dos soldados…), o mundo já não é nem ficará o que era. É preciso que Put(-)in (não se escamoteie a sua crucial responsabilidade) seja put-out e ninguém sabe como tal vai acontecer. O primado da desconfiança prudente entre os povos ganhará novos contornos e um novo ciclo histórico, de consequências imprevisíveis, acontecerá. A leitura do passado e até as intuições do presente, remetem-nos para lições que se retiram dos conflitos, mas o balanço da guerra, sejamos realistas, será sempre negativo e brutal. Se somos cada vez mais, em todo o lugar e em todo o momento, cidadãos ligados e em comunicação, então a mudança geopolítica será uma mudança também em cada comunidade e em cada pessoa. Os ciclos da história apontam-nos para uma ainda maior fragilização dos mais frágeis, assim como com a pandemia, mormente ainda com a guerra.

2 – Quanto mais lento o fim da guerra, mais prejuízo sócio-económico

Já se adivinham as consequências desta guerra no plano económico-social. Os efeitos boomerang das sanções económicas e o elevado custo da energia vão fazer disparar preços e tornar os pobres mais pobres. Há ainda um impacto indireto, de médio longo prazo, que me parece incontornável: haverá algum sentido crítico sobre o gasto dos estados mais desenvolvidos nos dinamismos de proteção social, em comparação com outras dimensões, como a da segurança. Do ponto de vista político, será muito provável assistir a deslocação de verbas de pensões sociais e outras rubricas de promoção humanista para segurança e defesa. Quanto mais tempo durar a guerra, mais estas tendências se intensificam. Não sendo nem óbvio nem desejável, o envolvimento bélico de países da NATO traria esta preocupação para escalas absolutamente desesperantes.

3 – A solidariedade sustentável como caminho

A solidariedade, desde logo por mandato evangélico, mas de convocatória generalista e humanista, vai tornar-se ainda mais urgente. Esta é uma oportunidade de fraternidade que funciona como avesso do hiperconflito à escala global. Convirá somar à positiva emocionalidade do espírito de compaixão e partilha uma efetiva sustentabilidade, racionalidade e operacionalidade do que vai importar empreender. A sociedade civil, o estado e as forças regionais deverão harmonizar-se e apostar na planificação inteligente de todas estas novas demandas. Passarão numa primeira instância pelo acolhimento dos cidadãos ucranianos que nos chegarem (esteve irrepreensível, a este propósito, o primeiro-ministro de Portugal – não levou o meu voto nas últimas eleições, mas leva sem hesitação um rasgado elogio na sua ação e intervenção nesta crise). Mas rapidamente a malha de acolhimento dos mais desfavorecidos vai ser convocada para todos os cidadãos – que serão mais – em fragilidade social. A Igreja e as instituições a ela ligadas, com enraizada e efetiva ação a este nível em Portugal, serão convocadas a fazer ainda mais e melhor.

4 – Novos olhares sobre a segurança

Há uns tempos manifestei a alguém uma opinião muito pessoal, mais ou menos nestes termos: “eu, que fiz a tropa e não a acho tão má como a pintam, via com bons olhos o serviço militar (ou cívico) obrigatório em Portugal. A minha motivação prende-se com certa educação social para a privação, a obediência e o sentido de pertença comum das novas gerações. Mas sei que não há condições eleitorais para propor isso”. Pois muito bem, retiro o que disse na última parte. Antevejo nova revalorização de toda a relevância militar que espero, agora, não se torne também excessiva e desproporcionada, como se de um 8 para 80 se pudesse tratar…

Há uma importante reflexão a (re)fazer sobre a designada “guerra justa”, triangularizadora da política, da justiça e das religiões. Já estava na ordem do dia, mas poderá ganhar mais valor.

5 – Algumas oportunidades para a valorização do lado espiritual da vida humana

Somos seres espirituais, independentemente da manifestação religiosa de cada um e de cada povo. A fragilidade humana, mais privada ou mais coletiva, convoca sempre esta dimensão, reduto de interioridade, de refúgio, de encontro e de sentido. As religiões, por outro lado, poderão ser reconvocadas para (ainda mais) protagonismos de diálogo e de paz. A ida do Papa Francisco ao embaixador da Rússia em Roma (em vez de o mandar chamar, como é prática diplomática), no seu pé titubeante, é, por si só, um gesto de paz, pleno de simbolismo e sentido.

É límpido, também hoje e principalmente hoje, que só o amor é a resposta. Nesta circunstância, qualquer um de nós tenderá a sacudir os seus lados mais fúteis. Sem relevar o impacto brutal, aos mais variados níveis, daquilo que está a acontecer, particularmente para os atores da guerra no terreno, sejam ucranianos ou russos, situamo-nos diante da fragilidade aguda e da morte. Como a vida nos foi ensinando, face a outras (mais pequenas) mortes: não há alternativa existencial a viver acreditando e a acreditar vivendo que o sofrimento não é a última palavra. A nossa resposta, a nossa oração, a nossa vida (que continua…), a nossa ação, serão, hoje como ontem e amanhã, as mesmas de outras guerras. Para onde iremos, Senhor do amor, se só tu tens palavras de vida?…

JP in Sem categoria 2 Março, 2022