Açambarcamento digital…
Artigo no Jornal Observador em 22 de março de 2020, que pode aceder aqui.
Covid19 e estrangulamento das vias digitais: é urgente sensibilização, campanhas e normas para o teletrabalho
Se as crises são oportunidades, a otimização dos procedimentos digitais é uma delas. O seu uso com critério salvará a sua causa. O seu abuso descontrolado e desregulado, arruinará as suas promessas!
Nesta crise que nos pode fazer crescer, pessoal e civilizacionalmente, começamos a ter algum tempo para nos dedicarmos, seletivamente, a problemas novos sem receita, de hoje e de amanhã.
Fruto de alguma reflexão, mas principalmente da experiência quotidiana, começam a emergir agudos problemas com a largura de banda e são óbvios os estrangulamentos de sinal.
Na Universidade do Porto, onde leciono, estão a ser implementados de forma massificada estilos de aprendizagem mediados digitalmente. Há alguns anos que a nossa universidade vem apostando no que genericamente se designa por e-learning e é impressionante notar a prontidão com que a nossa instituição promoveu os meios e a formação dos docentes, a este nível. Hoje mesmo fomos confrontados com a possibilidade legal de realizar provas de mestrado e doutoramento on-line, o que será ótimo para darmos continuidade à nossa docência e atenuarmos os danos deste retiro forçado. Na segunda-feira próxima, em particular, começarão de forma ainda mais acentuada as aulas on line.
Em paralelo sei bem que outras universidades e todas as escolas de todos os níveis de ensino se preparam para generalizar o ensino-aprendizagem à distância. Outras instituições, em dinamismos de teletrabalho, estão mais ou menos em prontidão para prestar muitos serviços.
Há muitos constrangimentos associados a este desafio, desde a formação dos docentes à reatividade de alguns aprendentes, passando por eventuais injustiças devido a grande variabilidade e democraticidade dos acessos a recursos. Mas intuo que será outro o problema principal, precisamente o estrangulamento da internet.
Podemos e devemos antecipar-nos e, em paralelo e por vários caminhos, criar condições de priorizar para “servir serviços”, todos os dinamismos digitais, no horário de expediente das 9h às 18, em dias úteis:
- Apesar da dificuldade técnica de verificar a sua implementação, decretar a proibição de acesso por via digital, dentro do horário de expediente determinado, a plataformas lúdicas que incluam práticas como download de filmes, jogos, redes sociais de comunicação com ficheiros pesados, etc..
- Pedir a algumas empresas que ajudem técnica e comunicacionalmente neste desiderato (a Netflix e outras plataformas congéneres já estão a baixar a resolução de alguns recursos mas é tudo ainda muito insuficiente).
- Implementar campanhas publicitárias de promoção desta causa. Poderiam seguir um slogan do tipo “liberta a rede para servir” e ter até algum dramatismo em algumas frentes comunicacionais (por exemplo, “enquanto fazes o download de um filme, falha a comunicação digital num hospital e perde-se uma vida”).
- Valorizar e incentivar as pessoas a procurarem momentos lúdicos com recursos ora mais clássicos (como jogos de tabuleiro ou livros) ora off line (DVDs, discos duros locais, etc)
- Outras medidas técnicas de gestão de redes que consigam mitigar esta problemática.
Sem estas e outras medidas haverá, com toda a certeza, a fragilização decepcionante de uma potencialidade enorme oferecida pela mediação digital nas suas virtudes de atenuar os impactos desta crise e até de promover práticas mais humanizantes, com enorme futuro. Se as crises são oportunidades, a otimização dos procedimentos digitais é uma delas. O seu uso com critério salvará a sua causa. O seu abuso descontrolado e desregulado, arruinará as suas promessas!