Concentremo-nos em cinco tipos de átomos: hidrogénio, carbono, nitrogénio (azoto), oxigénio e fósforo. Estes são os átomos constituintes da “mais prodigiosa molécula do mundo”, o DNA (ácido desoxirribonucleico). Esta moléculaorgânica, com uma estrutura em hélice, existe no núcleo das nossas células e tem associada as instruções genéticas que nos constituem.
O DNA, juntamente com o RNA (ácido ribonucleico), constituem os ácidos nucleicos. Os nossos tão falados genes são sequências específicas nestes compostos. Os seres humanos possuem cerca de vinte mil tipos de genes diferentes. O conhecimento detalhado da complexa informação hereditária dos nossos genes é uma conquista do século XXI e dá pelo nome de genoma humano. O nosso genoma é constituído por vinte e três pares de cromossomas, contendo, cada um, uma multiplicidade de genes.
Quase irónico e de inspiração evolutiva, é o facto do nosso genoma diferir apenas em 1% do genoma do chimpanzé. Com ratos e cavalos a situação não é muito diferente: partilhamos a grande maioria do património genético com estas espécies animais.
É certo que 99,9% do meu genoma é igual ao genoma do leitor (por isso somos humanos) mas nas diferenças existentes nos restantes 0,1% estão as nossas singularidades: desde a cor dos olhos, à propensão para certa doença ou até a algum ‘mau feitio’…
Em rigor, não deveríamos falar no genoma humano (singular). É certo que 99,9% do meu genoma é igual ao genoma do leitor (por isso somos humanos) mas nas diferenças existentes nos restantes 0,1% estão as nossas singularidades: desde a cor dos olhos, à propensão para certa doença ou até a algum ‘mau feitio’…
As muitíssimas combinações possíveis de DNA justificam o florescimento de empresas farmacêuticas a investir milhões de euros em dados genéticos. A ideia é criar novos medicamentos, mais seletivos e eficazes, com menos efeitos secundários e mais sensíveis ao complexo mas real contexto genético da maioria das patologias. Segundo notícia recente do jornal Público “milhões de pessoas pagam testes caseiros para conhecer a sua ascendência ou riscos de saúde e os dados genéticos estão a tornar-se um recurso cada vez mais valioso para os fabricantes de medicamentos, que estão a desencadear uma corrida para criar um mercado de DNA”. No contexto da chamada quarta revolução industrial, compreende-se o florescimento de competências e profissões relacionadas com o tratamento exaustivo de muitos dados (big data) e adivinha-se que muitos médicos do futuro sejam confundidos ou coadjuvados com “analistas de dados”…
Somos fortemente dependentes dos nossos genes! Isto é verdade no plano filogenético, que diz respeito à evolução da espécie humana ao longo de milhares de anos e no plano ontogenético, que se refere ao nosso dinamismo desde que somos formados no ventre materno até à nossa morte. É curiosa a investigação que se realiza na tentativa de compreender melhor a relação da própria genética com o meio, com as relações bióticas e sociais (fala-se em epigenes). A bem dizer, embora uma única geração humana seja insuficiente para observar grandes mutações, toda a genética é, ela própria, muito dinâmica.
A dependência que temos dos nossos genes coloca a questão metafísica da nossa própria liberdade. Há uma (boa) parte da nossa vida que não está nas nossas mãos. Além dos genes, somos fortemente marcados pelas aprendizagens e interações sociais, concretamente na nossa família. Concentremo-nos aqui, num olhar reconhecido mas critico do nosso seio familiar.
O nosso ambiente familiar, por mais complexo que seja, merece-nos sempre consideração, reconhecimento e valorização. Mas é imperioso, assim como no património genético, não sermos reféns dos modelos que recebemos. Sabemos como é venenosa na conjugalidade a imaculação dos ambientes familiares de origem que cada um dos cônjuges leva para o casamento (“não digas mal da minha mãezinha…”). A tendência a imitar, mesmo no estado adulto, envolve-nos com profundidade e pode até ultrapassar a razão. Eu próprio, muitas vezes, dei comigo em pensamentos do tipo: não gostava desta faceta do meu Pai, mas, na educação dos meus filhos, quando me distraía, imitava precisamente aquilo que o meu Pai fazia… e com o qual não concordo. Há que manter a lucidez crítica do nosso ambiente familiar e, como devir civilizacional, peneirarmos o que é de mimetizar e transmitir a gerações seguintes e o que, pelo contrário, podemos interromper e não perpetuar. Quem sabe, pela positiva, tal se gravará nos nossos genes…
Sim, dependemos dos nossos genes. Mas há uma boa parte da nossa vida que, no melhor dos sentidos, está na nossas mãos. Saber atuar nessas margens de nós por onde se tece a liberdade, escolhendo o ‘mais’, confunde-se com a porta aberta do discernimento.