dor e silêncio divino
O ‘silêncio de Deus’, concretamente face à dor do mundo, discute-se à anterióri: é impensável a existência humana sem a liberdade friccioante e sem a morte própria das criaturas finitas…
O ‘silêncio de Deus’, concretamente face à dor do mundo, discute-se à anterióri: é impensável a existência humana sem a liberdade friccioante e sem a morte própria das criaturas finitas…
Qualquer criatura humana pensante, crente ou não crente, se perguntará porque é que a revelação a todos os povos não é mais óbvia. Na posição de fé há que assumir que não será por Deus não poder ou não querer. Este ‘ainda não’ da revelação plena é uma inevitabilidade criatural. Resulta da tensão entre a transcendência e a contingência da finitude humana e pode ter uma resposta nossa: assumirmo-nos como revelação em acontecimento.
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se o slm 15
«Senhor, porção da minha herança»
Os salmos são textos poderosos mas encerram um poética carente de extração e contextualização histórico-teológica. Importam, muitas, vezes, os traços subtis cantados transversalmente. No presente caso, seja a confiança.
Pode ser interessante fixarmo-nos numa palavra, num verso, numa ideia, e a partir dela… tecer. Seja a frase: « Senhor, porção da minha herança». Podemos refletir sobre as heranças, isto é, aquilo que nos foi deixado pela geração anterior ou o que deixaremos para outras gerações. Se perguntarmos o que mais precioso nos foi legado pelos nossos pais, pelos que estiveram antes de nós, terão sido os bens, casas ou terrenos, posições sociais ou diplomas? E o que gostaríamos de deixar aos que nos seguirão, à geração seguinte, aos filhos, se os tivermos? Estamos conscientes de que a esperança, a confiança, pode ser o mais precioso legado que podemos deixar a alguém?…
Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.
L 1 Dn 12, 1-3; Sl 15 (16), 5 e 8. 9-10. 11
L 2 Heb 10, 11-14. 18
Ev Mc 13, 24-32
Saboreio muito uma tentativa de vida Cristã que funde o Céu e a Terra, no horizonte da humanidade divinizada. A teologia atual suporta: procura a convergência da imanência e da transcendência.
Além do gozo próprio do pensamento sobre o que pensamos, a filosofia de Platão e de Aristóteles sublinha que é o assombro que move o próprio deleite filosófico…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 12, 41-44
«Esta pobre viúva deu mais do que todos os outros»
Nesta acutilante denúncia, Jesus desvaloriza a ostentação dos fariseus e enaltece a simplicidade da viúva indigente. O que mais nos pode impressionar é que individualmente e como comunidade, estamos repletos deste “resquício farisaico”. Quantos de nós, militando na mesma Igreja que Jesus fundou, este Jesus que combateu os gestos hipócritas dos fariseus, procuramos a exibição nas praças e os primeiros assentos? Procuremos, no dia-a-dia, em oposição, fixarmo-nos nos antípodas da ostentação, focados na radicalidade generosa da viúva pobre e simples.
PS: Pode ser libertador e útil, quando bem aproveitado, o confronto com as escrituras nas celebrações religiosas… Será uma vantagem da ‘ritualização religiosa’: constituir-se no privilégio de poder aproveitar esses encontros, também, para muitos processos críticos e autocríticos, comunitários e pessoais, crescendo e gerando abertura à transformação.
Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.
L 1 1Rs 17, 10-16; Sl 145 (146), 7b-8a. 8bcd. 9. 10
L 2 Heb 9, 24-28
Ev Mc 12, 38-44 ou Mc 12, 41-44
A fé é sobretudo uma aproximação experiencial mas, dentro dessa experiência, revela-se razoável.
Mesmo que imaginemos a Igreja com alguns progressos que muitos de nós desejaríamos, como a ordenação de homens casados e a maior amplitude pastoral e celebrativa no feminino, será difícil que a Igreja católica recupere as estruturas tradicionais pré-modernas. Diz Halik, quanto a mim acertadamente, que é muito provável que as paróquias territoriais poderão dar lugar a centros de acolhimento e de acompanhamento espiritual.
Um dia escrevi estas palavras a uns familiares que acompanhavam alguém em quase agonia: Poucas palavras, diante do sofrimento e da fragilidade, diante dos quais ‘tiramos as sandálias’ e nos colocamos purificados face à nossa própria nudez e à nudez de Deus. Coragem para todos e contem com as nossas orações e o que mais entenderem. Deus, num risco de fé em nós mesmos, na nossa liberdade e na liberdade do pulsar do cosmos, de que faz parte a nossa biologia, quis, não sem mistério, arriscar não eliminar a dor, mas iluminar a dor. É só (…) um ‘i’ em vez dum ‘e’, mas a nuance é grande… Por isto mesmo as nossas preces são no sentido de saber estar, de crescer, de confiar, de despir-se e ser capaz de ver, respirar e suspirar mais além. Vos desejo a todos essa experiência, intensa, não isenta de custo, mas apontando à vida, sempre à vida que, até na iminência da fragilidade aguda e na própria morte, pode florescer.
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 12, 28b-34
«Amarás o Senhor teu Deus. Amarás o teu próximo»
Os mandamentos do amor a Deus e ao Homens são o cerne da fé judaico-cristã e são invocados com frequência como o terreno firme da religião. Pela negativa, dir-se-ia que a religião se afasta tanto mais do seu trilho quanto mais secundariza este ideário. Destacam-se dois amores: a Deus e ao próximo. Mas podemos focar-nos num ‘terceiro amor’, implícito nesta passagem, sem o qual não há eficácia amorosa: o amor a si mesmo. A intenção seria amar o outro como a mim mesmo. Portanto, sem nos amarmos a nós mesmos, não poderemos amar a Deus e aos irmãos. Temos aqui algum lastro da autoestima, do conhecer-se (e aceitar-se) a si mesmo. Não é narcisismo porque tem finalidade mais ampla, sempre fora de mim, mas contando comigo e com o abraço de acolhimento e validação que consigo dar a mim mesmo… este abraço dado, reconhece-se oferecido … e a isto os crentes chamam Graça.
Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.
L 1 Dt 6, 2-6; Sl 17 (18), 2-3. 4 e 47. 50-51ab
L 2 Heb 7, 23-28
Ev Mc 12, 28b-34